ENTREVISTA
“Se eu ganho, continua viciante”, diz tenista Patricia Medrado
Patrícia Medrado é uma tenista multicampeã no passado e que continua conquistando títulos no presente. Mesmo após pendurar a raquete, o amor pelo movimento e pela competição estimularam a baiana a seguir participando de campeonatos mundiais, e vencendo. Com 16 títulos mundiais máster, a ex-Top 50 da WTA fala nesta entrevista ao A TARDE sobre carreira profissional, aposentadoria e apresenta sua visão sobre o tênis.
Você começou a pegar na raquete aos 10 anos. Como foi construído esse amor?
No início, o tênis foi mais uma atividade que me agradava. Eu adorava o movimento. Quando era jovem, surfava, andava de bicicleta, jogava futebol, era uma pessoa de muitas atividades. E aí eu descobri o tênis jogando frescobol na praia com minha tia. Aí depois entrei na escolinha e o tênis foi se tornando algo mais sério. Se tornou algo mais sistemático, porque eu tinha professor, horário, aquilo mexe com sua cabeça. Então, foi um amor crescente.
No profissional, você ficou entre as dez melhores duplistas do mundo, foi número 48 em simples, conquistou a prata no Pan de 1975, no México. Como foi para você, uma baiana, conseguir chegar tão longe?
Foi bem difícil. Primeiro porque o tênis é um esporte que sempre foi visto como elitizado, tínhamos somente sete quadras na Bahia, muito pouco. O patrocínio do tênis tinha pouca visibilidade, um quadradinho que se colocava na roupa. Para conseguir algum destaque, você tinha que ir para fora. Os clubes também nunca foram de pagar para um atleta individual, então no início era complicado. A gente se aproveitava de uns intercâmbios aqui em São Paulo, no Rio. Mas quando dependia de verba minha ou da minha equipe, aí não tinha jeito. O clube dava um pouquinho, meu pai dava um pouquinho, uma vez ou outra eu conseguia o apoio de uma empresa. Então, nunca tive uma tranquilidade por um período longo, era um dia após o outro. Mas teve um torneio no Rio, eu devia ter uns 15 anos, ganhei da melhor jogadora do Brasil e perdi na final. Um empresário me viu. Aí, surgiu a oportunidade de eu ir para Miami e nem voltei mais para Salvador.
Quando virou a chave de que estava tendo resultados expressivos e que poderia ter uma carreira de sucesso?
Você vai se preparando para o próximo torneio. A rotina de treinamento é sempre buscando o melhor e aí vamos sempre almejando um pouco mais. Você tá no top 150, quer estar no top 100, chega no 100, quer continuar evoluindo. São metas baseadas nos seus resultados. Todo ano eu jogava o mesmo Circuito, e eu ia bem nesse Circuito. E isso me dava o direito de ir para o grande Circuito, com as 16 melhores do mundo. Mas chegava lá e você só via fera. Era época de Martina Navratilova, Billie Jean King, Chris Evert. Eu sabia que entrar entre as 16 era difícil, mas naquele bolo ali das ‘mortais’ eu brigava.
Em Wimbledon, você chegou às quartas em 1982 e venceu a lenda Billie Jean, diversas vezes top 1 do mundo, nas duplas. Como foi aquilo?
Com a Billie foi incrível. Não era o auge dela, vamos deixar claro. Mas a grama era o melhor piso dela e era o meu pior piso. Foi uma surpresa enorme ganhar dela, ninguém acreditou, mas Cláudia Monteiro e eu nos dávamos muito bem em dupla, chegamos a nos classificar como a nona do mundo. Nós tivemos um match point contra, e eu dei um lob top spin (bola de cobertura com efeito), a bola bateu na linha, foi um jogo dramático. Depois, perdemos nas quartas da dupla da Martina (Navratilova). Elas eram campeões absolutas, na época áurea da Martina. Mas foi super importante, isso consolidou a gente, ganhamos vários pontos para o ranking e foi um resultado que ficou para a história, na grama sagrada.
Como foi lidar com o fim da carreira? Até hoje você compete e leva a sério. É saudade?
Saudade nenhuma, foi um processo muito natural. Tem um momento que você precisa parar, é algo que você vai amadurecendo. Eu gostava do Circuito, mas chegou um momento em que comecei a perder o interesse nos treinos e tudo mais. A vontade de fazer outra coisa, porque era muito tempo se dedicando, um esforço físico enorme. É uma vida muito resignada. Eu joguei meu último torneio, que é o que hoje chamam de Miami Open, eu nunca me arrependi. Foi uma decisão elaborada, o que é até negativo, porque a partir do momento que você decide isso, perde um pouco do que você precisa para ganhar jogo, que é sangue nos olhos. Mas parei com muita tranquilidade, já tinha tudo engatilhado do que iria fazer a seguir. Tinha um convite de um empresário de uma rede de academia de São Paulo, então criamos o projeto Patrícia Medrado.
Como são esses torneios máster que você disputa agora?
Muito interessante. É um campeonato mundial, você revê muita gente que jogou na sua época, todo tipo de público. E eu gosto muito de viagens. Aí eu já fazia roteiros baseados nisso. Teve um ano que foi na África do Sul, aí eu já queria conhecer lá. Então joga o torneio por uma semana e passava o resto do mês na África do sul. Mas aí o evento foi ficando mais sério, eu fui ganhando. Agora estou entrando de novo em uma mentalidade mais profissional, com 65 anos, parece que estou voltando com a mentalidade de uma atleta. Se eu ganho, continua sendo viciante (risos).
