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ECONOMIA

Quinoa transforma a região mais pobre da Bolívia

Por Agência Estado

26/06/2011 - 18:48 h

Caracollo, Bolívia - Pequenos flocos de neve se diluem nos sulcos recém-abertos na terra ressecada e sedenta. Miguel Choque exala o ar úmido e frio, sorri e diz que a neve é um bom sinal para semear a quinoa. Antes de lavrar a terra, Choque e outros camponeses vizinhos seus nesta região do altiplano boliviano fazem oferendas a Pachamama (Mãe Terra) e pedem um bom ano de produção e colheita do valorizado grão. Depois de sete meses, os cachos em flor colorirão a paisagem agreste de amarelo, verde e vermelho.

A quinoa ajudou a salvar da fome os incas e agora está transformando uma das regiões mais pobres da Bolívia desde a popularização do grão em países mais ricos por conta de suas excepcionais características nutricionais, que levaram a agência aeroespacial norte-americana (Nasa, por suas iniciais em inglês) a introduzi-la na dieta dos astronautas. As vendas de quinoa multiplicaram-se por sete a partir do ano 2000, quando começou a aumentar a demanda externa pelo cereal.

O governo do presidente Evo Morales alçou o diminuto grão à condição de produto estratégico para a segurança alimentar da Bolívia e busca impulsionar o consumo interno da quinoa. O cereal passou a compor um pacote de alimento de subsídio a gestantes.

Conhecida como o grão de ouro dos Andes, a quinoa é o único alimento vegetal a conter dez aminoácidos essenciais para o organismo humano. O cereal também possui alto teor de proteínas (de 14% a 18%) e é uma boa fonte de fósforo, cálcio, ferro e vitamina E, podendo inclusive substituir o leite materno, segundo a Organização das Nações Unidas para Agricultura e Alimentação, conhecida pelas iniciais em inglês FAO.

"Se eu pudesse escolher um alimento para sobreviver durante toda a minha vida, escolheria a quinoa", escreveu há algum tempo o agrônomo norte-americano Duane Jhonson, da Universidade do Colorado. "Trata-se do alimento mais perfeito que há para a dieta humana."

"Conheço esportistas de alta performance que falam maravilhas dela (a quinoa)", comentou David Schnorr, presidente da Quinoa Corp., maior importadora do cereal nos Estados Unidos.

O arbusto brota no altiplano boliviano, uma região árida e pobre situada a 3.700 metros de altitude, e é resistente ao frio intenso, à neve e às secas que periodicamente castigam a área.

A Bolívia responde por 46% da produção mundial de quinoa, seguida pelo Peru, com 30%, e pelos Estados Unidos, com 10%, segundo dados de um levantamento do Ministério de Desenvolvimento Produtivo e Economia Plural do país sul-americano.

"Duplicamos nossas vendas nos últimos dois anos, em plena recessão econômica", comemora Schnoor.

No ano 2000, a Bolívia exportou 1.439 toneladas de quinoa, arrecadando US$ 1,8 milhão; no ano passado, as exportações alcançaram a marca de 14.500 toneladas, em troca de uma receita superior a US$ 25 milhões. Os principais mercados da quinoa boliviana em 2010 foram a União Europeia (UE), os Estados Unidos e o Japão. A meta para 2011 é alcançar uma produção de 30.000 toneladas, segundo o vice-ministro boliviano de Desenvolvimento Rural, Víctor Hugo Vásquez. Em 1983, pagava-se US$ 3 pelo equivalente a quatro arrobas de quinoa, então conhecida como "alimento dos índios". Hoje, diz Martinez, paga-se em torno de US$ 100 no mercado internacional pela mesma medida da semente.

A quinoa não é um cereal. Trata-se de uma semente que se come como um grão, não contém glúten e é de digestão mais fácil que o milho, o trigo, o centeio e outros tipos de grãos. Ela começou a ficar conhecida no mundo quando os reis da Espanha, em sua primeira visita à Bolívia, em meados de 1987, incluíram a semente em sua dieta.

Os indígenas que cultivam quinoa compõem uma das camadas mais pobres da população boliviana e até algumas décadas atrás muitos deles simplesmente viviam do escambo. Depois que virou moda nos países ricos, a quinoa trouxe essas pessoas para o mercado, diz Brígido Martínez, presidente da Associação Nacional de Produtores de Quinoa.

