CULTURA
Precisamos nos entender como nação,diz diretor de Tropicália
Por Lucas Cunha

O documentário Tropicália, do diretor paulista Marcelo Machado, que estreou na última sexta, 14, nos cinemas de algumas cidades brasileiras (Salvador incluída, ver horários aqui), faz um espetacular mergulho no Tropicalismo.
O filme conduz o espectador em uma viagem musical por um momento ímpar da cultura brasileira, capitaneado pelos baianos Caetano Veloso e Gilberto Gil, ao lado dos parceiros Tom Zé, Gal Costa, Rogério Duprat, Os Mutantes e muitos outros.
O processo de pesquisa para coletar raras imagens inéditas é explicado pelo diretor nesta entrevista. Ele também crítica a caretice da juventude brasileira e diz que as contradições encontradas pelos tropicalistas nos anos 1960 continuam presentes: "Antes de tentar entender o tropicalismo, precisamos nos entender como nação".
O elemento do documentário que causa mais impacto é o uso de várias imagens inéditas. Era sua ideia desde o início montar a tropicália desta maneira?
Desde o começo achei que, para entender, tinha que fazer um mergulho no período. Sempre pensei que o material de arquivo, a pesquisa em acervos, seria a grande estratégia. Reconheço que é isso que dá força ao filme.
Nesta pesquisa você conseguiu achar material inédito aqui na Bahia?
O filme termina com imagens de um cara incrível chamado Robinson Roberto. Ele admirava Gil e Caetano e gostava de gravar em Super 8. Quem me falou destas imagens foi a Paula Lavigne [ex-mulher de Caetano], através do irmão do Caetano, o Rodrigo. Tem cenas da chegada de Caetano em Santo Amaro (após o exílio no exterior durante a ditadura militar no Brasil), uma coisa maravilhosa. Também tem imagens feitas aí na Bahia pelo Leon Hirszman (1937-1987, diretor do filme de Eles Não Usam Black-Tie), que tinha começado um projeto chamado Caetano, Gil e Gal, mas ele morreu quando estava fazendo.
Seu filme mostra cenas da participação de Caetano, Gil e Gal no festival inglês na Ilha de Wight (1970). Não sei se por coincidência ou não, a contracapa do último disco de Gal (Recanto, 2011) tem uma foto justamente desta época...
Acho que Caetano viu esse material através da gente. Nessa época, ele estava compondo as músicas do Recanto. E o Kassin, nosso produtor musical, é amigo dele. O Caetano foi o único dos artistas que abriu a porta de casa para conversar sobre o projeto.
Li uma antiga entrevista sua em que você dizia que não queria dar as mesmas respostas sobre a tropicália. O que o filme traz de diferente sobre o assunto?
Eu não queria fazer um filme que fosse baseado em entrevistas. Também queria ficar distante de tentar mostrar se o tropicalismo está vivo ou não. O que queria era mergulhar profundamente no período. Antes de filmar, procurei ler tudo que se escreveu sobre o assunto, fiz a lição de casa, para depois contar o que importa, mesmo que já tivesse sido mostrado.
Após ter pesquisado e feito a lição de casa, acha que falta uma maior relação de adoração com nossos ídolos, e, por consequência, de produtos sobre eles, como acontecem com artistas internacionais como Bob Dylan, John Lennon...
Não falta uma relação de adoração do público. Basta ver a longa vida produtiva que eles têm. Agora, no Brasil temos coisas mal-resolvidas com nossos ídolos. A gente é bem mal de herói, temos poucos. E, às vezes, tratamos mal os nossos talentos. Mas Caetano e Gil nunca foram maltratados, sempre tiveram espaço. O meu filme vai mais nessa linha de celebrar eles. As críticas mais contundentes sobre o Tropicália são sobre o fato dele celebrar e não criticar. Eu reconheço isso, mas é a maneira como eu vejo.
Outra obra que está celebrando a tropicália é o novo disco do Tom Zé (Tropicália Lixo Lógico), que também tenta, da maneira dele, explicar o movimento...
Tom Zé fala sobre toda a herança que vem lá do norte da África, depurado na Península Ibérica, anos de convivência entre muçulmanos, judeus, cristãos. E isso chega até nós pelos colonizadores, fica depositado no Recôncavo e no sertão da Bahia, e vem explodir no sul/sudeste através do momento em que a televisão aparece. Uma das coisas que li e me fez balançar foi o A Avant-garde na Bahia, do Antonio Risério. Naquele momento tinha o Glauber Rocha, o Tom Zé estudando com o Hans-Joachim Koellreuter, a Lina Bo bardi. Coisas sensacionais que aconteceram aí e formaram os baianos.
Acha que estamos prontos para entender a tropicália ou nós não entendemos nada?
Essa afirmação é difícil. Uma coisa no tropicalismo é assumir todas as contradições neste País que lida tão mal com seus problemas. Se você comparar com a bossa nova, o tropicalismo é muito mais intenso em reconhecer um País tão contraditório e injusto. Se a gente não deu conta de entender o tropicalismo? Antes de tentar entender o tropicalismo, precisamos nos entender como nação, superar nossas contradições. Em São Paulo vejo traços da escravidão ainda presentes. Nem falo da relação inter-racial, mas na relação patrão-empregado, o jeito que as pessoas educam os filhos. A realidade que os tropicalistas viram continua aí.
O diretor e seu amigo Fernando Meirelles, que é produtor do filme, disse em uma entrevista que o Tropicália seria importante para a atual juventude, que anda muito careta, comprando tudo que o marketing manda. Você concorda?
Sim. Quando comecei a fazer o filme, tive algumas conversas com o Fernando. Na primeira, ele falou isso, que o filme era para mostrar como a atual juventude é careta. Devíamos estar respondendo melhor a nossa realidade. Venho de escola pública, a nossa educação ruiu. Está faltando uma participação mais política do cidadão. O artista é uma antena, tem que estar atento ao mundo que a gente vive. Mas sou um entusiasmado, especialmente com a música no Brasil, tem muita coisa boa acontecendo.
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