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05/03/2022 às 19:26 - há XX semanas | Autor: Vinícius Marques

ABRE ASPAS

“A capoeira vem se transformando”, diz Mestra Janja

Mestra Janja é uma das maiores referências nos estudos sobre a Capoeira Angola no mundo

No início dos anos 1980, Rosângela Costa Araújo, a Mestra Janja, encontrou no Grupo de Capoeira Angola Pelourinho - GCAP, em Salvador, dirigido por Mestre Moraes, o que viria a ser seu objeto de dedicação até os dias de hoje. Fundadora do Instituto Nzinga de Estudos da Capoeira Angola e Tradições Educativas Bantu no Brasil, Mestra Janja é uma das maiores referências nos estudos sobre a Capoeira Angola no mundo. Neste semestre, completam-se 40 anos de sua iniciação na capoeira, e no próximo dia 8, Dia da Mulher, 27 anos do Grupo Nzinga de Capoeira Angola. Historiadora, ela também é mestra e doutora em Educação, além de ter em seu currículo um pós-doutorado em Ciências Sociais. Professora do Departamento de Estudos de Gênero e Feminismo da Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas da Universidade Federal da Bahia, Janja dedica sua pesquisa aos estudos sobre gênero, raça, cultura e desenvolvimento, com foco sobre a capoeira e religiões de matrizes africanas. Nesta entrevista, a mestra e educadora reflete sobre o espaço da mulher na capoeira atualmente, os debates sobre a modernização da atividade e revela os projetos para 2022.

Quando a senhora decidiu iniciar seus estudos sobre mulheres nos contextos das culturas tradicionais e populares de matrizes africanas?

Foi quando eu estava numa interface entre a produção de pesquisa acadêmica e produção do artivismo dentro da capoeira. Por ser praticamente da primeira geração de mulheres dentro da Capoeira Angola recente, já nos anos 1980, mais especificamente em 1982, a gente já refletia isso num conjunto mais amplo das organizações negras e culturais de Salvador. Eu poderia dizer que esse é um tema que me acompanha tanto na minha formação de capoeirista quanto na minha formação acadêmica.

E em qual momento surge o Instituto Nzinga de Estudos da Capoeira Angola e Tradições Educativas Bantu no Brasil?

Ele surge em 1995 e é fundado na cidade de São Paulo, porque foi quando me mudei para aquela cidade para fazer pós-graduação. Sou graduada em história, pela Universidade Federal da Bahia, e depois fui fazer mestrado e doutorado na Universidade do Estado de São Paulo, na área de educação. Lá, eu trabalhava também produzindo um estudo de mestrado, uma dissertação, e depois uma tese de doutorado também sobre capoeira. Em 1995, surgiu o Instituto Nzinga, que vai ganhar identidade institucional a partir de 2002, como Instituto Nzinga de Estudos da Capoeira Angola e Tradições Educativas Bantu no Brasil, uma organização comprometida com a prática e a pesquisa da capoeira, tomando como contexto a linhagem do Mestre Pastinha, e como instrumento de luta antirracista, antissexista, enfim, pautado na justiça social.

Já são mais de duas décadas do grupo Nzinga. Nesse tempo, como a capoeira se transformou? Qual o cenário atual?

No dia 8 de março completamos 27 anos. Esse é um trabalho que tem esse desafio numa dimensão transnacional. É um grupo que tem núcleo em 14 países e também nesses países buscamos integrar a capoeira a esse contexto de promoção de direitos, descolonização dos nossos próprios saberes. A capoeira vem se transformando. Eu começo na capoeira num momento em que ela é extremamente marginalizada, estigmatizada, e depois a vejo se inserir num contexto de mundialização em torno do qual, obviamente, se estabelece uma economia. E uma economia dentro de sociedades capitalistas também tem um contexto de formação de mercado. Então, obviamente, hoje a gente vive alguns desafios frente a isso, como por exemplo as várias disputas de narrativas no interior da capoeira, sendo uma delas a de transformar a capoeira em esporte de alto rendimento ou mesmo o enfrentamento àquilo que hoje também surge no contexto da capoeira, que é a chamada ‘Capoeira do Senhor’, ‘Capoeira Gospel’, enfim... É uma formação permanentemente conectada com seu entorno.

