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62% dos empresários negros buscam autonomia e independência
A principal dificuldade dos afroempreendedores é a falta de acesso a recursos financeiros
Por Mariana Bamberg
No mundo dos negócios, força e resiliência também são palavras quase que intrínsecas na trajetória dos afroempreendedores. E elas não aparecem apenas no mês de novembro, quando é celebrado o Dia da Consciência Negra. Na verdade, são termos presentes desde a abertura da empresa, principalmente para 62% dos empresários negros, que, segundo apontou uma pesquisa realizada pelo Sebrae, empreenderam no estado buscando autonomia e independência.
Cleide Andrade buscava justamente isso quando criou a Rainha do Pão de Alho (@rainhadopaodealho). Em 2016, foi desligada da empresa onde trabalhava e só tinha uma certeza: queria a independência e a possibilidade de não precisar trabalhar aos feriados e finais de semana. Com R$ 600 de seu seguro desemprego, montou um ponto de churrasquinho em frente a uma universidade e, estudando sobre empreendedorismo sozinha na internet, percebeu que precisava de um diferencial. Foi aí que o pão de alho surgiu em seu negócio.
Segundo o analista técnico da unidade de gestão estratégica do Sebrae, Anderson Teixeira, a falta de um planejamento estratégico, como Cleide conseguiu desenvolver, costuma ser a principal barreira para o crescimento desses empreendedores, porque o negócios deles geralmente surgem também como uma necessidade de renda. Junto com essa ausência, aparecem as principais dificuldades do afroempreendedorismo: acesso a recursos financeiros (apontado por 40% dos empresários negros), pouca oferta de investimentos (39%) e não saber como tornar o negócio rentável (38%).
Mas o especialista do Sebrae garante que é possível contornar essa barreira. “Afinal, o planejamento não é estático. Ele é flexível e mutável, então quem não teve lá atrás consegue correr atrás. Lógico que vai ter que se esforçar um pouquinho mais”, afirma.
Cleide, por exemplo, no meio do caminho, acabou mudando seu planejamento. Percebeu que, ao invés de ficar nas ruas, poderia oferecer seu pão de alho para bares e restaurantes. Assim, o negócio cresceu e ela precisou até mudar de fornecedor, porque o antigo não acompanhava a demanda. Mas foi a pandemia seu maior desafio. Com o setor de alimentação fora do lar fechado, ela passou a vender apenas nas redes sociais, mas a saída não chegava nem a 15% de antes. Hoje Cleide produz cerca de dois mil pães por mês e distribui para mercado, açougue e casas de carne. “Estou em fase de reestruturação. E acreditar é importante, insisto porque já fui longe e meu produto já mostrou que tem potencial e aceitação", diz.
Mas a pandemia não foi o único desafio. O fato de ser uma mulher preta e periférica também não passou despercebido na trajetória de empreendedora de Cleide. “Isso dificultou chegar a muitos lugares. Eu tinha uma amiga que era representante e ajudava nas reuniões com possíveis parceiros, mas eles se dirigiam a ela, achando que ela era a dona da marca por ser uma mulher branca”, lembra Cleide.
Dona da marca Tem Dendê (@temdendegourmet), a turismóloga Danielle Sales também demonstra confiança em seu negócio. Ela começou a empreender há cinco anos, buscando complementar sua renda. Tataraneta e sobrinha de baianas de acarajé, a empresária conta que as crenças limitantes começaram dentro de casa mesmo. Ouvia sua mãe falar: “minha filha estudou tanto para acabar na cozinha”. E, apesar do otimismo hoje, ela mesma chegava a ir para reuniões de negócio sem acreditar que daria certo.
“Venci as minhas crenças e medos. Empreender é muito dolorido e difícil, mas também muito satisfatório. Sinto que ainda existe um preconceito, preciso mostrar muito ainda que sei sobre o que estou falando. Mas hoje, quando me vejo em eventos ao lado de grandes marcas, vejo como meu negócio cresceu”, fala Danielle.
Hoje, a Tem Dendê produz cerca de 5 mil abarás congeladas por mês e o mesmo número de acarajés, além de outros 20 produtos que vão desde moqueca congelada até brigadeiro de dendê. Ela distribui para supermercados, para o cliente final através das redes sociais e ainda trabalha em eventos. Mas não para por aí. Danielle conta que já tem pedidos de exportação para países como França, Portugal e até China. Ela se prepara agora para conseguir seguir as normas para envio ao exterior.
Uma das viradas de chave no negócio de Danielle foi quando participou de uma das acelerações do Instituto Mandarina. De acordo com a dona do Tem Dendê, foi ali que ela percebeu a potência do seu negócio. Fundadora da entidade, Neila Larangeira percebe que a maior dificuldade desses empreendedores, mesmo após programas de formação e fomento, é manter uma renda.
“Faltam contratos fixos de compra, crédito fácil e com boas taxas e isto não só para os afroempreendedores, também para outros pequenos de outras origens ancestrais e/ou raciais. A economia local é pobre e são poucas as oportunidades”, relata Neila.
Rendimento
Danielle começou tendo um rendimento de menos de um salário mínimo e, com ajuda da mãe, pagava exatamente o mesmo valor para que um profissional atuasse nas redes sociais da empresa. Até que a empresária percebeu que a conta não poderia ser essa. Hoje seu faturamento já passou disso. Ela está entre os 71% dos afroempreendedores baianos que, segundo uma pesquisa realizada pelo Sebrae, recebem até quatro salários mínimos, algo em torno de R$ 5,2 mil.
Quem também faz parte deste grupo é Jaqueline Trindade, fundadora da Lacre Bronzeamento e Estética (@lacrebronzeamento), um espaço de bronze que nasceu em uma laje alagada no bairro Vila Ruy Barbosa. O negócio surgiu de um sonho da proprietária de empreender no mundo feminino, mas enfrentou alguns desafios. Superar a pandemia – quando precisou fechar temporariamente – e encontrar o espaço ideal – hoje no bairro de Brotas – foram alguns deles. Agora, Jaqueline avalia que sua empresa vive o melhor momento e a expectativa para os próximos meses é triplicar o número de 70 mulheres atendidas mensalmente.
“Precisei ser perseverante e me apoiar na vontade de dar certo. A sociedade muitas vezes não reconhece as habilidades e realizações, temos que provar o tempo inteiro que somos capazes. Mas as mulheres pretas empreendedoras estão alavancando, inspirando comunidades e explanando que a diversidade é uma força vital para o mundo dos negócios”, afirma a fundadora.
Não é o caso de Jaqueline, mas segundo o Sebrae, 8% dos afroempreendedores estão na informalidade, funcionando sem CNPJ. Grande parte deles (45%), incluindo a fundadora da Lacre Bronzeamento, é microempreendedor individual (MEI). Teixeira explica que esse cenário acaba fazendo com que empreendedores negros tenham certa dificuldade de se entender como empresário. “Eles se sentem à margem, muitas vezes por não ter também uma capacidade de investimento alta, um faturamento alto. Mas, mesmo na informalidade, eles são empreendedores, e algo muito positivo que a pesquisa do Sebrae nos mostra é que, mesmo com todas as dificuldades, eles se sentem confiantes e esperançosos que o negócio vai prosperar”, afirma.
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