ESPORTES
Furo de notícia era com professor Saraiva
Por Aurélio LIma, do A Tarde
As 48 gravatas estilizadas do professor Gabriel Saraiva, com fotos de clubes e da mulher de sua vida, Noélia Saraiva, falecida, são a parte visível do caráter pioneiro do antigo rádio-escuta, homenageado pelo remo baiano com o troféu que leva o nome dele na última etapa do Estadual, domingo, na Ribeira. Aos 83 anos e há décadas longe das atividades na imprensa e Tribunal de Justiça, ainda é insuperável no furo jornalístico.
“A Rádio Globo ligou perguntando se a Espanha fez 2 a 1 ou 12 a 1 no jogo pela Copa Clubes Campeões da Europa”, resgatou antiga competição, em que os espanhóis tinham de fazer onze gols de diferença para se classificarem à fase seguinte. Saraiva ainda acha graça da incredulidade da Globo, não pelo placar em si, mas o resultado dado em tempo real, na época em que a Internet não era uma ferramenta de trabalho recorrente como é hoje.
Segredo guardado por longas datas. Numa de ex-mágico mister M, revela que mágica era o rádio alemão, quase metade do tamanho de um piano, de 12 faixas, na Emissora Nacional de Portugal. “Dei a goleada do Bahia no Bayern de Munique e o empate com o Dínamo, de Moscou. “Alguns queriam saber como é que eu falava russo”, brinca. Outro furo na Bahia foi a morte do jornalista Assis Chateaubriand, dono do Diários Associados. Soube por acaso e na hora certa, ao sintonizar na Rádio Tupi do Rio de Janeiro, às 20h30 no dia 4 de abril de 1968.
A notícia foi ao ar pela Rádio Cruzeiro e pegou de improviso a Sociedade da Bahia, uma afiliada no Estado. “Liguei para ouvir a resenha e a Rádio Tupi deu a morte e logo depois saiu do ar. Estreava na Rádio Cruzeiro e o plantonista, Solon Campos, se recusou a dar a notícia. Eu tive de assinar um termo de responsabilidade. Só assim ele concordou”, revelou.
Na mesma noite, iam jogar Bahia e Vasco, na Fonte Nova, e o locutor José Athayde conseguiu com habilidade um minuto de silêncio com o árbitro. Presente à Fonte, ao saber o motivo, a Sociedade saiu do ar. “E nem transmitiu o jogo“, completou Saraiva.
Nascido no bairro de Itapagipe, em 11 de outubro de 1925, Gabriel Saraiva mudou para o corredor da Vitória, após 35 anos de nascido e criado no bairro onde o remo brilhou em décadas passadas. Tomou a decisão devido à morte de dona Noélia Saraiva. “Depois que minha mulher morreu, meu único e verdadeiro amor, eu mudei para o Corredor da Vitória”, declara, explicando porque deixou o bairro onde teve o privilégio de acompanhar a época de ouro do remo baiano e nacional.
Furos jornalísticos – Aposentado pelo Tribunal de Justiça da Bahia, há cerca de 13 anos, quando era ligado à assessoria de imprensa do órgão, Saraiva marcou presença com os vários furos jornalísticos. Fez história nos 16 anos de rádio Excelsior (anos 1950), cinco anos na Cruzeiro (1960), oito na Sociedade da Bahia e quatro na Cultura (anos 1980). Com o tal rádio alemão, ganhou destaque permanente, ao ouvir em primeira mão notícias de várias partes do planeta e do Brasil. Presente dado pelo pai a Gabriel Saraiva que acabaria se tornando famoso rádio-escuta, noticiando jogos da Copa do Mundo de 1950 em diante.
“As rádios da Europa noticiavam cinco horas a menos do que aqui no Brasil. Eu pegava os resultados dos jogos nacionais e internacionais bem antes. Não tinha Internet, nem computador. Quem dava as notícias era eu”, relembra o ex-rádio-escuta, conhecido por professor Saraiva, que também atuou lecionando para alunos do primeiro grau. Ele conta que os telefones das rádios em que trabalhou ficavam ligados diretamente com o de sua residência. “Só eu tinha o rádio, mais ou menos do tamanho de um piano e de longo alcance. Com 12 faixas eu pegava emissoras de todo mundo e dava a notícia no mesmo dia”, resgata.
As alegrias do remo estão na memória do ex-rádio-escuta. Principalmente na década de 1940, quando Santa Cruz reinava no remo, contra os adversários São Salvador, Vitória e Itapagipe. “A Federação dos Clubes de Regatas da Bahia contratava quatro navios e colocava neles as bandeiras de cada participante. A gente sabia quem tinha vencido o páreo com o apito do navio que tinha a bandeira do clube”, relembrou Saraiva. Os navios atracavam no Porto dos Tainheiros munidos de comida e orquestra para as danças e festa após as concorridas regatas.
Vinham autoridades e dezenas de pessoas de todas as partes da cidade. Na época eram 15 páreos e não os atuais dez, como está marcado para a última etapa de domingo (23.11), a partir das 10 horas. “Começava pela manhã, cedo, e só terminava lá para às 17 horas. No domingo, em dia de regata, o futebol ficava em segundo plano”, observou o professor Saraiva. A memória não recorda com precisão alguns resultados, mas ainda registra os principais nomes do remo da antiga. “Os irmãos Cosenza, Humberto, Eduardo, Aníbal e Walquírio, do Santa Cruz, eram os melhores na década de 1940”, referenda, citando também Mário Brito, no double skiff (barco com dois remadores).
Figura folclórica e andarilha, o professor é conhecido na cidade. Especialmente pelo terno usado diariamente e as gravatas com as quais circula pelas ruas e redações dos jornais, seu ex-ofício. “São baratas. Eu faço sob encomenda, de um cliente no Comércio”, revelou, sem dar o preço das peças. Hoje (20.11), dia da entrevista, ostentava uma gravata em que apareciam a figura da mulher e escudos dos clubes de futebol Bahia e Real Madri.
Conforme o dia, coloca outras como a do Botafogo, São Paulo, Boca Juniors e Grêmio. “Sou o maior andarilho da Bahia. Todo mundo me conhece. Quando eu passo nas ruas, me confundem com um sósia do escritor Jorge Amado”, gaba-se.
A fama é ratificada em um artigo do falecido ex-prefeito e radialista, Fernando José, na década de 1990, escrito em A Tarde, na coluna Camisa 10. Na íntegra, o articulista cita que com “os resultados de primeira mão, suas informações eram disputadas por emissoras e jornais do Brasil inteiro”. Ao final, Fernando José faz a pergunta de muita gente: “Ninguém sabe como ele (professor Saraiva) entende russo.
Até hoje Saraiva se diverte com a situação destacada no artigo citado anteriormente. “Poucos acreditaram na goleada do Bahia em cima do Bayern de Munique e no empate do Bahia com o Dínamo de Moscou. No outro dia, iam conferir nas agências noticiosas e viam que eu estava certo”, contou, partindo dessa notícia para generalizar as outras.
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