ECONOMIA
"A educação no Brasil vai num ritmo lento demais", afirma Claudia Costin
Por Osvaldo Lyra

Fundadora e diretora do Centro de Excelência e Inovação em Políticas Educacionais da Fundação Getulio Vargas, Claudia Costin é uma das maiores especialistas na área da educação do país. De acordo com ela, que foi diretora Global de Educação do Banco Mundial, “a educação no Brasil vai num ritmo lento demais”. E o pior, “a pandemia tornou mais clara essa crise de aprendizagem e as desigualdades educacionais”. Para ela, que é professora da PUC-SP, do Insper, da Enap (Canadá) e da Faculdade de Educação da Universidade de Harvard, “o Ministério da Educação não considerou que era seu papel coordenar a política educacional na pandemia”. E a “falta de ação do MEC prejudicou as crianças, com certeza”. Nessa entrevista exclusiva ao A TARDE, Claudia Costin defende ainda investimentos na tecnologia e diz que “é melhor ter a escola aberta do que fechada”.
Estamos no meio da pandemia e muito se fala sobre o impacto na educação, que vai além da sala de aula. Como a senhora avalia?
Olha, infelizmente, o Brasil já, antes da pandemia, tinha profundas desigualdades educacionais. Nós somos considerados no Pisa, que é um teste internacional de qualidade da educação organizado pelo OCDE, o segundo país mais desigual entre os 79 participantes do exame. Então nós já éramos profundamente desiguais e já tínhamos uma crise de aprendizagem grande. Tem vários dados que mostram isso. Cerca de 55% das crianças do terceiro ano do ensino fundamental, portanto entre 8 e 9 anos de idade, não se alfabetizaram. Nós temos desafios também na outra ponta, no ensino médio. Só 9,1% dos alunos que estão concluindo o ensino médio aprenderam suficiente matemática, por exemplo. Mas mesmo assim nós tivemos um ou outro avanço quando a gente olha para o Ideb, que é o índice nacional. Nós estamos consistentemente melhorando no fundamental I, fundamental II, nas cinco últimas edições do Saeb, que é uma prova aplicada a cada dois anos. E no ensino médio, finalmente, em 2019, nós tivemos, depois de anos estagnados, um pequeno salto, uma pequena melhora que merece ser celebrada. Isso quer dizer que algumas transformações na educação que nós fizemos no período mais recente estão funcionando, estão melhorando. A educação no Brasil vai num ritmo lento demais. E aí vem a pandemia, para responder à tua pergunta, e o que vai acontecer? Primeiro a pandemia torna mais clara essa crise de aprendizagem e as desigualdades educacionais. E em segundo lugar, evidentemente, as desigualdades educacionais que já eram grandes vão se tornar muito maiores. Porque um ano letivo inteiro sem aulas, uns isolados em casa, tem livros, conectividades, um aparelho para cada criança ou adolescente que está aprendendo remotamente, e com pais que estão em teletrabalho em casa ajudando os filhos a se organizarem para aprender, enquanto outros, de famílias mais vulneráveis, estão em moradias que não comportam todos aglomerados numa sala para aprender, cadernos impressos que são enviados para casa, mas o aluno não tem um contato por plataformas digitais com esse professor síncronos, contatos que permitam tirar dúvidas. Os pais estão fora de casa para conseguir alguma fonte de renda para poder alimentar a família. E às vezes com crianças pequenas que não têm autonomia para aprender sozinhas. Então essas desigualdades que já eram grandes, infelizmente, vão se aprofundar muito. E nós vamos ter que lidar com as perdas de aprendizagem. Teve uma pesquisa feita em São Paulo, onde a conectividade é melhor, onde eles se organizaram bem para dar uma resposta educacional à COVID, e mesmo assim as perdas foram muito grandes e nós vamos ter que recuperar essas aprendizagens perdidas.
Que impacto isso terá na vida de jovens e crianças, num momento onde estamos sob um processo de ausência de uma coordenação nacional, além de uma baixa execução orçamentária do MEC?
