EM 25 ANOS
Estudantes universitários firmaram 3,5 milhões de contratos com o Fies
Com orçamento de R$ 6,4 bilhões em 2024, programa vai passar a financiar alunos de baixa renda
Por Priscila Dórea
Com o objetivo de ampliar o acesso ao ensino superior, o Fundo de Financiamento ao Estudante do Ensino Superior (Fies) firmou 3,5 milhões de contratos com estudantes universitários desde que foi criado em 1999, sendo que, desde 2010, R$ 144,7 bilhões foram destinados ao programa, apontam dados do Ministério da Educação (MEC), por meio do Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação (FNDE).
A equipe de reportagem de A TARDE solicitou ao MEC mais informações, mas até o fechamento desta edição não obteve retorno. Em 2024, com o orçamento de R$ 6,4 bilhões aprovado, o Fies dará início a mais uma modalidade do fundo de crédito: o Fies Social.
Direcionado para estudantes de baixa renda, o Fies Social irá financiar 100% da mensalidade dos alunos que cumprirem os critérios, e declarem ter renda familiar per capita de até meio salário mínimo. Outra diferença dele para o Fies tradicional é que 50% das vagas serão destinadas às pessoas inscritas no CadÚnico, além de prever vagas exclusivas para pessoas com deficiência, e autodeclaradas pretas, pardas, indígenas e quilombolas.
Para a estudante Beatriz Menezes Gabriel de Sousa, de 22 anos, o Fies Social é muito bem vindo. Para ela, afinal, “a universidade deve ser inclusiva, sempre”.
Com uma bolsa de 80% do Fies, Beatriz está no terceiro semestre do curso de jornalismo da Universidade Católica do Salvador (Ucsal). Ela acredita que o Fies Social deve ajudar muito no sentido da inclusão, da democratização do acesso ao ensino, inclusive reparando injustiças sociais históricas. “É bom saber que os próximos estudantes terão possibilidades ainda melhores das que tenho. O Fies foi o grande impulsionador da minha entrada na vida acadêmica, pois sem ele, provavelmente, esperaria mais um ano e realizaria o Enem outra vez para garantir uma bolsa”, conta a estudante.
Beatriz planeja quitar a dívida através da amortização – quando, em negociação com o banco, o devedor paga as parcelas futuras sem os juros adicionais. Já a estudante de publicidade e propaganda da Ucsal, Taíssia Carneiro Araújo, de 26 anos, criou no início da faculdade uma agência de marketing digital, a TKM Agência Digital (@tkm.agenciadigital), que está ativa até hoje e que Taíssia espera “que continue assim, até depois de me formar para ajudar na quitação da dívida”.
Longe de casa
Da cidade de Valente – nordeste da Bahia –, Taíssia imaginava desde a época do colégio que o Fies seria o seu caminho para o ensino superior. “Foi uma das maneiras que enxerguei de começar a faculdade. Vim do interior para estudar na capital, mas minha família não teria condições de pagar a mensalidade no seu valor total. Sem o Fies, ficaria inviável, pois eu moro em Salvador sozinha, longe da minha família, então não seria fácil”, relata a estudante, que deve se formar em 2025.
O cenário atual parece sinalizar a inserção do Brasil no contexto mais amplo de políticas de expansão da educação superior através de recursos públicos destinados a instituições privadas, “algo bastante disseminado em contexto internacional”, explica o doutor em educação e professor da Universidade do Estado da Bahia (Uneb), Sergio Henrique da Conceição, líder do grupo de pesquisa e estudos Educação, Federalismo e Controle Social (GEFeCS), que atua na pesquisa relativa ao financiamento, oferta, gestão e controle social dos sistemas de educação.
Os contratos de Beatriz e Taíssia com o Fies estão entre os mais de 2,3 milhões de contratos ativos no Brasil atualmente. Se cadastrar no programa já pensando em planos para quitar essa dívida o mais rápido possível é algo essencial, no entanto, nem sempre esses planos dão certo, ou mesmo são feitos: com mais de 1,2 milhão de estudantes inadimplentes, e com a dívida passando dos R$ 54 bilhões, o governo federal lançou em novembro de 2023 o Desenrola Educação, que tem concedido até 99% de desconto para os endividados.
A ação, que renegociará dívidas até 31 de maio, já beneficiou 196.776 mil pessoas (levantamento do FNDE do dia 5 fevereiro de 2024), o que equivale a mais de R$9 bilhões em dívidas renegociadas e R$382.140.568,09 milhões que já retornaram aos cofres públicos apenas com a parcela de entrada. A estimativa é de que mais de um milhão de pessoas ainda tenham dívidas com o Fies. Na Bahia, até o final do ano passado, o número de inadimplentes passava dos 108 mil, com uma dívida que chega a R$ 5,3 bilhões.
Formado em arquitetura e urbanismo pela Universidade Salvador (Unifacs) em 2021, o arquiteto Thales Piana explica que não sabe ao certo por quanto tempo terá que pagar o Fies, só que “ainda levará uns bons anos”. “Sem o Fies, eu teria que continuar estudando para tentar entrar em uma universidade pública, então ele adiantou minha formação e entrada no mercado de trabalho. Porém, devido à realidade da área de arquitetura em Salvador, e a minha própria realidade, ainda não tive como quitar toda a dívida”, conta.
Retorno à sociedade
Para o arquiteto, que conseguiu financiar quase 90% do curso, a grande importância do Fies está em permitir que o usuário conclua a graduação. “Mesmo que não saiba como realmente vai pagar depois. O problema é que nas fases de renegociação, os usuários que pagam certinho não têm benefícios na amortização final, por exemplo. Muitas vezes, quem não paga tem um desconto maior no montante final e melhores condições de pagamento”, conta Thales Piana. No Renegocia Educação, por exemplo, os adimplentes conseguem descontos de apenas 12%.
É constatado que os estudantes que obtêm esse crédito estudantil apresentam dificuldades para seu pagamento no futuro, aponta o professor Sergio Henrique da Conceição. Afinal, não foi à toa a publicação da Lei n° 14.375/2022, que prorrogou as condições de pagamento dessas dívidas e sua renegociação. Já do lado da educação pública, o Programa de Apoio a Planos de Reestruturação e Expansão das Universidades Federais (Reuni) foi descontinuado em 2012, e tudo isso somado “à indiferença pública quanto o papel e relevância das universidades estaduais na oferta de educação superior no interior do país”, deixa claro o “consenso construído”, afirma o professor.
“O consenso é de que a educação superior só poderia se expandir via crédito público de compra de vagas em instituições privadas. Algo bastante disseminado no contexto global da educação superior, sem nunca, de fato, termos discutido acerca da adequação dessa prática na realidade brasileira, cujo papel histórico do estado, em matéria de educação, sempre foi caracterizado pela omissão de seu financiamento. É preciso assumir a necessidade de avaliarmos, através de estudos de agências públicas e centros de pesquisa, se a prática de concessão de empréstimos públicos a cidadãos representa a melhor alternativa ao nosso perfil socioeconômico”, argumenta.
Para o economista e educador financeiro Edval Landulfo, um caminho seria pagar essa dívida através de trabalhos voluntários, com os formados prestando serviços pro bono. “Temos profissionais de todas as áreas, e assim esses estudantes poderiam dar uma contribuição maior à sociedade. Isso é algo que precisa ser discutido para que encontremos melhores oportunidades do que somente pagamento do crédito estudantil. É preciso haver todo um sistema operacional que certifique que esse estudante possa realizar esse pagamento sem ficar inadimplente”, reflete Edval, que é vice-presidente do Conselho Regional de Economia da Bahia (Corecon).
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