TEATRO
"O Teatro íntimo, que afastou o povo, deu um tiro no pé"
Por Eduarda Uzêda

Paulo Dourado, diretor teatral e musical, roteirista, cenógrafo, dramaturgo e professor da Escola de Teatro da Ufba, é um artista singular. Ele é o criador de um projeto único no cenário cultural da Bahia: O Teatro Popular Contemporâneo (Teatros do Tempo), vertente do teatro épico, de cunho grandioso e democrático, voltado para a encenação de fatos históricos.
Este projeto há 22 anos vem marcando a cena teatral da cidade, com espetáculos como A Conspiração dos Alfaiates (1992), Canudos- A Guerra do Sem Fim (1993), Lídia de Oxum (1995), Rei Brasil (2000) Búzios - Conspiração dos Alfaiates (2011), além de A Paixão de Cristo (4ª edição este ano) e o Festival Artes do Sagrado, (2ª edição, também este ano).
Dourado, que também dirigiu o espetáculo Novíssima Poesia Baiana, megassucesso de público do grupo Los Catedrásticos, fala nesta entrevista exclusiva dos seus projetos com o Teatros do Tempo, dos planos enquanto administrador do Theatro XVIII e da cerimônia do Prêmio Braskem de Teatro, que homenageará Shakespeare. Ele disseca aspectos do Festival Artes do Sagrado e fala da mudança do espetáculo Paixão de Cristo da Concha Acústica para a Barra. Confira os trechos.
Paulo Dourado, há 30 anos acompanho sua trajetória artística e há mais de 20 sou testemunha da sua luta e implantação do projeto de teatro popular, de cunho épico e grandioso, sobretudo, democrático e digno. Quando você decidiu enveredar por esta linha de teatro na cena baiana?
A ideia deste Projeto de teatro que denomino O Teatro Popular Contemporâneo (Teatros do Tempo) e que produziu inúmeras peças de cunho histórico como Canudos e Alfaiates surgiu quando estava encenando A Novíssima Poesia Baiana, com Los Catedrásticos, em 1989. O público lotava as salas, assistia inúmeras vezes ao espetáculo e eu percebi, ao contrário do que muitas pensavam, que o povo adora teatro.
E então, o que aconteceu?
Então pensei no Carnaval, nas escolas de samba, nos grandes shows e refleti: será que se não se pode retomar, em Salvador, um teatro que se aproprie de temas históricos como acontecia na Grécia e com Shakespeare, que na sua grandeza se aproximasse do circo e das festas populares, mais com uma linguagem contemporânea, utilizando tecnologias atuais? Aí surgiu o primeiro espetáculo: A Conspiração dos Alfaiates, em 1992
Mas você está na contramão da maioria dos encenadores contemporâneos, já que grande parte está apostando em teatro para um público limitado, até para uma pessoa só (como é o caso do teatro mínimo).
Sim, porque este teatro que eu acredito e venho implantando demanda uma linguagem especial, muita pesquisa... O teatro, atualmente, perdeu contato com o público. Ele está cada vez mais sendo confinado em pequenas salas, espaços reduzidos ou até em apartamentos. Foi uma decisão de alguns artistas optarem por este teatro de bolso, interiorizado. Mas o teatro íntimo, que afastou o povo, deu um tiro no pé. Foram as pessoas de teatro que terminaram rompendo laços com o grande público. Se voce não faz teatro para o público e reclama, é uma espécie de gozação. Neste ponto de vista, estou na contramão porque minha proposta, como bem cantou Milton Nascimento, é ir ao encontro do povo.
Você vem lutando há anos por apoios e patrocínios. Como está a situação atual em relação a verbas com o projeto Festival Artes do Sagrado, que acontece a partir de quinta-feira até o dia 21 deste mês, com inúmeras atividades?
O Festival Artes do Sagrado, que, entre outras atividades, conta com a exibição do espetáculo A Paixão de Cristo, além de apresentação de uma série de concertos sinfônicos e corais, mostra de filmes e da exposição especial Santeiros do Sagrado, conta com o patrocínio da prefeitura e, desde a primeira edição, com o apoio do governo, através da Embasa e da Bahiatursa. A Secretaria de Desenvolvimento, Turismo e Cultura do munícipio percebeu o potencial turístico e econômico do projeto e patrocinou R$ 400 mil.
