CULTURA
Leona Cavalli traz o espetáculo ‘Elogio da Loucura’
Espetáculo é baseado em livro de Erasmo de Rotterdam
Por Gláucia Campos*
Nesta sexta-feira, 8, estreia a peça teatral Elogio da Loucura na Caixa Cultural Salvador, espetáculo protagonizado pela atriz Leona Cavalli e dirigido por Eduardo Figueiredo.
A história é baseada na clássica obra de Erasmo de Rotterdam, escrita originalmente no século XVI. O texto é uma crítica satírica do autor a sociedade da época e suas instituições, como a política e a igreja. Para isso, a ‘Loucura’ assume uma forma humana, discursa seu próprio elogio e expõem as contradições e problemas da humanidade.
Embora a loucura signifique insanidade por definição, na obra de Rotterdam ela assume um outro caráter, tornando-se parte da estrutura do nosso mundo. Ao longo do livro, essa personagem, a Loucura, é explorada como uma força vital e questionadora da sociedade. Para os palcos, a atriz Leona Cavalli vai interpretar a Loucura, mantendo a essência do texto renascentista, marcado pelo humor, sarcasmo e questionamento aos costumes.
A peça adapta essa visão para o teatro contemporâneo, trazendo uma personagem que encarna a Loucura em uma representação vívida e desafiadora. O diretor do espetáculo, Eduardo Figueiredo, conta que a ideia de adaptar o texto partiu de Leona Cavalli.
“Em plena pandemia, em conversas sobre projetos futuros, Leona me apresentou o livro de Erasmo, que eu li e me impactou pela atualidade. Foi uma crítica ácida do século XVI, mas que se alinha perfeitamente com as adversidades do nosso tempo. É surpreendente como a crítica de Erasmo, naquele período, apresenta a figura do louco como autoconhecimento, que o homem só pode alcançar, segundo ele, por meio da liberdade proporcionada pela Loucura”.
Entre o popular e o erudito
Por se tratar de uma obra escrita no século XVI, Eduardo comentou que, apesar dos temas debatidos permanecerem atuais, um dos maiores desafios foi adaptar o texto para o contemporâneo. O diretor e a atriz Leona Cavalli optaram por manter grande parte da linguagem original, ajustando os trechos mais pertinentes para a atualidade com o propósito de tornar o texto erudito em algo mais popular. “Mantivemos a essência da obra com muito humor e ironia, a loucura do ponto de vista social. E, com algumas liberdades poéticas, utilizamos através de recursos cênicos, estratégias para aproximação do público pela obra. O resultado é um feliz encontro entre o popular e o erudito”, explicou o diretor.
De acordo com Figueiredo, a dificuldade não esteve apenas nessa “tradução” das ideias de Erasmo para os dias de hoje, mas também em tratar a loucura sem os estereótipos patológicos que são impostos a essa condição.
“Erasmo não aborda a loucura como doença, mas como uma lente para enxergar o mundo e o próprio homem. Ainda não havia estudos naquele período sobre o tema. Somente em 1989, a loucura deixa de ser uma característica/ condição da Idade Média (pessoas excluídas ou satirizadas) mas torna-se uma condição universal capaz de atingir qualquer homem na sociedade. E, só a partir dessa data, passível de estudos. E nossa sociedade contemporânea faz esse link imediato, loucura como doença [...] A Loucura erasmiana revela uma crítica que é social e, ao mesmo tempo, um processo de autoconhecimento, uma liberdade interna que todos precisam aceitar como parte da vida”, acrescentou.
Leona, que é apaixonada pelo livro há anos, destaca a profundidade de seu processo de preparação para a peça: “O livro revela a loucura não pela ótica do sofrimento, mas como uma força criativa, natural e necessária a todo ser humano. Esse é o olhar que quisemos manter na adaptação inédita para o teatro. A Loucura é uma personagem absolutamente lúcida, que vai nos mostrando, com humor e ironia, como o mundo é louco. É tão atual que o público chega a ter certeza de que foi escrita hoje”, comentou Leona.
Na adaptação, a Loucura é retratada como uma deusa, uma figura que reivindica seu espaço no mundo, questionando os padrões e as normas estabelecidas. Para Leona Cavalli, esse é o ponto central da montagem. “A Loucura aqui é uma força que todos carregamos, uma parte de nós que clama por ser aceita. E isso exige que abramos mão do preconceito e do medo,” reflete a atriz.
Violoncelo e percussão
Para potencializar a experiência, o espetáculo conta com música ao vivo, com Rafa Ducelli no violoncelo e Cika na percussão, acrescentando nuances sonoras que dialogam com a intensidade do texto. Figueiredo, conhecido por utilizar músicos em cena, reforça a importância desse elemento: “A música é fundamental para estabelecer o clima e aprimorar a encenação. Ela cria uma atmosfera atemporal e reforça a sátira de Erasmo, ajudando o público a transitar entre o mundo erudito e o popular”.
Segundo Leona, a trilha sonora, composta especialmente para a peça, atua como uma extensão do texto. “A música ajuda a criar essa ‘viagem’ que queremos proporcionar, entre o tempo e o espaço, onde a Loucura se move. A peça é como um diálogo direto com o espectador, e a trilha reforça esse elo”. A união entre música e interpretação facilita o entendimento de uma obra que, apesar de universal, exige atenção e reflexão.
O diretor observa que as pessoas ficam impactadas ao ver como a obra ressoa com questões modernas: “Muitas vezes, as pessoas se perguntam se o texto foi mesmo escrito séculos atrás. É um reflexo claro de que certos aspectos do ser humano e da sociedade são cíclicos e se repetem”.
A expectativa para a temporada em Salvador é de grande receptividade, como afirma Eduardo: “A função do teatro é essa: fomentar questionamentos sem ser maniqueísta. Temos certeza de que o público de Salvador abraçará esse tema e embarcará conosco nesse universo”, conclui.
Elogio da loucura / Sexta-feira (08), sábado (09), às 20h e domingo (10), às 19h / CAIXA Cultural Salvador (Rua Carlos Gomes, 57 - Centro) / R$ 30 e R$ 15 (meia-entrada para clientes CAIXA e casos previstos em lei) / Vendas: Sympla / Classificação: 16 anos
*Sob supervisão do editor Chico Castro Jr.
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