Exatamente. Eu dialogo, eu fui diretora global de educação do Banco Mundial, que integra o sistema das Nações Unidas. E com isso eu tenho muito contato com ministros de educação de vários países, uma coisa que me chamou muita atenção é que enquanto nesses países quem coordenava a resposta educacional à COVID era o Ministério da Educação, inclusive em repúblicas federativas, aqui, o Ministério da Educação, durante a maior parte da pandemia e de escolas fechadas, não considerou que era seu papel coordenar a política educacional em tempos de crise profunda. Então isso prejudicou enormemente a nossa capacidade de fazer coisas que demandam apoio nacional, como fazer pequenas obras em escolas para preparar para um eventual retorno, organizar materiais para aprendizagem. Porque é importante a gente lembrar que muitos municípios têm menos de 5 escolas. Então não é que eles têm uma sede da secretaria com capacidade de produção de material gráfico e de tudo que é necessário para que uma boa aprendizagem em casa aconteça. Contato com televisão para quem não tem acesso às plataformas digitais poderia ter sido uma alternativa. Então nada disso aconteceu. Porém, tem um dado positivo que não é do MEC, não. É que o fato de que o Consed, que congrega os secretários estaduais de educação, e a Undime, que congrega os secretários municipais, se uniram e juntos conseguiram fazer uma parte do trabalho. Então, com duras dificuldades, juntaram a universidade, organizações da sociedade civil em várias partes do território para ajuda-los a preparar a mídia mais adequada ou as mídias mais adequadas, na maioria dos casos foi uma combinação de diferentes mídias para garantir alguma aprendizagem em casa, organizar o processo logístico de envio de cadernos impressos para as residências, e preparar essas obras e até os protocolos sanitários. Mais recentemente o MEC estabeleceu protocolos sanitários quando a Undime já tinha passado para todo mundo uma proposta de protocolo sanitário para eventual reabertura das escolas. E como você bem falou, o MEC mostra que tinha recursos e esses recursos poderiam ter sido mobilizados nessa crise brutal que a gente passou. Mas o MEC não pareceu achar que esse era o seu papel. A falta de ação do MEC prejudicou as crianças, com certeza.
Vivemos em um país de dimensões continentais e de realidades muito distintas. E em muitos lugares o principal debate é sobre a hora de voltar para a sala de aula. Como a senhora avalia esse processo?
Olha, primeiro é complexo mesmo. Se tivesse havido alguma coordenação nacional, e aqui nós estamos falando não só do ministro da educação, mas do ministro da saúde também. Na maior parte dos países foi a articulação desses dois atores, ministro da educação com o ministro da saúde, que definiu o momento certo de voltar para as aulas em cada região. É verdade que o nosso país é muito grande e a pandemia atingiu diferentemente as várias partes do país. Eles operaram um sistema que nós não usamos que foi de voltas, aberturas e fechamentos para poder organizar não só a proteção dos profissionais e das próprias crianças, mas também o atendimento à saúde. Não deixar que os hospitais entrassem em colapso. Então fechar e abrir escolas virou uma coisa que você pode organizar num tempo. Nós não fizemos nada disso. E como a nossa operação do processo de vacinação também está precária, nós ficamos num cenário em que os professores se sentem muito inseguros, os pais dos alunos se sentem inseguros, e nós não estamos conseguindo operar isso direito. Mas eu queria lembrar que a Bélgica ficou 3 meses, pouco menos de 3 meses com as escolas fechadas, e eles calcularam danos para essa geração de hoje que está na escola, em termos não só do direito de aprender, mas de ganhos futuros que eles terão no mercado de trabalho, de desenvolvimento do país no tempo em que capital humano é tão importante, muito grande. Imagine um ano letivo inteiro perdido.
Vemos hoje a briga sobre o retorno às aulas presenciais como se fosse o maior garantidor de uma educação de qualidade. É chegada a hora de falar em investimentos maciços em tecnologia para diminuir essas desigualdades?
Olha, naturalmente que mesmo que as insuficiências de aprendizagem que a gente tinha pré-pandemia fossem importantes, é melhor escola aberta, se não tivesse problema de saúde, é melhor escola aberta do que fechada. Se alguém tivesse fantasias sobre home schooling, evidentemente elas se desfizeram. Ser professor é uma profissão complexa, e a interação que acontece na escola é extremamente importante para o processo de ensino-aprendizagem. Então sim, vai haver danos.
