SOMAR E MULTIPLICAR
Tribunais de contas ajudam municípios na gestão da educação
Projeto “Educação é da nossa conta” surgiu no intuito de alavancar índices de aprendizagem e otimizar recursos
Por Alan Rodrigues

Orientar e dar segurança jurídica para gestores de educação de todos os municípios da Bahia na execução dos recursos. Com esse objetivo surgiu o programa “Educação é da nossa conta”, parceria dos tribunais de contas do estado (TCE) e dos municípios (TCM), que oferece capacitação e contribui para a construção e validação de projetos educacionais em todo o estado.
Criado em 2017, o projeto foi motivado inicialmente pelo baixo rendimento da Bahia no índice de desenvolvimento da educação básica, o Ideb. “O projeto "Educação é da nossa conta" é uma iniciativa de controle externo minuciosamente concebido e executado pelos Tribunais de Contas da Bahia (TCE-BA e TCM-BA), direcionado tanto à fiscalização dos recursos empregados, quanto à forma de concretização das políticas públicas ligadas à Educação”, define o presidente do TCE, Marcus Presídio.
O primeiro passo foi a capacitação de servidores. Já no primeiro seminário, 500 inscrições, número que dobrou no ano seguinte, levando a organização a promover a transmissão online a partir de 2019 através do Instituto Anísio Teixeira (IAT).
Em parceria com a Uncme (União dos conselhos municipais de educação) e Undime (União dos dirigentes municipais de educação), o TCE avalia metas de planos estadual e municipais de educação e orienta gestores sobre os recursos disponíveis, quais as suas fontes, como acessá-los e quais os gastos permitidos ou não.
Anderson Passos é presidente da Undime e secretário de educação de Aratuípe há 3 anos. Antes, já tinha comandado a secretaria por 2 anos em sua primeira nomeação. Ele vê a mudança na atuação do TCE de forma bem objetiva. “Antes era meramente fiscalização, agora com o projeto formativo o programa fortalece a democracia”. E ele explica: “Uma coisa é colocar informação no mural, outra é fazer que a informação chegue às pessoas”.
Em Aratuípe, cidade com menos de 10 mil habitantes, há 3 anos havia 120 matriculados na educação infantil na zona rural, distribuídos em 15 escolas, em turmas que abrigavam alunos de idades e séries variadas, o que comprometia o aprendizado e afastava os estudantes de menor idade.
Hoje, o município tem uma grande escola de tempo integral na zona rural, a José Leone, que conta com um anexo. Toda a estrutura abriga 230 estudantes, que têm acesso, além das aulas, a reforço escolar, atividades esportivas, culturais, transporte escolar e 4 refeições diárias. Os professores contam com auxiliares em todas as turmas e a permanência das crianças na escola por todo o dia favorece o trabalho dos pais, além, de promover economia no orçamento e, de quebra, ajuda a combater o trabalho infantil no campo.