O projeto Artes do Sagrado foi ampliado este ano?
Sim. Depois do sucesso da primeira edição, o festival não só amplia como inclui novos espaços públicos. Este ano, por exemplo a encenação A Paixão de Cristo sai da Concha Acústica para ser apresentada na Barra, em cinco dias consecutivos, de 16 a 20 de abril. Entre as novidades do Festival Artes do Sagrado, a Rota do Cinema com a exibição de filmes inéditos como Fragmentos de um Filme esmola- A Grande Familia, de João Cesar Monteiro, Milagre em Juazeiro, de Wolney Oliveira, e Sagrado Segredo, do cineasta André Luis Oliveira.
A Paixão de Cristo foi um sucesso na Concha Acústica. Por que vai mudar para a Barra?
O baiano gosta de espaços abertos e depois da reforma, a Barra reafirmou seu grande magnetismo. É um verdadero point, vive lotada. Do ponto de vista artístico, de visualização das cenas, vai trazer grandes desafios, mas na via pública a acessibilidade da população será maior. O espetáculo ganha em visibilidade, em liberdade.
Só A Paixão de Cristo, que integra o Festival Artes do Sagrado, já repercute na esfera turística, não é?
Sim. Todo o projeto , que transcende o plano artístico-espiritual, repercute na economia também. Sempre faltaram atividades culturais na Semana Santa. Apesar da cultura global, as identidades devem ser valorizadas. Os santeiros da Bahia, por exemplo, vão expor, de quinta a 20 de abril, no Museu Palacete das Artes. Nós reconhecemos e valorizamos o trabalho destes artistas, que têm grande qualidade e se aproximam da arte de Rodin.
Você já pode antecipar alguma novidade da encenação A Paixão de Cristo?
São 52 atores profissionais, 25 crianças, um coral realizado com a plateia regido pelo maestro Cícero Dias. Não faltarão animais em cena e muitos efeitos especiais. O mais importante é que as pessoas fazem reflexões sobre valores humanos e isto prova o quanto o teatro tem de espiritual. É o teatro fazendo a catarse.
E como é esta história de transformar o conteúdo das peças como Dois de julho - A Ópera da Independência em audiovisual?
Queremos também transformar o conteúdo das peças históricas como Canudos e Dois de Julho em série de cinco capítulos e já estamos em contato com uma emissora de TV discutindo isso. Queremos que os projetos do Teatros do Tempo também se difundam para as escolas, com sites e material par o professor como o texto das peças e DVD. A intenção é de atingir 200 mil estudantes. O teatro é a alavanca para este projeto multiplataforma.
Você está administrando o Theatro XVIII. Em que estágio está a casa de espetáculos, que necessitava de reformas?
Estamos ainda na reforma física e resolvendo questões burocráticas da troca de gestão. Como já tinha sinalizado, a ideia é implantar núcleos de formação profissional e de pesquisa de referência do teatro baiano, além da apresentação de espetáculos convencionais e de experimentação. O anexo do XVIII continua funcionando.
Você também será o diretor artístico da cerimônia da 21ª edição do Prêmio Braskem de Teatro, que será realizada no próximo dia 23.
A cerimônia terá como foco este ano a participação dos espectadores como parte essencial dos espetáculos teatrais. Este ano, o ator baiano Lázaro Ramos vai ser o grande homenageado. Queremos também prestar homenagem ao dramaturgo inglês William Shakespeare, já que no dia 23 de abril, data da cerimônia, se comemoram 450 anos de seu nascimento. Ele morreu neste mesmo dia (há 398 anos, com 52 anos).
Adiante mais alguma coisa.
A cerimônia também terá a participação da cantora Margareth Menezes e do ator Jackson Costa. E a trajetória de meio século do Teatro Vila Velha será lembrada durante a entrega dos prêmios. Artistas como Bule-Bule e o Os cãos farão parte da festa
Os cãos?
Sim, com esta terminologia. Trata-se de um grupo cultural de Jacobina. É um grupo maravilhoso e que também faz parte da cultura popular, muito divertido. A direção musical será de Gerônimo.
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