LITERATURA
Obra da baiana Tessa Pisconti reflete sobre memória, afeto, natureza e poesia
Por Eduarda Uzêda

"De pés descalços levanto-me para o adeus/ Com sorriso grato, trago a arca repleta/ Deixo-me e te levo em mim/ Visitei o mundo acolhido em teu ventre dorido/ Casa de encontros traçados/ Por ora, ainda avisto a poeira dançar nos meus olhos molhados, a cobrir os signos da reconstrução/ Do alto, vejo o Atlântico Sul a rastrear meu pranto, enquanto musseques acinzentam a tua face como numa manhã de cacimbo/ Refaço a volta para onde te reconheço".
Trata-se da poesia Cacimbo, nome dado à estação fria e seca no período de maio a agosto em Angola. O poema integra o livro Colcha de Retalhos, da escritora e poetisa baiana Tessa Pisconti. Em 2010, a autora chegou a ser condecorada pelo Itamaraty com a Comenda da Ordem de Rio Branco, pelo trabalho desenvolvido no Centro de Estudos Brasileiros de Luanda. Cacimbo faz alusão à despedida da autora do país africano.
Tessa Pisconti, que nasceu em Praia do Forte, município de Mata de São João, tem uma ligação forte com Angola. Graduada em Turismo e com experiência na área de Educação, ela aceitou o convite de ir para Luanda, onde viveu por quase oito anos e chegou a atuar como gestora cultural e diretora da Casa de Cultura Brasil-Angola (atual Centro Cultural Brasil-Angola) – onde teve grande reconhecimento.
Lá, entre outros projetos criou o Sopa de Letrinhas, de incentivo a leitura e à literatura infanto-juvenil. Entusiasmada com a receptividade das rodas de leitura publicou o seu primeiro livro, O Macaco Chorão, de forma independente, no ano de 2011. Uma da vencedoras do 4º Concurso Caxinde do Conto Infantil, ela publicou A Galinha que Queria ser Actriz (2013), pela Plural Editores, do Grupo Porto Editora.
Colcha de Retalhos, selo da editora Madrepérola, é o terceiro livro da autora (os outros são infanto-juvenis) e o primeiro no gênero poesia. "São ao todo 64 poemas que abordam desde a metapoesia até à natureza, as questões sociais a memória e o afeto" , descreve Tessa Pisconti, que agora em 2020 participou da Antologia poética Terra, Fogo, Água, Ar: Coletânea Lírica (Edufba).
A TARDE inspirou
A sensibilidade e criatividade da poeta pode ser conferida no poema Fugitivo, que foi criado a partir de uma notícia que a autora afirma que leu no jornal A TARDE.
A matéria de novembro de 2018 fala de um triste fato: um boi da raça Nelore proveniente da Feira Nacional de Agropecuária (Fenagro) teve um fim trágico.
Ele teria fugido durante o desembarque no Parque de Exposições, em Salvador, e morreu afogado na praia de Stella Maris. Banhistas e salva-vidas tentaram salvar o animal de três anos de idade, mas ele não resistiu.
Segue um trecho do poema Fugitivo que, além de imagético, dignifica o boi, aqui chamado de Valentin, que "perdeu a batalha com o mais valente" – no caso, o mar.
"Naquela manhã, o decreto: exposição/ Lá foi, confinado sem saber caminho/ A alma, essa nunca se deixou encarcerar/ A estrada longa, não tão deserta/ Caminhos, voltas, revolta/ Cheiro ralo de capim no asfalto/ Rumo ao inglório estrelato".
"E valentinamente decidiu:
não seria troféu/ Vestiu asas da bravura e, na primeira brecha, voou!/ Se embrenhou na mata translúcida/ Escapou de pronto e deu de cara com o mais valente/ Adentrou o pasto azulado, imergiu!/ Valentin, Valentin!/ Venceu a pressão e nunca mais/".
A poetisa, que ao voltar ao Brasil ingressou no curso de Letras, afirma que seu processo criativo vem de qualquer inspiração do dia a dia. Isso pode ser comprovado no poema Instante, onde a poeta fica contente com a contemplação da natureza: "Da janela vejo a chuva a banhar o vento/ De mim, árvores afoitas dançam de alegria".
Apresentação
As memórias afetivas ganham destaque no poema Quintal da Minha Avó, que traz este trecho: "O mundo começou no quintal da minha avó/ Nele semeei sonhos, plantei quimeras, vivi fantasias, teci esperanças/ Compartilhei alegrias"!.
O livro tem apresentação de Afonso José Sena Cardoso, embaixador aposentado, com Formação em Letras, que destaca sobre a arte de Tessa: "Em todos os versos o ofício do ourives pesa, sussurra a colher cada palavra. Nada é excessivo. E nestas páginas a exatidão não compromete o maravilhamento".
"Foi meu primeiro chefe na embaixada, quando ele era embaixador do Brasil em Luanda (Angola). É um grande intelectual, incentivador das artes", afirma Tessa sobre ele.
Não faltam boas notícias. Ela comemora a seleção do poema inédito O Rio da Minha Aldeia pelo Prêmio Poetize 2021 no Concurso Nacional Novos Poetas. Foram selecionados 250 poemas de todo o Brasil. Vale conferir.
Para saber mais sobre Tessa Pisconti acesse o Instagram, ou o livro clicando aqui.

Compartilhe essa notícia com seus amigos
Siga nossas redes