IMORTAL DA ALB
Professor e jornalista Florisvaldo Mattos lança novo livro de poemas
Aspirando ventanias
Por Eugênio Afonso
Aos 92 anos de idade, o incansável jornalista – ex-editor chefe e do suplemento cultural de A TARDE –, professor e imortal da Academia de Letras da Bahia, Florisvaldo Mattos lança mais um livro.
Desta vez é o Catorze janelas abertas - sonetos reunidos, com inéditos (1983-2023), que terá noite de autógrafos amanhã, das 17h às 20h, no Museu de Arte Contemporânea da Bahia – MAC (Graça).
Flori, como é carinhosamente conhecido entre alunos e colegas de redação, diz que o lançamento de um novo trabalho, sujeito aos trancos de avançada idade, parece, mais do que uma aventura, uma ousadia.
“Pois é, me vejo nesta encruzilhada, mas, para quem escreveu, publicou e lançou, ao longo de quase 60 anos, 15 livros de poesia e ensaios, esta experiência pode comparar-se ao sentimento de um marinheiro descobridor do Novo Mundo, que, aspirando ventanias e mirando o claro azul do céu e do mar, percebe que a caravela não parou”, comemora o autor.
Assinada pela P55 Edição, a publicação reúne 176 sonetos, dos quais 19 são inéditos. Quatro obras do artista plástico Jamison Pedra (1938-2023) ilustram a obra, incluindo a imagem da capa.
“Quando resolvi publicar o livro, tive a ideia de substituir o figurativismo, que engrandecera publicações anteriores, e então me lembrei do alto abstracionismo geométrico de Jamison”, destaca o escritor.
“Sem nenhum laivo de petulância, suponho que o leitor se defrontará com uma sucessão de criações verbais, num vasto número presididas pelas musas, como está nos clássicos, sem deixar de se envolver com outros arrojos pertencentes à esfera do pensamento que arregimenta signos, especialmente os de caráter simbólico, para expressão da linguagem, que desembocará na construção do poema, em busca da emoção, que é a sua foz”, alinhava Florisvaldo.
O livro traz ainda 16 textos de grandes nomes da cultura baiana, como Glauber Rocha, Ruy Espinheira Filho e Fernando da Rocha Peres, em celebração a Florisvaldo. Alguns em forma de poesia, outros como depoimento.
“Tenho aí uma coletânea de deferências que tomo como homenagens. Nunca fui de elogiar muito, nem sair à caça de elogios, mas guardo algumas atenções que muito me incentivaram”, reconhece Mattos.
Poesia impactante
Em Catorze janelas abertas, seus poemas dialogam com o modelo petrarquiano – tipo de soneto que se caracteriza por ter 14 versos distribuídos em dois quartetos e dois tercetos – e shakespeariano – 14 versos distribuídos em três quartetos e um dístico –, revelando uma verdadeira celebração da trajetória do autor e desse formato poético.
“Esta referência a catorze janelas se deve à invenção de menestréis da Idade Média, que emitiram pelas cordas de seus instrumentos, e pela voz, melodias assentadas na estrutura de catorze versos, o que permaneceria por todos os séculos seguintes”, explica o imortal.
No prólogo da mais nova obra do mestre, o poeta Luís Antonio de Cajazeira Ramos afirma que, como amante do soneto, Florisvaldo se debruça neste tipo de literatura com segurança, naturalidade e inspiração.
Diz ainda que, ao finalizar o livro, o leitor terá fruído de uma poesia densa e impactante, com forte carga épica e um vasto horizonte lírico, em grande medida elegíaca, sobressaindo as lembranças de roças e tropas de cacau, de armazéns e ferrovias abandonados, de velhas cidades que habitam o poeta.
Para Florisvaldo, a forma do soneto atravessar imbatível por oito séculos, sendo ainda uma prática artística em ampla variedade de línguas, parece justificar não apenas um livro, mas também uma infinidade de antologias.
Ele diz, modestamente, que não se considera um sonetista de respeitável nível. “Sem falar no Brasil, na Bahia, não só houve, como há bons redatores de sonetos”, sublinha o mestre. E recomenda aos iniciantes nesta aventura literária que o primeiro caminho a seguir é ler poetas que se firmaram na história da poesia como grandes sonetistas.
“Não ter pressa, nem perder a calma, ante os impulsos da adolescência e da mocidade, quando se manifestem os primeiros estímulos do pensar traduzidos em formas diversas de linguagem. Não se encantar com os primeiros elogios. Quanto a publicar, nada de pressa, deixe a própria consciência sancionar o momento adequado. Sempre ler e reler poesia. E mais que tudo, confiar na emergência da autocrítica. Não se veja, desde o início, precocemente, num picadeiro, como um domador de palavras”, recomenda sabiamente o mestre.
E quanto à sua obra completa, Florisvaldo revela que ela propõe, no mínimo, um diálogo positivo com o leitor, mas sempre atento ao impossível e às duras limitações, que, com o tempo, nos cercam.
“Sem nenhum pedantismo, tenho procurado seguir a lição do argentino Jorge Luis Borges, para quem ‘o exercício da literatura pode nos ensinar a evitar equívocos, não a merecer acertos’. O acolhimento do leitor à criação literária é a linha fundamental a seguir por quem pretenda ser escritor”, finaliza o mestre.
Florisvaldo reconhece ainda que o jornalismo lhe despertou o interesse pela escrita, pela narrativa, suas formulações verbais e jogadas de estilo. E ensina que, para estar assim tão ativo, mesmo com a idade avançada – afinal são mais de nove décadas de vida –, é preciso prosseguir de coração, mente e olhos acesos.
Minibio
Nascido em 8 de abril de 1932 na zona rural de Uruçuca (Bahia), Florisvaldo Mattos é escritor, jornalista e professor. Formado em direito pela Ufba em 1958, ingressou no jornalismo no mesmo ano, atuando em veículos como Jornal da Bahia, Diário de Notícias, Jornal do Brasil e A TARDE.
Foi editor de suplementos culturais, integrou o grupo Mapa, geração que revolucionou a poesia e as artes na Bahia, e colaborou ativamente na promoção da cultura baiana.
Também exerceu o magistério na Faculdade de Comunicação da Ufba e presidiu a Fundação Cultural do Estado da Bahia (1987-1989).
Em 1994, foi eleito para a Academia de Letras da Bahia. Publicou poesia em jornais, revistas e antologias nacionais e internacionais, além de ministrar palestras sobre literatura, jornalismo e cultura.
Entre suas obras, estão Reverdor (1965); Fábula Civil (1975); Estação de prosa & diversos (1997); Mares Acontecidos (2000) e Sonetos elementais - uma antologia (2012), dentre outras.
Lançamento do livro Catorze janelas abertas / 21 de janeiro / 17h / Museu de Arte Contemporânea da Bahia - Rua da Graça, 284, Graça / Gratuito
catorze janelas abertas / Florisvaldo Mattos / Editora P55 / 232 páginas/ R$ 70,00
Compartilhe essa notícia com seus amigos
Cidadão Repórter
Contribua para o portal com vídeos, áudios e textos sobre o que está acontecendo em seu bairro
Siga nossas redes