Menu
Pesquisa
Pesquisa
Busca interna do iBahia
HOME > CULTURA
Ouvir Compartilhar no Whatsapp Compartilhar no Facebook Compartilhar no X Compartilhar no Email

CULTURA

Rogério Ferrari: "Quero ficar longe da retórica da arte pela arte"

Por Saymon Nascimento, do A TARDE On Line

24/11/2008 - 22:58 h | Atualizada em 25/11/2008 - 2:31

>>Veja as fotos de Rogério Ferrari

>>Curdos em preto e branco

O fotógrafo Rogério ferrari nasceu em 1965, em Ipiaú, no sul do Estado. Formado em Antropologia pela Universidade Federal da Bahia, trabalhou para veículos nacionais e internacionais como Veja, CartaCapital, Áccion e Reuters. Desde os anos 80, tem viajado para zonas de conflito territorial no mundo, retratando povos tão diversos como os da Nicarágua, México, Argentina e Palestina. Seu método de trabalho é independente: sem muito dinheiro para bancar megacoberturas, costuma se hospedar na casa de pessoas dos povos que visita, no olho do furacão.

Depois de quase um ano fora do país, Ferrari volta a Salvador para lançar, na quinta-feira, o livro e exposição "Curdos - Uma Nação Esquecida", com fotografias tiradas em 2002 do povo desterritorializado pela opressão do Iraque e da Turquia. O livro faz parte do projeto "Existências/Resistências", que o fotógrafo dedica a nações que lutam pela autodeterminação e pela terra. Além dos curdos, Ferrai trabalhou com os zapatistas mexicanos, o MST, os saarauis e os palestinos. Em entrevista ao repórter Saymon Nascimento, Ferrari anuncia o fim do projeto, e revela os dois novos temas com que deve trabalhar num futuro próximo. Uma mudança de foco e não de rumo. Para ele, a fotografia sempre mostrará seu posicionamento político diante da vida.

A TARDE On Line | Você já esteve em muitos lugares do mundo com o projeto Existências/Resistências documentando vários povos. O que lhe atraiu em direção aos curdos?

Rogério Ferrari | O que há de forte nos curdos e nos outros povos que fotografei é a busca por autodeterminação. É um povo com identidade própria e história milenar, impedido de existir como nação. Nesse aspecto, há uma equivalência com os outros trabalhos que fiz, sobre nações que querem fazer valer o direito básico de existir. O outro aspecto que define a minha escolha é a identidade política com a organização que os representa, o Partido dos Trabalhadores Curdos. Há uma luta de liberação nacional, mas na perspectiva de uma sociedade socialista, embora a ideologia não seja a questão imediata. Na escolha dos meus temas, penso a partir desta identificação política, de forma que não me dirijo a qualquer guerra ou conflito.

AT | Você já acompanha esse tipo de luta há algum tempo. Nessas regiões, já se observa algum tipo de mudança positiva? O que você chama de "direito de existir" está sendo melhor considerado?

RF | Não. A situação do povo palestino, por exemplo, com o qual eu voltei a trabalhar recentemente indo aos campos de refugiados no Líbano e na Jordânia, é cada vez pior. A ocupação militar israelense e projeto de assentamentos que o governo vem desenvolvendo de maneira mais ostensiva nos últimos anos evidencia a inviabilidade imediata de que a Palestina volte a existir nos termos de uma unidade territorial e humana. Isso tem uma relação direta, na minha maneira de ver, com a conivência da comunidade internacional, e sobretudo com o respaldo que os Estados Unidos dão ao governo de Israel. Há toda uma reticência em relação ao uso da palavra genocídio para definir o que eles estão fazendo, porque os judeus se apropriaram dessa termo para se referir à tragédia dos povos nativos na América e na África. No entanto, a mesma coisa vem ocorrendo na Palestina. Houve um massacre inicial, em decorrência da implantação do estado de Israel, e continua havendo assassinatos disfarçados sob o pretexto da eliminação de terroristas, militares ou resistência armada, mas efetivamente não há distinção. Um soldado israelense do mesmo jeito mata uma criança ou deixa morrer uma mulher num check point, impossibilitada de chegar a um hospital. Diante disso, é difícil ser otimista. Mas, ao mesmo tempo, creio que, havendo uma decisão e uma consciência sobre a realidade, é possível transformá-la.

AT | Como você avalia a resposta a esse "genocídio" por meio do terrorismo. Você acha que esse tipo de ação é legítima?

RF | Deveríamos discutir o que é terrorismo.

AT | Um atentado de homem-bomba numa avenida movimentada, por exemplo.

RF | A atitude é reprovável se pensarmos que os civis são inocentes. Mas quem é inocente? Essa é uma pergunta que pode servir de fundamento para o Hamas, ou para a Jihad islâmica, que comete estes atentados sob uma idéia político-militar de dizer que ninguém é inocente na medida em que os cidadãos de Israel respaldam e legitimam essa política de ocupação e violência sobre os palestinos. Longe de querer relativizar, mas, para muitos palestinos, um atentado é um ato de resistência. Dizer isso é justificar, porque tampouco acredito que a ação que vitimize a população civil dê algum fruto. Não estou no lugar dos palestinos para julgá-los. O que posso dizer é que estive lá e sei o quanto a sensação de impotência provoca um desespero. Se eles só têm o corpo como arma, não vão ponderar qual a melhor maneira de se defender. Agora, há dois pesos e duas medidas nessa questão: atentados são considerados terrorismo, e os assassinatos diários e bombardeios contra civis de Israel são ações militares por razões de estado.

