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CULTURA

Opressão do mundo corporativo é levada ao paroxismo em Ruptura

Magnética série da Apple TV+ , dirigida pelo ator Ben Stiller, mostra o terror no trabalho Terror no trampo

Por João Gabriel Veiga*

01/05/2022 - 18:26 h
A primeira temporada de Ruptura está disponível para assinantes na Apple TV+.
A primeira temporada de Ruptura está disponível para assinantes na Apple TV+. -

Um velhinho barbudo chamado Karl Marx uma vez escreveu sobre a alienação dos trabalhadores de seu trabalho. Para ele, com a Revolução Industrial, os operários se tornavam cada vez mais distantes daquilo que produziam — a materialidade de seus trabalhos, assim como remuneração e condições dignas, lhes era negada. Assim, aqueles seres humanos foram reduzidos a abelhas-operárias na colmeia das fábricas, alheias ao mundo.

Ruptura, nova série de suspense criada por Dan Erickson e dirigida pelo ator Ben Stiller, leva esse cenário para uma realidade ainda mais assustadora. Em um futuro próximo, quase exatamente igual ao mundo de 2022, uma empresa chamada Lumon Industries inicia um procedimento médico um tanto quanto controverso: a tal da ruptura. A cirurgia consiste em dividir as sinapses de seus empregados para separar de vez a vida do trabalho de suas vidas pessoais. Nas oito horas em que passam no escritório cumprindo tarefas misteriosas, os funcionários do subsolo não possuem qualquer memória de suas vidas. E quando estão fora do trabalho, não se lembram de nada e de ninguém do trabalho.

O que parece algo extremamente sinistro é vendido para funcionários como o protagonista Mark como uma maneira de conseguir lidar melhor com as demandas do trabalho sem ter de lidar com a bagagem emocional de suas vidas. Ou seja, um respiro, um momento onde eles podem viver apenas o trabalho, sem se preocupar com suas frustrações familiares, amorosas ou traumas. Quando Mark está no escritório, com seus colegas do setor de Refinamento de Macrodados (algo que ele não compreende muito bem do que se trata), ele aparenta ser um homem alegre e motivado – diferente da figura melancólica que é em seu lar solitário.

Esse é o início de uma jornada de nove episódios ambientada em um escritório no subsolo, arquitetado como um labirinto asséptico, impenetrável e inescapável. Iluminados por luzes neons brancas foscas, os corredores desse andar da Lumon Industries parece ter sido calculado milimetricamente para que seus funcionários não saibam onde estão e para onde fugir — algo que parece zen e tranquilo na superfície, mas esconde algo perigoso nas profundezas.

Após a chegada de uma nova colega, a insubordinada agente do caos Helly, a vida dos funcionários de Refinamento de Macrodados começa a sair de sintonia. Cronicamente rebelde e arrependida de ter feito a ruptura (pelo menos nos horários de trabalho), ela é o contraponto à ordem de Mark. Quando esses dois elementos se combinam, o protagonista embarca em uma conspiração de paranoia e também em um curso de autodescoberta.

O mistério de Ruptura se desenvolve aos poucos. Os primeiros episódios trazem um ritmo mais lento, quase glacial, para habituar a audiência naquele universo distópico. Mostrado através dos olhos de Mark, aquele mundo é tedioso e sufocante. Deprimido, ele está fugindo de algum trauma do passado, que o impede de seguir sua vida ou ter momentos alegres com seus amigos e familiares. Quando ele está no trabalho, sua postura ganha um ânimo extremamente falso, sendo possível ver como seu otimismo está prestes a entrar em um colapso.

Essa insatisfação, ao ser confrontada pela obstinação de Helly, faz com que Mark comece a questionar e investigar o mundo ao seu redor. Ele passa a olhar aqueles escritórios, que parecem os ambientes futuristas imaginados nos anos 1980, com olhos desconfiados, sem saber no que ou em quem confiar. Afinal, o que está acontecendo naquele subsolo? Para que eles estão trabalhando? Qual é a finalidade de tudo que estão fazendo, desde as tarefas aparentemente sem sentido até essa cirurgia que mais parece uma lavagem cerebral? Assim, Ruptura vai se tornando cada vez mais intensa e instigante.

O cansaço coletivo

O tom é capturado perfeitamente por Adam Scott, que interpreta o protagonista. Descoberto por estrelar a sitcom Parks and Recreation, que mostrava o ambiente de trabalho em uma luz muito mais alegre, o ator equilibra tanto os elementos satíricos quanto realistas de seu papel — e por tabela, da série como um todo. Sua performance traz a tensão, a ansiedade visceral presa em um universo gélido.

Além disso, seus momentos “alienado” no trabalho são de maestria, pois é possível ver através de seus olhos as engrenagens do personagem tentando fazer com que sua experiência faça sentido.

Para além de seus mistérios que aguçam a mente, Ruptura talvez seja uma daquelas séries que simplesmente capturam algo que está no ar e se tornam instantaneamente relevantes. Em tempos de capitalismo tardio, burnout, desemprego em alta, direitos trabalhistas em risco e home office, o limite entre a jornada de trabalho e a vida pessoal do indivíduo se torna cada vez mais turvo. As relações de trabalho nunca estiveram tão estremecidas, com um lado perdendo o cabo-de-guerra de maneira extremamente humilhante. Ruptura consegue atravessar a tela da TV e dialogar com as mentes cansadas após um dia no escritório.

Através de seu misto de suspense com sátira, a série consegue encapsular um sentimento geral que tem tomado conta dos ambientes de trabalho: a sensação de sufocamento, a pressão para bater metas, a despersonalização em nome de vestir a camisa da empresa. O cansaço coletivo é representado de uma forma que, apesar do layout de ficção-científica com ares de Philip K. Dick e George Orwell da trama, é extremamente realista e atual. No entanto, se Ruptura se limitasse a esses aspectos dignos de pesadelo, a série se tornaria uma grande tortura psicológica.

A série é sagaz e complexa ao mostrar também como é possível criar laços para escapar do labirinto. Pouco a pouco, Ruptura explora as complexidades das relações no ambiente de trabalho, observando como aquelas abelhas-operárias reagem cada uma a sua maneira à condição completamente distópica de ter as memórias da vida fora do escritório apagadas quando o turno começa.

Além disso, observamos como as relações que se formam entre os colegas fazem com que eles mudem suas posturas — e essa aliança dá um suspiro de esperança entre tanto desespero.

A primeira temporada de Ruptura está disponível para assinantes na Apple TV+.

Ruptura (Severance) / Criada por Dan Erickson / Com Patricia Arquette, Adam Scott, John Turturro, Britt Lower, Zach Cherry, Christopher Walken / Disponível na Apple TV +

*Sob supervisão do editor Chico Castro Jr.

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