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ECONOMIA

"Governo se equivoca ao investir em transmissão e esquecer gasodutos"

Adriano Pires aponta que solidez e estabilidade para consumidores podem influenciar em período eleitoral

Por Reprodução | Enervision

04/02/2024 - 0:00 h
Adriano Pires é sócio-fundador do CBIE (Centro Brasileiro de Infraestrutura)
Adriano Pires é sócio-fundador do CBIE (Centro Brasileiro de Infraestrutura) -

O ministério de Minas e Energia estima um investimento de R$ 60 bilhões até o final de 2024 em linhas de transmissão de energia. A estratégia é considerada um equívoco, já que as estruturas serão subutilizadas. Esta é a avaliação de Adriano Pires, sócio-fundador do CBIE (Centro Brasileiro de Infraestrutura).

“Linhas de transmissão não geram energia. Linhas de transmissão transportam energia. E a gente precisa de geração de energia”, explica o especialista do setor elétrico. A solidez da geração de energia é fundamental para proporcionar estabilidade aos consumidores que sofrem com constantes apagões em diversas regiões do país, fato que vai impactar diretamente as eleições municipais que vão ocorrer neste ano. O tema foi tratado por Adriano Pires em entrevista exclusiva ao EnerVision, reproduzida por A TARDE. Confira:

O Ministério de Minas e Energia prevê um investimento de R$ 60 bilhões em transmissão de energia até o final de 2024. Qual é a sua avaliação sobre esta estratégia do governo federal?

Você vai acabar construindo linhas de transmissão que vão ser subutilizadas, dado que vão ser construídas para transportar energia solar e eólica, que são energias intermitentes. É um equívoco do governo federal, do Ministério de Minas e Energia (MME). Linhas de transmissão não geram energia. Linhas de transmissão transportam energia. E a gente precisa de geração de energia, principalmente, energia despachável como são as das térmicas para dar segurança ao sistema.

O próprio ONS, devido ao crescimento desordenado da geração distribuída (GD), sem um planejamento adequado, está cada vez mais tendo dificuldade de operar o SIN. Uma consequência desse crescimento da GD é a mudança do horário de pico de consumo. Antes, em função da proliferação dos aparelhos de ar-condicionado, era às três da tarde. Agora, voltou para 18h, 19h, porque não tem mais sol e o consumidor é obrigado a voltar a usar o fio da distribuidora. Quem tem painel solar em casa tinha uma conta de R$2 mil, até R$3 mil. Agora, a conta é de R$ 200, R$ 300.

Esse indivíduo acaba tendo um sinal de preço errado que incentiva a consumir de maneira ineficiente a energia. Quando o sol vai embora, ele deixa o ar-condicionado ligado. E aí você tem um aumento grande na ponta. Meu receio hoje é de que essa ponta suba muito, em função do calor. Por exemplo, nesse Verão, você pode começar a ter apagões localizados. Será que teremos geração térmica suficiente para atender a ponta do sistema?

Como reduzir o risco de apagões e garantir segurança energética?

Eu acho que o planejamento do setor elétrico, desde há alguns anos, está muito preocupado com a sustentabilidade, o que não é errado. O mundo inteiro está preocupado com isso, mas eu acho que, com a crise sanitária da pandemia, com as guerras da Ucrânia, Hamas, e com a própria crise econômica, a questão da segurança voltou para a mesa com muita força. E isso vai exigir uma política energética, um planejamento que encare o binômio sustentabilidade e segurança. Daí a importância das térmicas.

Temos de ter cuidado ao reformular o setor elétrico, para não desarrumar o que está funcionando bem. É aquela história: não podemos matar a vaca para acabar com os carrapatos. Um dos principais desafios é arrumar um convívio melhor entre o mercado livre e o mercado cativo. Outro, como eu já falei, é rever esse conjunto de investimentos de transmissão, que é um investimento gigantesco, para construir linhas subutilizadas, o que vai elevar a tarifa de energia, em particular, para o consumidor cativo.

Em relação ao mercado livre e à geração de energia solar, qual o impacto para as distribuidoras como a Enel?

A geração solar cresceu através de mudanças tecnológicas e é bem-vinda. Essas novas tecnologias e as mudanças climáticas afetam muito as distribuidoras, não somente a Enel. Com essas novas tecnologias e uma legislação e regulação inadequadas, as distribuidoras estão perdendo mercado. Primeiro, perderam para o mercado livre; agora, para a GD, e vem sofrendo, também, com a queda do mercado devido ao baixo crescimento da economia e com o aumento das chamadas perdas técnicas, que levam ao aumento da inadimplência. Sem falar na cobrança do ICMS que precisa ser alterada. Tudo isso tem levado ao que chamamos de espiral da morte. Ainda poderíamos acrescentar as mudanças climáticas: temporais, temperaturas elevadas.