O prédio onde a escola funciona estava abandonado há mais de 10 anos e tinha se tornado abrigo para moradores de rua, além de servir como ponto de tráfico de drogas. Hoje, a escola, totalmente reformada e ampliada, tem ar condicionado em todas as salas, núcleo de informátice e biblioteca com mais de 300 títulos.
As escolas antigas viraram pontos de vacinação e servem de espaço para associações de moradores, celebrações religiosas, além de aulas de educação de jovens e adultos (EJA). “Na verdade, os recursos sempre existiram, fizemos busca ativa, implantamos uma creche na zona rural, os pais antes não tinham confiança, viam a creche como depósito de crianças”, lembra o secretário.
Erenildes Souza é mãe de Eric, de 11 anos, aluno do colégio José Leone. Ela conta que a educação na zona rural melhorou muito. “A zona rural nunca teve esse privilégio”. Ela lembra que o filho antes ficava em casa no celular e televisão e admite que alguns pais ainda “precisam” dos filhos na roça, mas acredita que isso está mudando. “Se veio para a gente (o ensino integral) tem que agarrar. Jamais tiraria isso do meu filho. Eu nunca tive isso”.
Referência
Em Licínio de Almeida a situação é diferente. O município, que ficou conhecido por ostentar o melhor Ideb da Bahia em 2021 nos anos iniciais (7,1) e finais (6,3) enfrentou o desafio de replicar em toda a rede o sucesso da escola Pingo de gente.
Michely Teles comanda a secretaria de educação local há 13 anos e já participou duas vezes dos seminários do “Educação é da nossa conta”. Uma com a escola, outra para demonstrar o resultado de toda a rede, que no último levantamento ficou com as 3 melhores escolas da Bahia nos anos finais (Padre Anchieta 6.8, Pingo de Gente 6.7, João Paulo II 6.6) e a melhor dos anos Iniciais, mais uma vez a Pingo de gente, com média 7,6.
“Procuramos identificar por que as outras escolas não estavam desenvolvendo tanto quanto a Piungo de gente”, lembra Michely, que aposta na educação continuada para elevar e manter os índices de aprendizagem em toda a rede. Outro ponto positivo é a igualdade de oportunidades. “Em Licínio de Almeida não há escolas particulares, os filhos de todos, prefeito, secretários, vereadores e comerciantes, estudam no mesmo lugar”, destaca a secretária.
Mas oferecer ensino de qualidade exige investimento e saber equacionar os recursos disponíveis é essencial. “Quando se trabalha com educação de qualidade se acaba gastando muito. O projeto “Educação é da nossa conta” permite compreender o que é possível gastar, de onde vem o recurso, para que se possa fazer educação sem gastar muito, mas na medida correta”, atesta Michely.
Para reduzir a repetência e regularizar o fluxo escolar, o município implantou turmas de aceleração e o projeto “Aprender mais”, que mantém o aluno na escola no contra-turno, oferecendo também reforço na alimentação. Além disso, todo o planejamento e as avaliações são unificados.
Outras iniciativas
Luzinete Lyrio está recém aposentada da secretaria de Educação, onde atuou por vários anos no Programa de apoio à Educação municipal. Ela conhece de perto as dificuldades dos gestores, muitos dos quais deixam de implementar algumas ações pelo simples receio de terem suas contas reprovadas.
Por isso, ela considera a iniciativa do TCE tão positiva. “Quando os tribunais entram com parceria para alavancar a educação é um ponto de relevância. Os municípios têm sede. Eles não deixam de fazer porque não querem, é porque não tem braços e pernas para alcançar”, avalia Luzinete, destacando o valor das capacitações oferecidas nos seminários para a formação de corpos técnicos qualificados.
Em Capim Grosso, a secretária Neumaria Gomes nunca participou de nenhum seminário do “Educação é da nossa conta” mas, como representante da bacia do Jacuípe está sempre presente nos encontros da Undime, onde experiências são compartilhadas. Para ela, a atuação dos tribunais de contas junto aos gestores de educação é um divisor de águas.
“Era para ter acontecido antes, trouxe muitos esclarecimentos para os gestores”, diz Neumaria. Ela criou o “Educa mais Capim Grosso”, programa com foco no analfabetismo, estimado em 7.823 habitantes, segundo levantamento do Tribunal Regional Eleitoral (TRE), cerca de 25% da população do município.
No modelo implantado pela gestão local, o EPJAI (Educação para jovens, adultos e idosos) criou oportunidades tanto para quem abandonou os estudos, pelos mais diversos motivos, quando para os filhos de trabalhadores que nunca tiveram acesso a creches. O objetivo, segundo a secretária, é “garantir direito de aprender”.

Para isso, ela envolveu as secretarias de saúde, administração e social, além de associações de moradores, igrejas, sindicatos e comércio. Verdadeiros mutirões de busca ativa foram realizados nas praças, para incentivar a matrícula de quem deixou a escola ou simplesmente nunca estudou.
O resultado foi um salto dos 235 alunos que compunham a rede pública de ensino, incluindo Fundamental I e II, para 1.373 matriculados apenas no EJA. De 3 escolas, Capim Grosso passou para 21, com a construção de uma escola nova e a requalificação de 17 outras unidades que estavam fechadas.
Como atrativo, além do kit pedagógico, fardamento e transporte, a prefeitura oferece cesta básica e reforço da merenda para estudantes do período noturno, em sua maioria trabalhadores. E a permanência na escola também é recompensada com um cartão onde, a cada três meses, ao final da unidade letiva, são depositados R$ 300.
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