CULTURA
Ganhadeiras de Itapuã levam prêmios nacionais
Por Lorena Morgana

Há tempos, em Itapuã, precisamente nas imediações da Lagoa do Abaeté, era possível ouvir vozes femininas entoando cantigas que retratavam um certo estilo de vida. "As ganhadeiras nascidas na praia de Itapuã vendendo peixinhos baratos pescados pela manhã, quem quer comprar os peixinhos?" Esse era o jingle cantado por mulheres que sustentavam suas famílias com o trabalho de ganho pelo bairro.
O termo ganhadeira, que está indiscutivelmente associado à vitória, foi o substantivo mais adequado para nomear as cantadeiras e sambadeiras, e antigas lavadeiras de roupa ou vendedoras de quitutes baianos, que gravaram o CD As Ganhadeiras de Itapuã e ganharam os troféus de Melhor Álbum e Melhor Grupo na categoria regional do Prêmio da Música Brasileira 2015.
Grito de ganho
A origem d'As Ganhadeiras está associada à criação do Grita (Grupo de Revitalização de Itapuã) em 1997. Amadeu Alves (direção musical), com Jenner Salgado (direção artística) e Salviano Filho (produção executiva e adereços) tiveram contato com antigos moradores da comunidade para resgatar memórias e costumes ligados ao bairro.
Inicialmente, pensou-se em um coral de pescadores e lavadeiras. "A partir de ideais como a do coral, entrei em contato com pessoas que eu já tinha proximidade, e elas começaram a incluir outras que se encaixavam no perfil que estávamos procurando. Mas foi em 2004 que o grupo tomou a forma que possui hoje", relembra o diretor musical.
As mulheres
O grupo é composto por 27 mulheres de idades variadas, ligadas ou não por laços familiares. A ganhadeira mais velha, dona Raimunda, tem 85 anos, enquanto que a mais nova, Alana (que é neta da ganhadeira dona Xindó), tem apenas 2 anos.
As crianças mais novas são filhas, netas ou bisnetas da geração mais velha. "Começamos a incluir meninas novas no grupo, pois as integrantes que eram crianças lá no início, hoje já são adultas", explica Amadeu Alves.
Aos 81 anos, dona Mariinha é, há quatro anos, presidente do Conselho Consultivo do grupo. "Faço parte do grupo cultural desde 2004. Mas sou ganhadeira desde sempre, assim como meus pais foram. Meu papel é ser porta-voz das meninas: Amadeu, Jenner e Salviano resolvem assuntos mais burocráticos ou trazem ideias, e eu dou a palavra final", explica dona Mariinha, que trouxe neta e bisneta para integrar o grupo.
A ganhadeira-compositora dona Eunice, 78 anos, não é natural de Itapuã, mas vive no bairro desde muito jovem: "Desde os tempos de criança eu veraneava em Itapuã", canta ela.
Importância
O grupo, além de ter uma tradição afro-descendente protagonista, possui também uma raiz indígena bem forte e se baseia bastante na religiosidade. "Nós trabalhamos com frentes espirituais: adoramos Maria (matriz católica), Iemanjá e Oxum (matriz afro) e Caboclo Rei das Matas (matriz indígena). Sem a fé não conseguiríamos nos manter. Precisamos da religiosidade", explica Jenner Salgado. "As Ganhadeiras são a alma do povo de Itapuã", define Amadeu Alves.
Politicamente, o diretor musical crê que as Ganhadeiras podem tanto afirmar questões étnico-culturais, como contribuir com a possibilidade de desenvolver políticas públicas e projetos para que "ser ganhadeira" desencadeie em geração de renda e preservação de memórias culturais.
Para a cantora Mariene de Castro, que teve sua participação no recente CD de estreia do grupo, "essas mulheres devolvem pra sociedade a história do nosso povo através dos seus cantos. Elas cantam e trazem a leveza e a alegria do povo que curam suas dores através dos sambas".
Já para o músico Gerônimo, As Ganhadeiras "transcendem o campo musical", pois resgatam e conservam uma memória coletiva de outrora.
Compartilhe essa notícia com seus amigos
Cidadão Repórter
Contribua para o portal com vídeos, áudios e textos sobre o que está acontecendo em seu bairro
Siga nossas redes