Precisamos entender que a distribuidora de energia elétrica é um agente muito importante no setor. Porque, no final das contas, a distribuidora é o caixa do setor. Se quebrar esse caixa, começa a quebrar o sistema como um todo.

Temos agora uma oportunidade muito interessante: a renovação dos contratos de concessão das distribuidoras. Seria muito interessante aproveitarmos isso para construir um novo contrato de concessão, em que essas questões que estão hoje afetando a distribuidora, que estão levando à espiral da morte, fossem claramente equacionadas. O governo não deveria perder a oportunidade de começar a reformulação/modernização do setor elétrico discutindo um PL no Congresso sobre a renovação das concessões das distribuidoras.

A instabilidade da distribuição de energia elétrica em Estados como São Paulo e Rio de Janeiro deve influenciar de forma relevante as eleições municipais?

Eu tenho certeza que sim. Para a população, a energia elétrica é um bem essencial. Hoje, o objeto mais importante, que ninguém consegue viver sem, é a tomada. Isso afeta a população de alta, média e baixa renda. Nesse sentido, a população sempre tende a culpar o político, em particular o prefeito, que é quem está mais próximo dela.

A população não entende, por exemplo, nem sabe que quem faz a regulação do setor elétrico de distribuição no Brasil é a Aneel (Agência Nacional de Energia Elétrica), que é uma agência federal. Então, o governo federal que é o poder concedente, não é o Estado do Rio, não é o Estado de São Paulo, não é o Estado do Paraná, não é o Estado da Bahia.

Mas não adianta, porque a população olha para o prefeito, culpa muito o prefeito por esses eventos que são assim, muito danosos para a sociedade. Os prefeitos que estão se recandidatando, que estão pleiteando uma reeleição, e que tiveram problemas graves de falta de energia, como foi o caso de São Paulo, vão ser cobrados pela falta de energia.

Qual a sua avaliação sobre a atuação do governo federal no setor de energia?

O governo federal passou meio em branco no que se refere ao setor elétrico no ano passado. Foram muitas intenções e poucas realizações.
É importante reforçar que o setor de energia está passando por grandes mudanças tecnológicas. É preciso criar um contrato com mudanças regulatórias e legais que encare essas mudanças. Por exemplo, a atual regulação e legislação está condenando as distribuidoras a desaparecer no Brasil. Temos que entender que cada região do Brasil tem uma característica específica. No Rio de Janeiro, é uma história. No Amazonas, é outra. Assim como em São Paulo, Santo Catarina e Ceará. Até pode ser feito um contrato de concessão com regras harmoniosas, mas é preciso, também, levar em conta as características especificas de cada área de concessão.

Qual a perspectiva para os próximos três anos?

O setor elétrico está em um ponto de encruzilhada. Precisamos ter coragem de encarar os problemas, senão o setor vai explodir. Estamos no processo de espiral da morte. O próprio ministro de Minas e Energia, Alexandre Silveira, fala que o setor de distribuição é um patinho feio, mas tem que entender que os outros segmentos podem acabar, também, virando um patinho feio.

Volto a dizer que o governo deveria aproveitar a renovação dos contratos de concessão nesse momento de transição energética e começar a reformulação e modernização do setor elétrico. Tem que olhar outras questões, também, como a presença de geração térmica para assegurar segurança ao sistema.

Com a aprovação da reforma tributária, em quanto tempo o setor de energia deve sentir as mudanças?

Eu acho que isso aí não dá para falar com precisão, temos de esperar as leis complementares. Uma coisa que preocupa na reforma tributária é que pode ser que as leis complementares venham a corrigir é o caráter de essencialidade da energia elétrica. O mundo está cada vez mais eletrificado.

Não dá para a gente ter uma energia elétrica com esse nível de ICMS, com essa quantidade de impostos muito elevados, que a gente tem. Hoje, na conta de energia elétrica das residências, quase metade é imposto. Isso deveria ser olhado com carinho. Não dá para olhar a energia elétrica como se fosse cigarro e bebida.

Qual a sua avaliação sobre o uso de energia nuclear no processo de transição energética?

Acho muito importante, defendo a energia nuclear. Ela traz confiabilidade ao sistema, traz segurança, e é uma energia limpa. Num processo de eletrificação, como estão vivendo o Brasil e o mundo, não dá para renunciar à energia nuclear. No Brasil, essa discussão deveria ser tratada com mais seriedade. A participação da energia nuclear no Brasil deveria aumentar, vamos olhar a França, por exemplo, voltando a investir em energia nuclear.

O grande desafio dos planejadores de energia elétrica do mundo é construir matrizes elétricas diversificadas, olhando o atributo de cada fonte. Não basta olhar para o preço. Tem que olhar para o atributo. Quando se olha para o atributo, a nuclear tem sim uma importância muito grande, vai ter cada vez mais para a gente resolver o problema de oferta de segurança energética e sustentabilidade.

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