MUITO
A bênção
Franklin Carvalho*
Por Franklin Carvalho*
— A benção, meu avô.
— Deus lhe abençoe. Quem é?
— Lembra não? Sou caçula da Germina, da Serra Branca.
— Da sua mãe, lembro sim. Tempo que ela não aparece aqui. Mais uma iludida pelo meu filho Horácio. O sujeito faz meninos por toda parte, depois despreza.
— Vim falar dele não. Nem considero meu pai. Nunca nos deu um fósforo.
— Que quer, então? Não posso criar filho dos outros.
— Olha direito pra mim… Já sou um homem-feito, 16 anos. Vim pedir nada. Sossegue com seu dinheiro e suas posses.
— Mas não quero que falem mal de mim, também, não. Todo dia é pra começar um testamento, mas esqueço. A memória fraca, a vista curta. Porém, quando eu descansar, deixo um pedaço para cada um. Por enquanto, tudo o que tenho me é necessário.
— Busco só a benção, mesmo. Parto amanhã, para a romaria de Nossa Senhora das Candeias. A festa acontece no dia 2 de fevereiro. Vou pagar promessa na fonte milagrosa, pela cura de um cobreiro que deu nos braços de mãe. De lá, sigo para Salvador. Vou procurar o povo de santo de Joãozinho da Gomeia, na capital. Vejo sinais nos meus sonhos, gente de branco fala comigo toda noite.
— Cuidado nessas léguas grandes até a cidade de Candeias, que a estrada é deserta. Conheci um sujeito que foi a pé, sozinho, e ninguém mais soube dele, o caminho engoliu.
— Pode deixar. Olha, vim na verdade porque também recebi um aviso sobre o senhor, que é para o senhor se cuidar, há gente que lhe deseja mal e morte, por sede de herança. Tive visões de escorpiões.
— Imagino, meu jovem. Imagino e vigio tudo. Mas velho tem couraça de lobo, mal não atinge. As sobrancelhas trovejam e espantam os covardes. Quer ajuda para a viagem?
— Melhor não. Dinheiro atrapalha a penitência.
— Então, que Nossa Senhora te guie neste fim de verão, e sempre. Como é mesmo o seu nome?
— É Cosme. Igual ao seu, meu avô.
— Peça à santa que olhe por nós. Que te dê família onde for morar. Céu é isso.
— Amém, meu avô, adeus. Jesus Cristo nos abençoe.
— Amém, Cosme, amém.
*Escritor, autor de Tesserato – A tempestade a caminho (Ed. Noir)
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