EDUCAÇÃO
Superdotado precisa de assistência qualificada
Pais e mães de crianças com QI alto encontram dificuldades para conseguir escolas e professores preparados pra
Por Priscila Dórea

“Sejam as crianças que sabem pouco ou as que sabem muito, todas precisam de ajuda”, afirma a dona de casa e estudante de enfermagem, Leisiane Conceição, mãe de Guilherme, de 8 anos. Superdotado, membro da Intertel - sociedade de pessoas com QI superior a 99% da população mundial -, e autista, Gui tem hiperfoco em temas relacionados à geografia e ciências, e já precisou mudar de escola algumas vezes. O motivo? Encontrar um local que saiba lidar com a sua rapidez em aprender.
“O que nós, mães, queremos é que nosso filho seja feliz, certo? Ele não sabe tudo do mundo, mas aprende muito rápido e o ensino nas escolas é feito por partes, com o assunto sendo desenvolvido passo a passo. No caso dos superdotados, eles precisam aprender na sala de aula e ter algo a mais quando a aula acaba. Converso muito com ele, mas muitas vezes ele fica triste, entediado e estressado. Ele se segura na escola, mas em casa desaba”, lamenta Leisiane Conceição.
O despreparo dos professores é um problema, aponta a mãe, assim como a falta de um Plano Educacional Individualizado (PEI) por parte dos educadores - documento feito pelo professor após avaliar um aluno com necessidade educacional específica. Mas já existem escolas que acolhem bem essas crianças, a exemplo do Colégio Marcodes (Cabula), onde Gui chegou a estudar, mas precisou sair por causa da distância de seu bairro (Bonfim): ele é um dos 26 alunos superdotados que já passaram pela instituição.
Dos 53 estudantes com necessidade educacional especial que o Marcodes têm hoje, dois são superdotados. “Diversas escolas e profissionais já estão habilitados para esse acolhimento. Contudo, ainda há muita falta de informação e preparo das famílias e comunidade escolar. A graduação nem sempre prepara o professor para lidar com o diferente o que, no geral, significa que ele precisa de uma formação complementar para saber abordar o estudante atípico”, explica a coordenadora pedagógica do Marcodes, Magali Celestino.
Núcleo especial
Complementando a educação tradicional recebida pelos superdotados, o Núcleo de Atividades de Altas Habilidades/Superdotação (NAAHS), localizado na Caixa D’Água, realiza atividades direcionadas que potencializam as habilidades focais dessas crianças - e incentivam outras mais -, no contraturno de suas aulas. O espaço atende cerca de 30 crianças e adolescentes, além de orientar famílias e outros superdotados. Contudo, apesar do empenho de seus profissionais, com apenas uma unidade no estado, o NAAHS não consegue suprir a demanda.
“Não sabemos mensurar o número de superdotados no estado, porque não há pesquisas nesse sentido. São pessoas invisibilizadas em uma sociedade perversa que estereotipa e diminui as pessoas, o que dificulta o nosso trabalho”, explica a professora do NAAHS, Jaqueline Lima. O problema é que há essa falsa ideia de que os superdotados sabem tudo e não precisam de ajuda, salienta a também professora do NAAHS, Edna de Santana. “E isso não só dificulta a identificação deles, como também os fazem não ter o devido suporte”, explica.
Para a pedagoga Michelle Mendes da Silva, mãe do Lorenzo, de 8 anos, garoto superdotado que resolve 200 exercícios matemáticos por dia, descobrir o NAAHS trouxe uma mudança e tanto na vida do filho. “Seria capaz de me mudar para o lado do Núcleo se ele funcionasse plenamente e houvesse mais investimento no belo trabalho que fazem”, explica ela, que é natural do Mato Grosso do Sul e mora em Lauro de Freitas.
As escolas têm grande dificuldade em aceitar e atender às necessidades dele, explica Michelle, e recomendam colocar Lorenzo “em uma escola melhor”, o que também quer dizer uma escola mais cara. “E não podemos pagar. Corro atrás de bolsas, mas o meu sonho é que ele estude na rede pública. Não apenas pelo custo, mas porque sei o quanto isso vai ajudar ele no ensino superior”, afirma Michelle, que assim como Leisiane, faz parte do grupo de WhatsApp Crescer Feliz Bahia (160 membros), que reúne familiares de superdotados.