É chegada a hora de falar em investimentos em tecnologias para diminuir as desigualdades do país?
Os investimentos em tecnologia já eram importantes antes porque o mundo, tanto do trabalho quanto da cidadania, se transformou, e ela está presente na vida dos adultos. Então investimentos em tecnologia que a gente olhava com uma certa reticência no passado, hoje a gente olha como algo muito importante. E hoje existem, diferentemente de no começo do ano 2000, por exemplo, muitos conteúdos de boa qualidade para o processo de ensino sendo compartilhados na internet. Tem muita coisa ruim, também, mas tem muita coisa que poderia ajudar os professores. E além disso, foram criadas, e a pandemia nesse sentido serviu como um acelerador desse processo, comunidades de compartilhamento de aprendizagem colaborativa entre professores. Então nós estamos atrasados no desenvolvimento de competências digitais entre professores e alunos. E vai ser uma pena se a gente não aproveitar tudo isso de triste que a gente passou para transformar a nossa educação. É uma crise que traz embutida dentro dela uma oportunidade de transformação. Nós não queremos voltar a escola como era. A ideia, e eu acho que é uma das coisas positivas que a gente tira de tanto sofrimento, uma aprendizagem que esse sofrimento todo nos trouxe, é que a gente pode repensar a educação incorporando essa aceleração digital que houve, desde que, como você disse, os investimentos certos sejam feitos, uma formação intensiva do professor para utilizar bem o meio digital, até aproveitando o que muitos deles já aprenderam.
Temos uma realidade muito diferente das escolas particulares do país para as escolas públicas, sejam elas estaduais ou municipais. Caso a senhora pudesse ser ouvida pelos mais de cinco mil prefeitos e secretários de educação, o que a senhora falaria para retirar esses gargalos que dificultam a construção de uma realidade melhor no ensino público
Olha, a primeira questão parece filosófica, mas não é. Nós temos que ter altas expectativas de aprendizagem não só em relação aos alunos que vieram de famílias mais afluentes, muitos deles de escolas particulares, mas para todos os alunos. O Brasil é signatário do objetivo de desenvolvimento sustentável 4, que diz que nós temos que assegurar educação de qualidade equitativa para todas as crianças e jovens. Então isso só se concretiza se a gente, no processo de ensino, tem altas expectativas de aprendizagem em relação a todos eles, e em especial aos mais vulneráveis. Não oferecer uma educação de segunda linha aos mais pobres. E isso quer dizer um pouco de ação afirmativa, ou seja, dar mais recursos para as escolas que estão em área de vulnerabilidade, então quando pensar em aprimoramentos da escola, colocar a escola em turno único, não ter a turma da manhã e a turma da tarde, quando pensar em escolas com professores contratados para 40 horas com dedicação exclusiva numa única escola, com tempo de colaborarem e trabalharem juntos, e com material que apoie o professor, fazem isso começando, se não houver dinheiro para fazer isso em todas as escolas, começando em escolas em área de vulnerabilidade, em áreas mais pobres que precisam de mais ajuda. E aí a gente começa a diminuir as desigualdades de aprendizagem. Formar muito professor para sua prática, não é só dar mestrado e doutorado para o professor, é prepará-lo para a prática efetiva que ele vai ter, e ao mesmo tempo olhar para a questão de trabalhar com base em evidência científica. Não é só na saúde que há negacionismo científico. Infelizmente em educação isso também acontece. E a gente já sabe o que funciona em educação. Ter um currículo claro, monitorar a aprendizagem para não descobrir só dois anos depois que as crianças não aprenderam, tem avaliações diagnósticas em redes regulares para de fato identificar quais são as insuficiências de aprendizagem de cada aluno. Ser professor e lidar com educação é uma profissão complexa como a pandemia nos permitiu perceber. E usar esses aprendizados para melhorar a qualidade da educação e até mesmo dar um salto nessa qualidade.
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