CULTURA
Galvão Bueno: "Hoje me sinto um produtor de vinhos"
Por Regina Bochicchio

O Galvão Bueno celebridade do comentarismo esportivo, que cravou bordões imortais como "Vai que é sua, Taffarel", é uma coisa. O carioca Carlos Eduardo Galvão Bueno, 65 anos, empresário de vinhos, é outra, que não aparece na tela. Por "paixão", diz ele, e uma ideia fixa de ter um vinho que levasse seu nome, Galvão apostou suas fichas e cifras nesse negócio. Deu certo. Quase uma década depois de começar o projeto da vinícola Bela Vista, em parceria com a Miolo, na região do Seival (RS) onde produz cinco rótulos, Galvão hoje é um empresário de vinhos bem-sucedido e tem sua própria marca, a Bueno Wines. Tornou-se sócio da Miolo Wine Group. Expandiu seus negócios para a Itália, onde adquiriu uma propriedade na região da Toscana na qual elabora nada menos que o clássico Brunello di Montalcino ao lado do enólogo-mentor Roberto Cipresso. Galvão aproveitou a sua vinda a Salvador, como narrador do jogo Brasil X Peru, na terça passada, para apresentar seus vinhos a empresários, amigos e amantes da bebida - por aqui, os rótulos são distribuídos com exclusividade pela Paula Gaya. Ele concedeu entrevista exclusiva para A TARDE e falou de vinhos, desafios e revelou que craques do esporte brasileiro também se rendem a Baco. Futebol? Quase nada, isso ele deixa para a TV. Sem problemas, o outro Galvão é muito mais curioso.
Como o bem-sucedido comentarista esportivo se tornou um empresário de vinhos?
Paixão. É... eu viajo pelo mundo há muitos anos. Com jogos de futebol, mas principalmente com a Fórmula 1 e desde a época em que era muito mais na Europa. Então, França, Espanha, Itália, Portugal, o Velho Mundo do vinho. Eu fui vendo e entendendo o hábito deles, do vinho em cada refeição, e fui começando a aprender a diferenciar as diversas castas... e fui me apaixonando pelo vinho. O meu trabalho me possibilitou conhecer enólogos, produtores de vinho, visitar vinícolas nos países. E eu fiquei com essa ideia fixa de um dia produzir meu vinho, que levasse meu nome, deixar uma obra nesse sentido. Então, foi isso: era uma paixão, que se transformou num desejo, que se transformou numa realidade. Hoje eu me sinto um produtor de vinhos. Não sou estudioso - não sou enólogo, tento não ser enochato (risos) e não gosto da palavra enófilo, acho muito esquisito. Eu sou um apaixonado, mas eu dou palpite, participo da elaboração dos vinhos. Quando eu fui começar no Brasil, eu fui procurar alguém que entendesse de vinho...
Que foi o início de tudo, com a Miolo, não é?
Sim, teve toda essa história de conhecer o velho mundo do vinho e querer fazer um vinho. Eu não imaginava era como iria fazer isso. Mas lá na Campanha Gaúcha eu já tinha uma ligação com a família Miolo porque nós vendíamos touro Angus para o Darci Miolo, que é o patriarca (pai do Adriano) e o Darci vendia carneiros para a nossa criação. Surgiu a oportunidade quando alguém me disse em Pinheiro Machado (região do RS) que tinha uma vinícola para vender. Eu fui, então, procurar quem eu conhecia do mundo do vinho, que era a Miolo. O Adriano (Miolo) disse: "Não é o que você quer. Tenho certeza que você quer fazer uma coisa de qualidade". E propôs: "A gente achou uma área aqui, pertinho da Miolo, no Seival, e que nós já fizemos todas as análises de terra e é fantástico. Nós íamos comprar, mas compra você que nós fazemos juntos". E assim saiu essa parceria. E hoje eu sou sócio da Miolo Wine Group. E a Bueno Wines tem a vinícola Bela Vista onde produzimos hoje cinco rótulos: o Paralelo 31, o Bueno Cuvée Prestige; dois varietais, da linha Bela Vista, um pinot noir e um sauvignon blanc. O pinot noir recebeu medalha no concurso da Bélgica. E o último rótulo criado é o espumante rosé brut Desirée, uma homenagem à minha esposa, chamada Desirée, que em francês quer dizer "desejada".
Quando bebeu seu primeiro grande vinho, ou seja, quando a bebida te 'capturou'?
O vinho me capturou ...no comecinho dos anos 80. Eu comecei a viajar pela Europa, com Reginaldo Leme. E a gente começou a ver as pessoas que tomavam vinho nas refeições e começamos também. O primeiro grande vinho que bebi foi o seguinte: na Copa do Mundo de 1982, eu viajei muito de carro pela Espanha com Sergio Noronha, meu velho parceiro. E nós andamos Oviedo, La Coruña, Vigo, girávamos de carro, fazíamos os jogos do grupo da Itália, Alemanha - que acabaram fazendo a final. Entre o caminho de La Coruña para Oviedo, achamos um hotel que falamos: é esse aqui que vamos dormir. E nesse hotel, na primeira noite, chegamos para jantar, pedimos a carta de vinhos e apareceu um sommelier que disse: vocês vieram no lugar certo porque só nós aqui temos um Vega Sicília. Não sabíamos. Eu olhei para o Noronha, o Noronha olhou pra mim, nós olhamos para o preço, quase caímos para trás e dissemos: "Traga". E veio um Vega Sicília, que é tempranillo, uva da Espanha que está entre os 10 melhores vinhos do mundo. Valeu o preço. Esse foi o primeiro grande vinho que tomei, em 1982, não esqueço jamais.
