Menu
Pesquisa
Pesquisa
Busca interna do iBahia
HOME > COLUNA DO MANNO
Ouvir Compartilhar no Whatsapp Compartilhar no Facebook Compartilhar no X Compartilhar no Email

COLUNA DO MANNO

Dona Martha, com carinho

Por Músico l [email protected]

06/10/2016 - 18:58 h
Bahia x Criciúma
Bahia x Criciúma -

Quando eu ouço falar em Tupi, eu me lembro logo de dona Martha, cozinheira amorosa e magrela - que sofria, tadinha, de horríveis crises de prisão de ventre, o que obrigava meu pai a levá-la com pressa, muitas vezes, ao hospital, durante madrugadas chuvosas, para que lhe fosse feita uma lavagem intestinal, que lhe deixava constrangida e envergonhada, porém aliviada do seu triste tormento, melhorando seu humor e disposição no dia seguinte.

Dona Martha me fazia panquecas - até hoje guardo com carinho no paladar o sabor temperado recheado de amor - e sopas de letrinhas, quando ela brincava de formar palavras com as massinhas em forma de letra para me distrair, enquanto eu insistia em virar o rosto, como muitas crianças fazem para fugir da janta, à espera dos doces ou guloseimas menos nutritivos e saudáveis, porém muito mais saborosos. Com sua imensa paciência e gentileza, dona Martha, analfabeta que era, assim como eu, fazia com que qualquer reunião de letrinhas de massinha de sopa virasse uma palavra bonita. Na beira do prato fundo as letras "X", "Y", "T" e "Z" viravam, juntas, para Dona Martha e para mim, a palavra "mamãe". Era a senha para que eu aceitasse mais uma colherada da sopa, esperando a seguinte, cujas letras "U", "G", "H" e "K" viravam "papai".

Lá na casa em que morávamos na Pituba, nos tempos das sopas e prisão de ventre de Dona Martha, gostávamos de ficar, eu, meus irmãos e primos, deitados estendidos no chão da sala, sem camisas e compromissos, entretidos e felizes, assistindo atentos às perseguições sem sucesso de Tom contra o astuto Jerry. Ríamos das travessuras e esperteza de Jerry e até nos compadecíamos um pouco do pobre do Tom. Mas era no intervalo do desenho na TV, cujas propagandas incríveis de Falcon e autoramas nos enchiam os olhos e desejos de consumo, que a musiquinha dos "biscoitos Tupi, melhores eu nunca vi" tocava e nos fazia correr para a cozinha famintos, pedindo para dona Martha preparar um lanche, que sempre vinha numa bandejinha de plástico lotada de biscoitos e suco de uva Tang. O cheiro da casa grande em que morávamos e brincávamos de esconde-esconde, picula e pula-pirata ainda ocupa minhas memórias, assim como os sabores dos lanches e sopas de letrinhas de Dona Martha.

O Bahia enfrenta o Tupi na próxima partida com a obrigação de vencer para sonhar ainda com o acesso. A derrota para o Londrina jogou para esta partida uma responsabilidade imensa ao esquadrão tricolor. O que nos faz refletir que, para voltarmos a estar entre os grandes, precisamos vencer o quase desconhecido Tupi. Nessas conexões interessantes e inesperadas que nossas mentes criam, este jogo só faz me lembrar da musiquinha pegajosa dos biscoitos Tupi e do rosto gentil, negro e amoroso, enfeitado de ternura e carinho de Dona Martha.

Dona Martha era Bahia. Trabalhou lá em casa até o dia de sua morte, já velhinha, perto dos seus oitenta anos. Dia em que vi nos olhos de meu pai a tristeza sincera que só a gratidão e o respeito trazem.

Caso estivesse viva, estaria perto de completar cento e dez anos. Mas, certamente, em algum lugar no céu, Dona Martha deve estar orgulhosa vendo suas crianças crescidas e felizes. E em algum prato celestial de sopa de letrinhas, ela certamente estará juntando letras desconexas, feliz da vida, juntando "X" com "Z", "R" com "A" e ensinando a algum anjo que se recusa a jantar que ali está escrito "Bora, Baêa, minha porra". Com seu sorriso quase sem dente e seu olhar embranquecido de catarata e de mãe preta inesquecível.

Compartilhe essa notícia com seus amigos

Compartilhar no Email Compartilhar no X Compartilhar no Facebook Compartilhar no Whatsapp

Siga nossas redes

Siga nossas redes

Publicações Relacionadas