AT | Houve manifestações positivas e esperançosas no mundo todo em relação à eleição de Barack Obama como presidente dos Estados Unidos. Você acha que a política internacional do país vai mudar de alguma maneira?

RF | Pode ser radical da minha parte dizer isso, mas não é de todo equivocado dizer que se o voto mudasse alguma coisa, seria proibido. A democracia burguesa é uma falácia. Um candidato eleito presidente dos Estados Unidos, pelo simples fato de ter chegado ao cargo, tem um nível de compromisso muito alto com o que está estabelecido, como o compromisso dos democratas com a manutenção da Guerra no Iraque. Claro, há diferentes formas de fazer a mesma coisa. Bush declarou guerra. Bill Clinton decretou um boicote econômico que impedia a entrada de medicamentos no Iraque, o que causou a morte de milhares de crianças iraquianas. Não creio que a política externa e a atitude imperial e dos Estados Unidos vão mudar. Só há o valor simbólico de um negro ter sido eleito, mas tampouco penso que, na política e na vida, o fato de o presidente ser negro ou branco defina qualquer coisa.

AT | Um dos pontos que você sempre discute é um falso distanciamento da mídia em relação a questões graves como essa, usando a desculpa da objetividade. Ao longo desses anos, sente alguma melhora nesta postura?

RF | É um clichê falar mal da cobertura da grande imprensa dessas situações. Por um lado, trata-se um lugar-comum verdadeiro, mas não se pode mais cair na armadilha de sempre atribuir a responsabilidade exclusiva à mídia e perder de vista o fato de que , se pode encontrar informações menos distorcidas sobre fatos retratados pelos meios de comunicação. A partir desse parâmetro, a Palestina, o Curdistão, o MST, ou o tema da violência urbana no Brasil são vistos pela perspectiva da criminalização a miséria, mas há a atitude de muitos jornalistas que fazem um trabalho com menos visibilidade, mas que permite enxergar as coisas de outra maneira, que não estigmatiza essas lutas pela sobrevivência.

AT | Quais são seus novos projetos?

RF | Há dois meses, fui ao Saara Ocidental [ex-colônia espanhola na costa Oeste da África, ocupada pelo governo de Marrocos]. No início do ano, havia ido à França para apresentar o livro sobre os curdos, e na seqüência fui à Argélia para fotografar os campos de refugiados do povo saaraui, no deserto, em uma das regiões mais inóspitas do planeta. Há em torno de 200 mil pessoas vivendo em campos de refugiados, por quase 30 anos. Passei um mês e meio documentando essa situação. Depois voltei para a França porque encontrei uma editora que vai publicar toda a coleção Existências/Resistências, e fui atualizar a situação da Palestina nos campos do Líbano e da Jordânia. Em seguida, fui ao Saara Ocidental, na parte ocupada pelo Marrocos. O trabalho foi impossível, porque a presença de jornalistas e de fotógrafos é vedada pelo governo marroquino como uma forma de barrar a informação sobre o que acontece lá: milhares de crianças, mulheres e homens são torturados, sem importar a idade. Da hora que cheguei à hora que saí fui seguido ostensivamente pela polícia marroquina, que ficava na frente do hotel, em frente à casa das pessoas que me recebiam. O único tipo de foto que pude fazer foi no interior das casas, coletando depoimentos de pessoas que passaram 12 anos em prisões secretas. O que nós sabemos sobre isso? Nada. Na Europa, esse assunto está interditado, e há uma conivência da grande mídia que não faz pressão por informação, porque o Marrocos tem uma política de atrelamento com as grandes potências. Há uma relativização dos direitos humanos por causa disso.

AT | O que vem depois dentro do Existências/Resistências?

RF | Os saarauis são o último povo dentro dessa idéia, já que não poderia trabalhar para sempre com o mesmo tema. Delimitei esse projeto em cinco povos ilustrativos desta luta por autodeterminação e transformação social: saarauis, curdos, zapatistas, palestinos e sem-terra. Vou trabalhar na produção da coleção francesa e correr atrás de uma editora daqui para publicação no Brasil, mas já tenho dois temas definidos para o futuro.

AT | Quais são?

RF | O primeiro são os "campos de refugiados" no Brasil, especificamente na Bahia. O toque que me veio quando estava na Palestina e pude ver o quanto há uma equivalência entre as periferias de Salvador e os campos de refugiados no mundo inteiro por dois aspectos: o urbano, com amontoados de pessoas sobre espaços exíguos, e o social, com condições econômicas parecidas. Dentro do projeto de sociedade capitalista, não é desatino nenhum da minha parte ver essa relação, essa essência comum. O outro projeto é fotografar a relação entre a riqueza da terra e a pobreza do homem, evidenciado sobre tudo no caso das minas, no Brasil e no Mundo. Enfim, quero continuar a utilizar da fotografia como uma conjugação entre o jornalismo, a arte, e um posicionamento diante da vida. Estou absolutamente convencido de que isso pode ser feito com valores e estética, e muito longe de qualquer retórica conceitual de arte pela arte.

Compartilhe essa notícia com seus amigos

Compartilhar no Email Compartilhar no X Compartilhar no Facebook Compartilhar no Whatsapp

Siga nossas redes

Siga nossas redes

Publicações Relacionadas

A tarde play
Play

Lobão 'incendeia' a Concha com Rock em estado bruto e celebra 50 anos de carreira

Play

VÍDEO: Fernanda Torres chega ao tapete vermelho do Globo de Ouro

Play

Web resgata Claudia Leitte trocando hit de Saulo: "Canto pra Javé"

Play

Tony Salles confirma primeiro ensaio de verão; saiba detalhes

x