LITERATURA
Maior autoridade em direito autoral da Bahia, Rodrigo Moraes lança livro
Por Júlia Lobo*
Existem diferentes formas de analisar o grau de desenvolvimento de um país, seja através de indicadores econômicos, educacionais ou de saúde. Para o advogado Rodrigo Moraes, no século XXI, também é necessário uma avaliação sobre o quanto um país valoriza a questão da propriedade intelectual, diante do aumento de marcas e patentes.
Trazendo este tópico para a área musical, o especialista em direitos autorais está lançando o livro Evolução da Gestão Coletiva de Direitos Autorais no Brasil: do rádio ao streaming, fruto de sua tese de doutorado na USP. Na obra, Rodrigo traz um século de história, de 1917 a 2017, da luta das organizações de compositores, intérpretes e músicos na cobrança e definição unificada dos critérios de pagamento dos direitos arrecadados.
O marco inicial da gestão coletiva no Brasil começa com a criação da Sociedade Brasileira de Autores Teatrais (SBAT), tendo a compositora Chiquinha Gonzaga como uma das criadoras. Na época, a associação buscava cobrar direitos autorais dos empresários de teatros, mas com a multiplicidade de artistas que entraram no combate, outras uniões foram surgindo, como a União Brasileira de Compositores (UBC) em 1942.
“Ela foi a primeira que saiu com a briga interna dentro da SBAT, e isso aconteceu porque várias entidades cobravam. O empresário naquele tempo não sabia a quem pagar e nem quanto pagar, imagine uma música com dois autores de diferentes entidades, onde cada uma tem uma tabela de preços? Isso só acabou com a lei de 1973, a Lei de Direitos Autorais, a 5.988, e aí unifica a cobrança”, conta Rodrigo.
Porém, mesmo com a lei de 73, a ordem foi posta em prática apenas em 1977, com o Escritório Central de Arrecadação e Distribuição (ECAD). O órgão tem a legitimidade da cobrança e é administrado, atualmente, por sete associações de músicos, como a UBC e a Associação de Intérpretes e Músicos (Assim). Representando os artistas e os demais proprietários das obras musicais, estas associações garantem o recebimento dos direitos autorais de execução pública.
Direitos na era digital
No livro, Rodrigo faz o recorte do rádio ao streaming, abordando as evoluções e retrocessos de acordo com a mudança dos meios de acesso às canções. O autor debate, por exemplo, sobre a decisão de 2017 pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ) de determinar as plataformas de streaming (YouTube, Spotify, Deezer etc) como execução pública, quando empresários destas corporações afirmavam a execução privada, recusando o pagamento dos direitos autorais.
“Esse argumento já foi usado quando a TV surgiu também, diziam que você assiste em casa, e se está em casa não precisa de direito autoral, mas isso é outra coisa, porque se a TV estiver num consultório médico, numa academia, já passa a ser um ambiente público. É um argumento de um grupo que não quer pagar, se não for considerada a execução pública, é muito melhor para a gravadora”, explica Moraes.
O autor discorda da insistência das empresas em manterem visões contratuais da era analógica na digital, onde o alcance é maior. O pagamento era feito aos artistas apenas pelas músicas do disco gravado, sem contar com a repercussão gerada pelas composições, como os milhões de visualizações que podem ter no YouTube e a quantidade de vezes que foram reproduzidas nos aplicativos.
Outra denúncia feita pelo advogado diz respeito aos direitos conexos, que representam os intérpretes, instrumentistas e os produtores fonográficos. Segundo ele, o grupo não tinha os direitos garantidos até a década de 1980 e agora, com a chegada dos streamings, essa realidade voltou à tona, apagando toda uma luta histórica. Assim, o especialista sinaliza que se os direitos conexos estivessem garantidos, os músicos estariam em uma situação financeiramente melhor durante a pandemia da covid-19, que impediu a realização de shows por mais de um ano.
Além deste embate, mesmo com apenas os direitos do autor sendo pagos pelas plataformas digitais, ainda são questionados os valores repassados e a falta de transparência sobre eles. “Uma música vale mais quanto mais ela for tocada, mas o que se recebe é muito pouco por cada reprodução. Isso é contraditório, porque cada vez mais pessoas preferem pagar de R$ 16 a R$ 20 em um aplicativo que vai me dar milhões de músicas do que R$ 9,90 em um disco, e assim essas plataformas têm como pagar melhor”, afirma.
Em defesa da música
Apesar das ressalvas, o advogado certifica que seu livro não demoniza as plataformas digitais. Para ele, são novos meios que trouxeram respostas positivas com a diminuição da pirataria, o alcance mundial dos artistas e a possibilidade de ouvir álbuns fora de catálogo. No entanto, é preciso rever o modelo de pagamento adotado, a garantia dos direitos conexos e a valorização dos músicos que estão atrás dos holofotes, como instrumentistas e compositores.
Para trazer essas questões e outros temas que envolvem a história dos direitos autorais, Rodrigo organizou uma live de divulgação do livro para quinta-feira, 7 de outubro, Dia do Compositor Brasileiro. No bate-papo, marcarão presença o cantor Frejat, o compositor baiano Manno Góes, a advogada especialista em direitos autorais Vanisa Santiago e o orientador da tese, José Carlos Costa Netto.
A transmissão será pelo canal de YouTube da Fundação Orlando Gomes, às 19h. Transmissão e obra, afirma Rodrigo, são acessíveis para todos. O advogado, que é professor de Direito Autoral e Propriedade Industrial na Ufba, embarcou nessa área pelo gosto à música e arte em geral. Ele mesmo é compositor e fez parte do disco Ijexá: Canto de Encantar, com Josyara, Luciano Calazans, Belô Velloso e Luiz Caldas.
“Meu TCC e mestrado também foram sobre os direitos autorais. E eu quero que esse material seja rico não só para quem é da área jurídica, mas principalmente da música. O músico precisa ser um ser político e conhecer os seus direitos, é muito dinheiro envolvido nessa máquina, e é preciso que a classe se una”, acredita Moraes.
*Sob supervisão do editor Chico Castro Jr.
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