CULTURA
Uma viagem sonora no Atlântico negro
Por Daniel Oliveira

A rota seguida pela IFÁ é vasta. No percurso, porém, há um ponto comum: a ancestralidade africana manifestada em música. Criada em 2012 por Fabricio Mota, Jorge Dubman e Átila Santtana, que agregaram outros seis componentes, a banda instrumental vem de lá para cá compartilhando uma "sonoridade de luta", como é definida pelos integrantes, e afirmando as suas raízes em shows. Sempre uma celebração que une as diferentes experiências pessoais e a leitura própria do afrobeat de Fela Kuti, dos afoxés baianos, do funk de James Brown e de outras referências pan-africanas.
"Desde o início a ideia foi ser um instrumental com esses elementos. E recebemos o convite de Andre T. (produtor) para gravar com Okwey Veronny Odili (cantora nigeriana), que estava em Salvador. Com a banda no começo e essa oportunidade de fazer o registro desse encontro maravilhoso, topamos. E depois voltamos a trabalhar nas músicas que a gente já vinha tocando e mergulhamos de cabeça", conta o baterista Jorge Dubman.
Essa ligação intercontinental gerou o primeiro EP em 2015. Em paralelo, a IFÁ continuou realizando shows, as edições do evento Fela Day (em homenagem ao mestre do afrobeat) e fez parcerias com Blitz The Ambassador (aclamado rapper) em espetáculo no Pelourinho e no single Choptime No Friend. Até que no primeiro semestre de 2016 se recolheu. Diminuiu a frequência nos palcos e iniciou no estúdio do Ilê Aiyê a gravação do álbum Ijexá Funk Afrobeat, que chegou ao mundo na última quinta no site do Natura Musical e nas plataformas de streaming. A edição em CD sai no dia 12 de janeiro.
O disco tem nove faixas e foi produzido por Átila Santtana (guitarra), Fabricio Mota (baixo) e Jorge Dubman. "Um confiando na intuição do outro", diz Fabricio. A masterização é assinada por Victor Rice. Participaram da obra Gabi Guedes, Guiga Scott, Letieres Leite, Junix e Robertinho Barreto (BaianaSystem). Da IFÁ também fazem parte Vinicius Freitas (sax), Normando Mendes (trompete), Léo Couto (sax), Alexandre Espinheira (percussão), Prince Áddamo (guitarra) e Juliano Oliveira (teclado).
"É o começo de uma nova etapa de trabalho. A título de ciclo, estamos celebrando esse encontro sonoro e a viagem que é a IFÁ. A gente tentou fazer com que a emoção e as imagens das apresentações chegassem no disco. Então é agora que começa e o nosso principal objetivo é fazer com que essa mensagem seja espalhada, principalmente porque sabemos que a afirmação ganha eco. Estamos enfileirados com outros artistas que defendem o respeito à diversidade e um mundo melhor nesse momento de virada", afirma Fabricio.
Mergulho estético
Segundo o baixista, Ijexá Funk Afrobeat foi pensado em "uma lógica de luta do princípio ao fim". A primeira música, Menelik, homenageia o imperador da Etiópia que no século XIX expulsou os italianos do país. Isso num contexto em que o mundo criava teorias científicas de embranquecimento. Remete no som ao ethio rock e ao zamrock. A introdução de teclado longa e marcante faz as honras do groove, que "chega chegando" com o tema executado pelo naipe de metais.
Apaxe já era conhecida dos shows. "Um afrobeat acelerado", nas palavras de Dubman. Tem a presença de Guiga Scott e é muito percussiva. Afirma a memória do caboclo como figura de resistência negra na Bahia. "É um registro atualizado dessa luta", explica Fabricio. Single do trabalho, Salva Dor mistura afrobeat e ijexá no clima das trilhas sonoras espaciais. "A gente ouviu muita coisa do cinema da década de 1960, 1970", comenta o baterista. "É uma música que tem a pulsação de Salvador e, ao mesmo tempo, a melancolia. A guitarra de Junix traduz muito isso", diz Fabricio.
A faixa Afro-beat Vírus segue o caminho do funk Black Rio e de Tony Tornado. Tem um onda brazuca anos 70. "Ela também tem a ideia de que o beat africano é o grande vírus do mundo, a grande mensagem. É o conceito central". Feita pelo maestro Letieres Leite, Quintessência traz uma conexão espiritual e quântica com a música. Uma viagem interna em afro jazz funkeado. "Representa esse mergulho de Letieres. É ele ensinando para a gente a partir das experiências dele".
A próxima, Templo, se volta para o Oriente, como a citada Menelik. "Falam de santidade. Por isso passeiam por essa coisa oriental, que é a base da vida de Prince Áddamo (guitarrista da banda). A gente sempre diz que ele é uma espécie de príncipe etíope da Bahia", brinca Fabricio. A sequência final é Rua da Caixa D'Água, afrobeat com influência do samba de roda do Recôncavo, Na Fé, dançante (como a maior parte do álbum), festiva e com a levada africana soukous. A presença da guitarra baiana de Robertinho Barreto soma na atmosfera. Contra Golpe é um híbrido ijexá, funk e afrobeat de cunho político. "Encerra caminhando. Num momento em que a gente é contra um golpe. Tudo isso é também uma construção", afirma.
A IFÁ se apresenta no dia 17 de dezembro, no Festival Sangue Novo, no Museu Du Ritmo, e faz o lançamento oficial de Ijexá Funk Afrobeat no dia 21 de janeiro, no Largo Pedro Archanjo (Pelourinho). "Estamos batalhando para que todos os convidados participem deste show. Também estamos recebendo convites para tocar em outros estados e lançar o álbum fora do Brasil, principalmente na Europa", completa Fabricio.
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