O grupo, que também possui Instagram (@superdotadosnomundo) e está em vias de fundar sua própria ONG, a QI Iluminah. Uma de suas administradoras é a assistente administrativa e estudante de pedagogia, Cíntia Monteiro, mãe da Camila de oito anos e do Davi de sete anos, ambos superdotados. “Um momento de pânico meu foi quando a escola anterior deles me disse que, se fosse o caso de uma criança com déficit de aprendizado, eles poderiam ajudar, mas não podiam fazer nada com uma criança que sabe muito”, lembra a mãe.
“Minha filha só tem um amigo e um dia me pediu para levar ela no médico para tirar isso de “altas habilidades” dela. Fiquei arrasada, porque ela ficou chorando no quarto e eu não sabia o que fazer além de conversar com ela. Davi foi acelerado na escola e demorou meses para se adaptar. Nenhuma criação é fácil, mas, no caso deles, é especialmente difícil porque há muito pouco conhecimento sobre isso dentro da sociedade. Por isso queremos que o poder público enxergue nossos filhos como eles precisam ser enxergados”, pede Cíntia.
Hoje, no geral, essas crianças estão invisíveis calçando um sapato muito menor do que o pé delas, argumenta a psicóloga, neuropsicopedagoga e especialista em altas habilidades/superdotaçãoPatrícia Schneider. “Essas crianças, na maioria das vezes, sofrem caladas, ou falam por sintomas, como agitação, choros fáceis, insônias ou dificuldade de ir para a escola, e algumas ainda conseguem verbalizar o que está acontecendo. Uma criança feliz e saudável gosta de ir para a escola. Se isso não está acontecendo, é preciso olhar mais de perto”.
Por isso, um dos maiores desejos da assistente social Francisca Barbosa da Silva, mãe do superdotado Silas, de 11 anos, é encontrar uma escola que o acolha em sua totalidade e que todas essas crianças sejam acolhidas por políticas públicas. “Sem segregá-las ou evidenciá-las, mas incluindo atividades e uma matriz escolar benéfica ao seu desempenho de forma individual, enquanto ainda inseridas na sala de aula com outros alunos. Estamos falando de crianças, não existem “normais ou anormais”, apenas crianças e suas diversas diferenças”, enfatiza a assistente social.
Dificuldades na socialização
As pessoas são seres únicos, então é muito complexo falar de um traço que seja comum a todos os superdotados, pois isso depende de inúmeras variáveis, explica a psicóloga credenciada à Mensa (Sociedade de Alto QI), neuropsicopedagoga e especialista em altas habilidades/superdotação Patrícia Schneider.
Mãe de duas meninas superdotadas, a profissional aponta que o problema mais comum em seus atendimentos a crianças com altas habilidades é a dificuldade delas em encontrar outras crianças com interesses em comum.
“E isso pode trazer dificuldades na socialização, mas não significa que os superdotados tenham dificuldades de socialização em si. Como a maioria das crianças tem interesses diversos dos delas, muitas vezes elas podem achar as brincadeiras enfadonhas, e, não raro, sofrem bullying por apresentar interesses diferentes da maioria das crianças de sua idade. Por isso, é tão comum se identificarem com crianças mais velhas, até pela assincronia, pois elas têm uma idade mental acima da cronológica”, explica Patrícia Schneider.
Neste ponto, o ambiente escolar pode ajudar muito, mas ao contrário do que se pensa, o quociente de inteligência de uma pessoa pode aumentar ou diminuir, a depender dos estímulos que ela recebe. “É preciso engajar essa criança, conquistar, tirar ela do tédio e a avaliar de forma particular para saber qual o “número de sapato” educacional que ela calça, sem perder de vista as questões e necessidades socioemocionais.
Ou seja, são alunos de uma complexidade maior que nem sempre as escolas apresentam interesse em desenvolver”, explica a psicóloga.
Clima
E isso é um grande equívoco, pois são justamente essas crianças que podem ajudar a melhorar o nível e o clima de aprendizado de cada escola, já que, quando felizes ou emocionalmente saudáveis, costumam ser muito engajadas no que fazem e costumam inspirar os demais colegas. “Uma comparação que ilustra muito bem isso é: quando a maré se eleva, todos os barcos se elevam”, afirma a profissional.
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