Ironicamente, porém, nas áreas de cultivo da quinoa existem casos de desnutrição entre as crianças pelo fato de "muitos produtores terem retirado a quinoa da dieta e a substituído pelo arroz e pelo macarrão, que são mais baratos", observa Wálter Severo, presidente dos produtores de Oruro, no sudoeste da Bolívia, uma das principais regiões de plantio.

"Apenas 10% ficam na Bolívia. Os 90% restante vão para a exportação. Isto deve mudar", diz a ministra de Desenvolvimento Rural, Nemecia Achacollo. "É mais fácil comprar Coca-Cola do que fazer um suco de quinoa."

A variedade mais bem cotada da semente é a quinoa real, que só é produzida na Bolívia, em uma região vizinha a imensos desertos de sal no sudoeste do país. A radiação solar vinda do mar branco de sal e a composição do terreno permitem a produção da valorizado grão, o qual o governo boliviano busca patentear. A quinoa real possui todos os mesmos nutrientes que as demais variedades, mas contém também a saponina, um composto, que dá um sabor ligeiramente amargo e é usado em cosméticos e detergentes. Por isso é mais cara e seu preço pode alcançar US$ 3.000 por tonelada.

Muitos bolivianos acreditam na capacidade da quinoa de transformar o empobrecido altiplano da mesma forma que a soja contribuiu para impulsionar a economia da hoje rica província de Santa Cruz, no leste do país. O preço pago atualmente na Europa e na América do Norte pela tonelada da quinoa chega a ser cinco vezes superior ao da soja.

Martínez não acredita que o cereal venha a proporcionar alguma espécie de decolagem econômica do altiplano boliviano. Ao contrário do leste do país, os camponeses do altiplano não dispõem de muita terra (10 hectares em média). "A quinoa não está nos tirando da pobreza, mas agora vivemos melhor. O camponês tem renda maior e por isso pode comer outras coisas, mas não deixou de consumir a quinoa", diz.

O cereal era ignorado pelos próprios bolivianos por conta de seu sabor ligeiramente amargo. Hoje é um artigo de luxo. Isso já havia acontecido antes com a carne de lhama, que virou moda graças a seu baixo teor de colesterol. É comum os produtores de quinoa diversificarem suas receitas com a criação de lhamas e alpacas, das quais aproveitam a lã, a carne e até o esterco, usado como adubo. Muitos produtores já trocaram os arados puxados por boi, comuns na região, por tratores e outros equipamentos mecânicos.

"A quinoa é o arroz do altiplano", declarou Evo Morales durante visita à Venezuela no fim do ano passado. "Antes, o povo não queria comer quinoa, dizia que era comida de índio e, por ser do índio, não queria comer. Agora o povo boliviano começa a reagir "

Autoridades bolivianas observam que o modo tradicional de colheita da quinoa, menos nocivo à natureza, a encaixa no modelo de sociedade que Morales, primeiro indígena a governar a Bolívia, busca desenvolver no país.

"A quinoa nos dará a base material de um tipo de sociedade que é a encarnação do Estado plurinacional" proposto na nova Constituição, comentou há pouco tempo ex-vice-ministra de Desenvolvimento Rural Teresa Morales.

Evo Morales tem um plano para a quinoa. A meta é duplicar a área de cultivo a 100.000 hectares, fortalecer a produção da quinoa ecológica, industrializá-la e fomentar o consumo interno, explica Vásquez. "Antagonismos internos" entre produtores e comerciantes impediram um avanço mais rápido, admite. Mas os produtores veem com desconfiança os planos do governo, que construiu estruturas de armazenamento e seleção dos grãos.

"O apoio do governo é bom, mas gostaríamos que nos ajudasse com irrigação e pesquisas para melhorar qualidade da semente e o rendimento da terra. Mas o que ele faz é construir fábricas de quinoa", argumenta Martínez.

Para Gonzalo Flores, assessor de la FAO, se a Bolívia não aproveitar a oportunidade, é possível que ocorra o mesmo que se passou com a borracha no início do século 19, quando se edificou um império no Brasil e na Bolívia até as sementes aparecerem na Ásia e em poucos anos o auge do ciclo da borracha na Amazônia naufragar. "O governo deveria se dedicar mais a gerar um esquema de fomento", afirma Flores.

Outro técnico de cooperação internacional defende que um dos problemas para se extrair rápido proveito do auge da quinoa estaria na visão do governo, que, segundo ele, vê os negócios rurais como algo "pecaminosos".

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