DANÇA
Companhia de Dança Deborah Colker apresenta espetáculo no TCA
'Cura' fala de religião, ciência, fé, cultura e força para enfrentar a vida
Por Júlia Lobo*

“Eu escutei ele falar, ‘vovó, calma, espera’”, diz a coreógrafa e bailarina carioca Deborah Colker, 61. A avó, então, deu a mão ao neto Theo, e foi dar um passeio. Durante a caminhada, ela conheceu várias formas de lidar com a indignação que sentia por não existir uma cura para a doença genética que o Theo foi diagnosticado logo após o nascimento, em 2009. Assim, através da sua companhia de dança, Deborah expressa tudo o que aprendeu e traz para o TCA, neste final de semana, o espetáculo Cura.
Apresentado na Sala Principal do Teatro Castro Alves, neste sábado, 9, às 21h, e domingo, 10, com sessões às 20h, o espetáculo fala de religião, ciência, fé, cultura e força para enfrentar a vida. A temática surge de uma situação pessoal da coreógrafa, como ela mesma afirma, mas a história do Cura não é particular.
Depois de passar anos atrás de tratamentos que amenizassem os sintomas da Epidermólise Bolhosa (EB) - doença que deixa a pele sensível a qualquer atrito, gerando lesões e bolhas -, Colker decidiu procurar respostas em outros lugares além da medicina.
“Eu fiz uma costura, acho que esse espetáculo é um bordado, têm saberes, têm culturas, religiões, tem de tudo. Não é sobre o Theo especificamente, mas sobre o que ele causou em mim. É sobre a cura do que não tem cura, porque a cura tem que existir. Se ela não existe no plano físico, ela existe no plano emocional, no intelectual, no espiritual, precisamos tentar todas as possibilidades”, afirma Deborah.
A coreógrafa constrói a história do Cura a partir de cinco personagens: Obaluaê, o cientista britânico Stephen Hawking, Theo, Jesus Cristo e o cantor e poeta canadense Leonard Cohen. Cada um deles, fruto de pesquisas e vivências. Em 2018, início da idealização do projeto, estreitou os laços com o rabino Nilton Bonder, que assina a dramaturgia do espetáculo.
Para ela, Bonder, que a chamava de ‘guerrilheira da ciência’, trouxe o equilíbrio da narrativa com a perspectiva da religião e da morte, como a verdadeira cura. O próprio nome do espetáculo surgiu da morte, em março daquele ano, com o falecimento de Hawking, que também tinha uma doença genética, a Esclerose Lateral Amiotrófica (ELA).
“Ele driblou o diagnóstico que era de viver mais três, quatro anos, e viveu mais de 50 anos. Ele é genial, terminou mexendo a pálpebra para se comunicar, o cara encontrou a cura do que não tem cura, era um cientista que criou um programa de computador, criou teorias importantíssimas. Então a partir daí eu começo a entender”, conta Colker.
Em busca
Um ano depois, em 2019, Deborah decide viajar para África. No Moçambique, descobre que é através do canto e da dança que vem a cura, e decide que a alegria também vai entrar na história.
De volta ao Brasil, mais precisamente aqui na Bahia, a coreógrafa conhece outro integrante da narrativa, Obaluaê. Foi o coreógrafo baiano José Carlos Arandiba, o Zebrinha, quem contou sobre o orixá da saúde e da doença.
“Ele começa a contar a história de um menino que nasceu de Nanã, mas foi rejeitado porque ele nasceu cheio de feridas, ela achou ele horroroso, o negou. Iansã acha ele bacana, cobre ele, transforma as feridas em pipoca. Nessa hora eu parei e falei para o Zebrinha, ‘caraca, eu conheço essa história’, um menino que nasce cheio de ferida, uma mãe que faz uma roupa para ele, e a cura”, relembra a artista.
O espetáculo, que começa com a representação de Obaluaê, também traz um áudio com o neto Theo, narrador da história do orixá.
A gravação conta com o trabalho de Carlinhos Brown, inicialmente convidado apenas para compor a música tema da divindade, acabou como produtor da trilha sonora inteira do Cura.
Na canção, chamada Bandagem, Brown fala sobre a força que existe dentro da dor, além de cantar em iorubá e aramaico. Com a entrada dos Salmos no espetáculo, a partir da indicação do diretor executivo João Elias, o balé, formado por 14 artistas, canta em hebraico e recorda a caminhada de Jesus sobre as águas. A trilha ainda conta com a música You Want It Darker?, do Leonard Cohen, que aborda a morte, Deus e humor.
“A gente canta em dialetos africanos, os dançarinos que vieram comigo de Moçambique, pedi dialetos que falassem de alegria, celebrassem alegria, não é nem saúde, não é nem amor, é alegria, festa, e aí Carlinhos pegou tudo isso e compôs uma música. Então aí, vocês da Bahia, eu como uma carioca, dá licença, vou entrar e fazer a festa”, avisa Colker.
Arte pela vida
Cura tem duração de uma hora e 15 minutos, sem intervalo. Do início ao fim, o cenário, produzido pelo cenógrafo e arquiteto brasileiro Gringo Cardia, dialoga com o enredo religioso, científico, cultural, reflexivo e de celebração.
Existem rampas, que traduzem a questão do desequilíbrio, e caixas montadas para formar um muro que liga a terra ao céu, para simbolizar o momento de fé.
O espetáculo, que levou quatro anos de pesquisa, estava com estreia marcada para janeiro de 2021 em Londres. No entanto, devido a pandemia, o lançamento ocorreu apenas em outubro, no Rio de Janeiro. Até agora passou por nove cidades e chega em Salvador, em 2022, com sessões com audiodescrição.
Deborah, que em seus mais de 40 anos de trabalho e 28 de criação da companhia de dança, nunca soube dividir arte e vida, não fez diferente com o espetáculo atual.
Antes, com Cão Sem Plumas (2017), ela abordava a indignação de um Brasil maltratado nos palcos, através do livro de João Cabral de Melo Neto.
“Esses últimos dois foram longas trajetórias, o próximo, que já tô fazendo, eu sinto que ele vai ser de menor duração, é uma necessidade minha também, eu fiquei em carne viva demais. O Cura é o único espetáculo que não agradeço no palco, eu fico lá atrás, com o público, parece que eu doei tudo, não tenho mais nada”, confessa a coreógrafa sobre o processo criativo do espetáculo, mas acredita que conseguiu unir fúria com delicadeza, principalmente por estar segurando a mão do Theo, hoje aos 12 anos, durante toda essa trajetória.
“Eu descobri no caminho que o meu maior inimigo não é a EB, o meu maior inimigo é desconhecimento. A EB, as doenças raras fazem parte da natureza, já a discriminação, a falta de atenção, de preparo – isso tudo é ignorância, burrice. Eu sempre falo que para tudo tem cura, e a cura do que não tem cura é viver”, conclui Colker.
Serviço
O quê: Cia de Dança Deborah Colker - Espetáculo Cura
Quando: Sábado, 9, 21h, e domingo, 10, 20h
Onde: Sala Principal do Teatro Castro Alves
Ingressos: no Sympla entre R$ 25 R$ 180
Sessão especial: Domingo no TCA, 11h / R$ 1 (inteira) e R$ 0,50 (meia) / Vendas somente no dia, a partir de 9h, com acesso imediato do público
*Sob supervisão do editor Chico Castro Jr.
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