CULTURA
Rappa lança primeiro disco após parada de dois anos
Por Verena Paranhos | Rio de Janeiro*

Com 20 anos de carreira, O Rappa segue buscando sua sonoridade. "A gente continua atirando para um caminho que não tem forma, ele é o som mesmo, todo misturado", explica o vocalista Marcelo Falcão.
A pausa de quase dois anos (entre 2010 e 2011) deu ao grupo energia renovada para voltar aos estúdios e experimentar em Nunca Tem Fim... (Warner), primeiro disco depois da parada.
O álbum chega às lojas na próxima terça-feira, mas a partir de hoje já está disponível no iTunes para streaming. O produto também vai ser distribuído em vinil e foi masterizado pelo californiano Stephen Marcussen especificamente para cada formato. CD e vinil são ilustrados por Mike Deodato Jr, paraibano que trabalha para a Marvel Comics.
Na última quinta-feira, um grupo de jornalistas escutou o álbum e em seguida conversou com o quarteto por mais de duas horas. Se sentindo em casa no estúdio Toca do Bandido, onde trabalharam com o produtor Tom Capone (falecido em 2004) nos discos O Silêncio Q Precede o Esporro (2003) e Instinto Coletivo (2001), os músicos mostraram um discurso afinado, entrosamento e a redescoberta do prazer de fazer música juntos.
Produzido por Tom Saboia (o mesmo do CD 7 Vezes, de 2008), Nunca Tem Fim... apresenta dez faixas inéditas e dosa bem a velha fórmula da banda com a busca por novidade, que pode ser notada tanto no frescor da sonoridade, quanto em temáticas menos duras e mais otimistas.
Criação coletiva
O processo de produção coletiva começou com cada um dos integrantes apresentando composições e arranjos gravados separadamente em seus próprios estúdios ou com aplicativos de celular.
Tom Saboia funcionou como uma espécie de organizador e conduziu o processo colaborativo de produção, que terminou com nove meses de gravação em estúdios no Rio de Janeiro e em Curitiba. Os músicos Vê Domingos, Lula Queiroga e Marcos Lobato foram importantes peças no processo colaborativo.
"Como uma letra diz respeito a uma história que é comum a todos, como sempre é, todo mundo se sente à vontade demais de chegar ali e dar um pitaco", explica Falcão.
Com o trabalho coletivo, as letras marcadas por temas sociais ganharam ritmo por meio de guitarras, baixo e bateria, dub e sintetizadores, que trazem a sujeira natural procurada pela banda.
"Tem uma sujeira de baixo e bateira. Equipamentos de última geração poderiam fazer bem limpos, mas a gente não quer o limpinho. Tem que ter essa sujeira, essa cara feia, mas tem que ter a qualidade e uma pureza que os outros discos, de uma certa forma muito ansiosos para serem terminados, não tiveram", diz Falcão.
Outro aspecto peculiar do disco é o acerto nos detalhes. Algumas faixas têm adição de ruído, chiados, sons de conversas e barulhos (como o de mar, sinos ou crianças chorando), que ajudam a criar uma ambientação para o texto e o contexto das músicas.
A busca por sonoridades específicas para cada composição também é conseguida com instrumentos pouco usuais. "Você nota que tem uma pegada bem experimental, é bem dub, tem coisas inusitadas. Você tem que apostar na sua forma, ousar na sonoridade, tentar fazer coisas que nunca fez. Neste disco você escuta tuba, flauta doce. Quem hoje está gravando tuba? Se você coloca num contexto criativo, pode tudo. A gente parte desse principio", afirma o guitarrista Xandão.
Otimismo
Letras otimistas, que falam de superação em meio a um cenário de desapontamentos e problemas sociais, marcam a maior parte das músicas do disco.
Nesta tônica, está Anjos (Pra Quem Tem Fé), single lançado em maio, cuja letra foi composta por Falcão no período em que uma tia fazia sessões de quimioterapia.
O mesmo sentimento toma Auto-Reverse, segunda música de trabalho, cujo clipe foi gravado em comunidades cariocas e em Fernando de Noronha, e contou com a participação do rapper Dexter e de outros exemplos de superação.
O Horizonte é Logo Ali, um dub, e Boa Noite, Xangô , com uma pegada bem reggae, também têm esta vibe positiva. O mesmo pode-se dizer de Um Dia Lindo, faixa de encerramento que conta com a participação do rapper Edi Rock (Racionais MCs).
"Apesar desta convulsão social toda que estamos vivendo, a mensagem é muito positiva. O povo brasileiro não perdeu a esperança", afirma o baterista Marcelo Lobato.
A crítica social se faz presente no disco, mas não da forma tão direta e explícita dos primeiros trabalhos. Esta abordagem pode ser encontrada nos textos mais provocativos de Sequência Terminal, Doutor, Sim Senhor! e Cruz de Tecido. Esta última pede justiça ao acidente aéreo que matou 199 pessoas no aeroporto de Congonhas, em 2007.
Vale a pena prestar atenção nos arranjos de Vida Rasteja, principalmente no encerramento, onde um solo de piano se sobressai e faz diferença no conjunto do disco.
Interrupção
Os Rappas negam que qualquer tipo de briga ou desentendimento tenha causado o hiato da banda por quase dois anos. No entanto, na entrevista os músicos se referiram várias vezes a pequenos estresses causados pelo excesso de shows e à sensação de serem "empregados" dos empresários.
"Paramos porque a gente sentiu a necessidade de fazer o que todo mundo fazia e a gente nunca tinha feito: entrar de férias, fazer outras coisas, não ter O Rappa como prioridade. O que vale aqui é a melhor coisa pro Rappa. A melhor ideia naquele momento foi parar", diz Falcão.
O grupo retomou as atividades com um novo empresário e assumindo de fato os rumos da própria carreira. "A gente é quatro. É esse caminho aqui", acrescenta o vocalista.
* A repórter viajou a convite da Warner
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