LITERATURA
A trajetória de loucuras e êxito de um ex-delinquente
Por Eduardo Bastos

Talvez o poeta William Blake estivesse mesmo com razão quando afirmou que o caminho dos excessos conduz ao palácio da sabedoria. De outra maneira, como explicar o fato de um bicho doido como o guitarrista Dave Mustaine - que chegou a ser expulso de uma carreira promissora no Metallica por mau comportamento (leia-se álcool, drogas, arrogância e atitudes imprevisíveis) - converter-se ao cristianismo?
De qualquer forma, ele já tem um grande mérito: quantos músicos na história do rock podem se orgulhar de sair de uma grande banda e construir outra. Mas, para chegar ao reino dos céus - a serenidade com a qual ele, aparentemente, encara os dias de hoje -, o músico teve de arder nas chamas de um inferno muito pessoal.
A história de Dave Mustaine é contada com a devida franqueza por ele, com o auxílio do jornalista Joe Layden, no livro Mustaine - Memórias do Heavy Metal, lançado no exterior em 2010 e agora no Brasil.
Nada que lembre um conto de fadas, embora a reviravolta de Mustaine, de um marginalzinho da Costa Oeste norte-americana para uma celebridade do heavy metal, tenha ares de uma Cinderela com testosterona.
Antes, ele tem mais a ver com um personagem de Charles Dickens, com seu sentido de orfandade (o pai sucumbiu ao alcoolismo e abandonou a família), a errância pelas ruas e o flerte com o lado perigoso da vida.
Garoto de La Mesa, Califórnia, filho de família problemática e mau aluno, Dave Mustaine vivia cercado de tias Testemunhas de Jeová e matava o tédio ouvindo música e tocando violão.
Rock na veia
Mais tarde, já fã do Kiss, descobriria o poder da guitarra como meio de obter sexo e do tráfico de drogas como meio de obter dinheiro... e drogas. Praticava também artes marciais, o que lhe deu um bom preparo para as muitas encrencas em que se metia.
Numa delas, foi atacado na escola, em Idaho, por um cara forte. Furioso, Mustaine pegou o livro de magia negra da irmã, construiu um boneco com o nome do cara e arrancou uma perna. Coincidência ou não, pouco tempo depois o cara quebraria a perna em um acidente de carro.
"Esse foi o começo de um longo e perturbador flerte com o oculto, cujos efeitos me perseguiram por anos", confessa.
Aos 16 anos, formou a primeira banda, Panic, que se dissolveria por "falta de compromisso e química". "Escolhi o rock'n'roll pelo estilo de vida, não porque tinha a aspiração de ser um grande músico", disse. Mas uma coisa levou a outra e ele tornou-se um grande músico.
Assim, não teve maiores problemas para entrar no que seria o embrião do Metallica, banda com a qual ajudou a construir o estilo thrash metal, mas da qual foi defenestrado friamente na primeira excursão à Costa Leste.
Na narrativa de Mustaine, sua expulsão ganha tintas dramáticas. Após um dia de farra, entregam-lhe a mochila e uma passagem de ônibus para voltar para a Califórnia. Só depois que o vocalista James Hetfield o deixa na rodoviária é que percebe que não lhe deram um centavo para a longa viagem de volta. Teve de mendigar no ônibus para comer.
"No dia seguinte à minha demissão do Metallica, Kirk Hammett estava em Nova York, assumindo meu lugar na banda e imitando os devastadores solos que eu tinha criado, solos que até hoje são a gênesis do thrash metal", desabafa, com a peculiar arrogância.
A partir de então, vingar-se do Metallica seria questão de honra. E o meio seria formar uma banda nova e torcer pelo fracasso do rival. Com o Megadeth - integrado por um tipo de gente que escova os dentes com cocaína e toma whisky no café da manhã - o lendário hedonismo rocker funcionava em alta-rotação: muita droga (todas), álcool, sexo, briga e doideira.
Deus e o diabo
Mais tarde, Mustaine iniciaria seus périplos pelas clínicas de desintoxicação. E, já no fundo do poço, com um problema no nervo radial que quase o impossibilitou de tocar e o casamento em vias de acabar, entregaria a alma a Deus.
Ainda assim, encontrou desafetos, como o satanista Jon Nödtveidt, da banda sueca Dissection, que passou a atacá-lo na internet, incomodado com sua conversão cristã.
O confronto nos bastidores de algum festival era iminente. Mas aí veio o destino e despachou Nödtveidt para o além. E, desta vez, parece, Mustaine não recorreu ao velho livro de magia negra da irmã.
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