Jogadores brasileiros também passam pela Europa. Eles também apreciam vinhos?
Vou te contar uma história: fui recebido pelo Daniel Alves, baiano, de Juazeiro, ao lado de Casa Nova, onde nós temos a Terranova (Miolo), para um almoço maravilhoso. E, minha surpresa: bebemos um Vega Sicília, ou melhor, dois. E ainda me deu uma garrafa de presente. O Ronaldo? Ronaldo (Fenômeno) é um amante de vinhos, é sócio de uma vinícola na Espanha. Gostamos muito de tomar vinhos juntos. O Pirlo, da Itália, tem uma vinícola. O Messi, da Argentina, tá fazendo vinho. Na Fórmula 1, o Felipe Massa hoje conhece bastante bem vinhos, tem uma belíssima adega...
Onde é que o esporte se encontra com o vinho?
Um atleta de ponta não pode beber demais. Mas ele pode aproveitar um ótimo vinho, porque o vinho faz bem à saúde. Então, eu dizia do Felipe Massa, ele tem uma bela adega, belas marcas, belos rótulos... eu falava do Ronaldo... o Kaká, de vez em quando toma uma bela taça de vinho...
O Kaká?
Ora, por que não? Eu tenho uma brincadeira com ele porque fomos jantar na Itália, ele e o Robinho. E ele (o Kaká) disse: "Escolha o vinho você!". Eu disse: "Escolho, mas você vai pagar". E ele pagou (risos).
E qual era o vinho?
Vou cometer uma traição comigo mesmo, não era um Brunello de Montalcino, era um Barbaresco, do Angelo Gaja*, um nebbiolo 100%, é uma das coisas maravilhosas que há na Itália. (*Cerca de R$2 mil)
Foi você que contou na TV uma história do ex-jogador baiano Vampeta, que bebeu um vinho caro do Ronaldo e disse que o vinho era ruim...
Não, não fui eu. Deve ter sido o Ronaldo e deve ser invenção (risos). Não sei o que foi, mas deve ser invenção (risos). O Ronaldo é uma figura, meu amigo. Ele tem idade pra ser o meu filho. Me emociona até hoje quando ele me chama de padrinho. Ele me encantou quando eu o vi, logo no início eu vi que ele seria um gênio, um dos melhores atacantes da história do futebol mundial. E, realmente, dei muita força a ele. E o Ronaldo, até hoje, com a amizade que nós temos, quando me vê, diz: "E aí padrinho, tudo bem?". E somos parceiros, trabalhamos juntos, tomamos, às vezes, até muitas garrafas de vinhos nas conversas à noite, até tarde, depois dos jogos. Tem dessas coisas. O Ronaldo é uma figuraça e o Kaká é um dos caras mais do bem que eu já conheci na vida.
E os seus vinhos na Itália: você faz um sangiovese 100% e Brunello di Montalcino...
O Bueno La Valletta é feito, até a última safra com uvas sangiovese cultivadas em Lorenzana, na Toscana e vinificado pelo Roberto Cipresso, em Montalcino. É um sangiovese 100%, que é uma coisa meio rara. Não são todos assim na Toscana. Mas o resultado foi acima do esperado. É um vinho de grande sucesso no Brasil hoje. O outro é um clássico, com sangiovese grosso; e, para ser um Brunello di Montalcino, só se for sangiovese grosso 100%, dentro do perímetro de Montalcino. O vinho só pode entrar em venda em março do quinto ano após a colheita. Ele tem que ter, no mínimo, dois anos em madeira e dois anos e pouco em garrafa. Vou abrir um parênteses aqui: a safra de 2015 está sendo considerada a safra da história. Você vai ter que esperar até 2021 para provar o vinho dessa safra. Sabe por que? Só vai entrar no mercado em março de 2020 e se for Riserva, 2021.
O que houve para essa safra ser excepcional?
Bom... eu aprendo muita coisa com Cipresso. Você precisa ter respeito pelo sol, pela chuva... é a natureza que faz um grande vinho. O trabalho do agrônomo e do enólogo é aproveitar da melhor forma aquilo que a natureza nos dá. E parece que Deus nos deu um ano absolutamente espetacular lá na Itália. Chovia na hora certa. Fazia sol na hora certa, o calor na hora certa. Então, essas coisas não têm explicação e são as coisas mais fantásticas de conviver com o vinho. O enólogo não é mágico. Ele jamais vai pegar a safra ruim e transformar aquilo num grande vinho. Quando muito, ele pode arruinar uma safra boa.
Se Galvão fosse um vinho, que características teria?
Essa ninguém nunca me perguntou (risos)... poderia ser duas coisas: um corte bordalês de cabernet sauvignon e merlot, muita força de um lado e o jeito mais suave do outro... ou então, não... logo um Brunello di Montalcino, autenticidade pura... eu seria um Brunello, personalidade forte, tenho lá minhas explosões mas tento ser educado.
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