Na semana passada, você foi homenageada pela Associação Atlética da Bahia, seu primeiro clube de tênis. Como foi?
Foi lindo, eu me sinto reconhecida, orgulhosa da minha carreira e dá uma sensação boa de saber que de alguma forma você contribuiu para algo. Tenho certeza que devo ter influenciado a geração seguinte à minha. O esporte também vive de ídolos e bons exemplos. A homenagem foi muito linda. A Associação Atlético foi meu primeiro clube, então tenho um carinho enorme por eles. Foi lá que bati minha primeira bola, que tive a base do meu jogo. Meus amigos vêm de lá. Essa ainda foi especial porque teve a surpresa de ter minha placa ao lado dos imortais, Evaldo e Pedro (Silva), que foram meus professores.
No último domingo, Bia Haddad foi campeã e quebrou um jejum de 54 anos sem títulos de mulheres brasileiras na grama. Também subiu à 32ª posição no ranking. O que você espera dela?
Ela já está aí há um tempo tentando o seu lugar ao sol, teve problemas, alguns incidentes pessoais também, cirurgias que ela fez. Então, a gente já vem com essa expectativa em cima da Bia há um tempo e estou muito feliz de que ela esteja concretizando isso agora. O que ela fez foi fenomenal, foi de lá de baixo, depois de parar dez meses. É uma jogadora que está jogando bem simples e duplas, espero que o Brasil reconheça a grandiosidade ela. Eu não sei até onde ela vai chegar, porque hoje em dia não há nada previsível. Na minha época, a gente já sabia que só dava Martina e Chris. Agora, o tênis feminino está aberto. Há algumas semanas atrás, ninguém ia dizer que a Iga Swiatek iria dominar o Circuito feminino, ninguém repetia o feito de ganhar um torneio. Eu acho que a Bia pode ir bem mais longe, ela já ganhou duas vezes da Maria Sakkari, e a Sakkari está ali entre as melhores do mundo. Depois, o mais difícil será se manter.
Como você enxerga o nível do tênis feminino atual? Há uma escassez de talentos?
De forma alguma. O tênis feminino evoluiu bastante, todas as jogadoras estão em forma fisicamente e batendo cada vez mais forte. Eu acho que as mulheres estão primando por um estilo de força, você não vê uma variedade muito grande de jogo, mas no fundo você vê super-atletas.
No cenário masculino, temos ainda os veteranos dominando. Por que as novas gerações não conseguem superá-los?
Não conseguem porque as novas gerações são novas (risos), então não sabemos até onde eles podem ir. Eu acredito que um ou outro vai chegar no nível deles, o esporte está ficando mais longevo porque ciências do esporte também têm evoluído. A nutrição, a prevenção, a fisiologia do exercício, então, vão se encontrando forma de aliviar dores. Nadal jogou anestesiado em Roland Garros, quando que isso seria possível no passado? Maria Esther (Bueno) teve uma lesão no cotovelo e jogava à base de cortisona, acabou com o cotovelo dela. Hoje em dia não se faz mais essa loucura, a medicina tem como fazer algo melhor, então isso prolonga a carreira do atleta. E ninguém quer largar o osso, é gostoso jogar na frente de 10, 15 mil pessoas, com o mundo todo te assistindo. Então, não há mais porque parar tão jovem.
Hoje você tem o seu instituto. Como é que é fazer esse trabalho? É outra forma de deixar o seu legado, além do que fez em quadra?
Sem dúvidas. Mas eu comecei até por uma decepção, porque quando eu estava treinando as meninas, era um momento em que o tênis não era tão popular do que é agora. Eu tive academia de 1991 até 2000, não tinha torneio feminino no Brasil e eu não conseguia viajar com as alunas. Então você treina, mas não consegue acompanhar em nenhum torneio, porque o tênis acaba sendo um esporte caro por ser individual. Aí eu me toquei que estava na linha errada. Não era por ali que eu iria conseguir contribuir para o tênis brasileiro. E aí eu vi essa oportunidade de um programa da Federação Internacional de Tênis, de capacitação de professor de educação física para popularização do esporte, e eu descobri o que quero. O Brasil precisa, antes de tudo, conhecer o tênis. Aqui, não temos quadra pública. Sabe por que o tênis é um esporte elitizado? No fundo é porque você não aprende na escola, ou é no clube ou em academia. Aí eu vi essa possibilidade de trazer esse programa que é ensinar o professor de educação física a modalidade de tênis, fazendo doação de material, para que eles ensinem nas aulas dele. Aí a conta fechou, era isso que queria fazer. E daí também abrimos o lado de atendimento direto do instituto, temos nossa própria equipe que atende as crianças, ensinam a jogar, mas não visando alto rendimento, e sim um futuro melhor. Por meio do tênis elas podem adquirir função social, encontrar espaços, tenho vários que trabalham aqui. Eu entendo que, num país com tanta desigualdade como o Brasil, esse é um caminho de ajudar as pessoas a ter um futuro melhor, transformar por meio do esporte.
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