CONSCIÊNCIA NEGRA
Trabalhador negro em Salvador ganha 54% menos que o branco
Dados da Pnad do 2º trimestre de 2023 demonstram a desigualdade no mercado de trabalho
Por Fábio Bittencourt
Embora constituam 80,2% da população do estado em idade de trabalhar, os negros correspondem a 86,2% dos desocupados, contra 12,7% entre pessoas brancas. Em Salvador, onde 80,8% dos habitantes são pretos e pardos, o índice atinge 92,2% do público, frente a 7,4% de não negros (brancos, amarelos, indígenas).
Com relação ao rendimento médio mensal, na Bahia, a diferença salarial entre trabalhadores negros e brancos chega a 32,4%. Na capital, a discrepância é de mais da metade (54,5%).
Os dados são do segundo trimestre de 2023 da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua (Pnad Contínua) do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), e integram relatório divulgado pelo Departamento Intersindical de Estatísticas e Estudos Socioeconômicos (Dieese), intitulado As dificuldades da população negra no mercado de trabalho.
Dedicado ao Dia da Consciência Negra, o documento aponta que, apesar de representar 56,1% da população em idade de trabalhar, os negros correspondem a mais da metade dos desocupados (65,1%); e que quase a metade está em trabalho desprotegido (46%).
Apenas 33,7% dos cargos de direção e gerência em todo o País são ocupados por pessoas negras –, ou seja, um em cada 48 trabalhadores negros ocupa função de gerência –, enquanto entre os homens não negros, a proporção é de um para 18 trabalhadores.
De acordo com a Supervisora Técnica Regional do Dieese, Ana Georgina Dias, a despeito de avanços, “o racismo e a discriminação ainda preponderam nas relações de trabalho”. Segundo ela, a segregação racial “não foi superada e estruturou” o mercado de trabalho.
“Ano após ano, os dados oscilam pouco em relação à desigualdade, com homens e mulheres negros ganhando menos, sendo a maioria entre informais, com taxa de desocupação maior. A posição do negro é quase permanente, ainda que a escolaridade tenha melhorado bastante”, afirma.
Ainda de acordo com a economista do Dieese, políticas afirmativas são importantes e funcionam, “mas nem tudo pode ser por decreto”. “Vejo (uma mudança de mentalidade ainda) incipiente entre as empresas. Existe um ativo muito valioso que é a imagem, e há um impulso inicial com o ESG (conjuntos de boas práticas corporativas). Mas, na Bahia, por exemplo, majoritariamente negra, apenas 1,5% dos negros ocupa cargo executivo”, fala Ana.
Com MBA em Gestão Empresarial, a bacharel em marketing Ana Carolina Cândido, 34, há dois anos é gerente de Inovação Aberta no Grupo Hapvida NotreDame Intermedica. Líder de 16 colaboradores, é a única negra da equipe, que, entre outras atribuições, comanda o portfólio de startups.
Para ela, as dificuldades enfrentadas por ser uma mulher negra no Brasil são diárias, não só no mercado de trabalho. “O racismo é presente. A mulher negra precisa se esforçar mais, mostrar o seu valor, que tem credibilidade”, conta Ana.
Agora em novembro, o grupo lançou a campanha A transformação só acontece com a sua atitude, alusiva ao Dia da Consciência Negra. Além de informativa, a iniciativa é composta ainda por treinamentos sobre diversidade, equidade e inclusão.
De acordo com a assessoria, dados indicam “trajetória de evolução na cultura de inclusão da empresa”. “Dos 66 mil colaboradores, 61% são pessoas pretas ou pardas. E entre todas as lideranças da instituição, 48% são pessoas negras”, diz.
“Esse desafio de ter um mercado mais diverso, com pessoas negras atingindo posição de liderança dentro das organizações, eu avalio que houve uma melhora, até mesmo um avanço significativo. Mas, apenas 10% dos 100% que a gente pode avançar”, diz o presidente da Associação Brasileira de Recursos Humanos na Bahia (ABRH), Vitor Igdal.
“É um caminho muito grande avançar na consciência negra, termos pessoas diversas (nos espaços decisórios). Hoje, no mercado baiano, têm-se pouquíssimas lideranças negras na área de recursos humanos, e se a gente quer avançar mais nesse sentido é necessário dar mais oportunidade”.
”Sigla feminina”
Uma das maiores executivas do País, primeira mulher negra a ocupar o cargo de CEO de marcas de luxo, como Lacoste e Pandora, a consultora Rachel Maia desembarca em Salvador amanhã para falar sobre este e outros assuntos. Com o mote “CEO: uma sigla feminina?”, o workshop, aberto ao público, acontece às 10h, na Fábrica Cultural, no Largo da Ribeira.
O Instituto Mandarina, cujo propósito é gerar renda entre pequenos empreendedores baianos, é um dos apoaiadores do encontro com Rachel Maia. A fundadora da entidade, Neila Larangeira, também com carreira em companhia de produção de gás, destaca que no empreendedorismo os obstáculos afetam negros e não negros, com a falta de grana. Mas que no mundo empresarial a coisa é “mais forte”. “Nosso universo é muito negro, e no mercado formal, no ambiente corporativo, o debate racial, muito recente”.
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