Fale um pouco sobre a Capoeira do Senhor, não conhecia...

Já tem um tempinho que vem sendo criada, como estratégias de evangelização, a apropriação das culturas africanas, de modo geral, para tal finalidade. A capoeira, obviamente, não escapou disso. Você tem o início de um movimento dessa ‘Capoeira Gospel', que vai acontecer, se não me engano, também a partir dos anos 1990 em Brasília, principalmente, e que hoje ganha grande força no resto do Brasil também. É uma capoeira cuja finalidade é essa, da evangelização. E para tal, alguns elementos da capoeira são eliminados, desde a presença de alguns instrumentos até as narrativas que compõem nosso acervo tradicional, que são de alguma forma transformadas em instrumentos de pregação, como versões.

Existe um debate sobre a origem da capoeira e uma "modernização" da atividade. Seus estudos são focados na Capoeira Angola, diferente da Capoeira Regional, certo? Esse debate é uma tentativa de ir contra o tradicional?

Não. Esse debate tem como objetivo que a compreensão da capoeira na história dos negros e da resistência negra no Brasil não se apague, de que isso não seja retirado da capoeira para que ela atinja suas finalidades desportivas. Ela compõe, na realidade, um esforço muito mais amplo de praticantes de capoeira, de intelectuais, de ativistas antirracistas no Brasil, que é desnaturalizar a condição do escravo e ver que as pessoas que foram escravizadas trouxeram para o Brasil elementos que hoje são tomados no contexto da própria identidade nacional, não apenas a capoeira, mas o samba... E que embora isso seja algo extremamente benéfico a essa formação da identidade brasileira, as pessoas negras são ainda posicionadas de maneira subjugadas no contexto dessas práticas e, portanto, é necessário que a gente não perca de vista esses referenciais históricos da capoeira. De alguma forma, é negar aquilo que fez o próprio movimento de folclorização dos saberes africanos no Brasil. A folclorização passa por um processo de tornar ingênua essas práticas, descontextualizar sua potência transformadora, ruidosa, seus vínculos com um projeto outro de sociedade.

Como a senhora associa seu trabalho na capoeira com o seu trabalho na academia?

Tenho uma formação acadêmica que transita entre a história e as ciências sociais, e tenho toda uma história profissional vinculada aos estudos sobre cultura negra, identidade negra, racismo, raça, antirracismo. Quando passo a integrar o departamento de Estudos de Gênero e Feminismo da Universidade Federal da Bahia, que é um departamento novo, antes disso nós estávamos vinculados com o bacharelado de Estudos de Gênero e Diversidade ao departamento de Ciência Política. Nós estruturamos, portanto, nosso departamento a partir de quatro grandes áreas, e estou vinculada especificamente a duas áreas que trabalham com gênero, Alteridade e Desigualdades e também Gêneros, Arte e Cultura. Então, dentro do meu trabalho com a universidade, não existe hoje grande estranhamento porque existe uma crescente mundial na produção de pesquisas acadêmicas sobre capoeira e eu poderia dizer, sem nenhum medo de errar, que o tema das relações de gênero não é apenas um tema hoje muito forte nos estudos da capoeira, mas das ciências sociais de um modo geral. De alguma forma, meu trabalho se coloca à disposição desse momento, dessa efervescência, dessa pungência, na produção do conhecimento sobre as mulheres nos lugares onde até então foram invisibilizadas.

A capoeira ainda é considerada por muitos um espaço tradicionalmente masculino. A senhora, como uma mestra capoeirista e estudiosa do assunto, acredita que avançamos nesse aspecto?

Diria que sim. Não daria para negar isso porque temos conquistas significativas. Hoje nós temos uma ruptura com os isolamentos que vivíamos dentro dos nossos grupos. Então, as mulheres, hoje, em sua grande maioria, no interior da capoeiragem, elas estão associadas a grandes coletivos de mulheres capoeiristas. Nós atuamos de maneira articulada, nós atuamos de maneira a promover a formação das mulheres capoeiristas sobre as relações de gênero no interior da capoeira e, a partir de um tempo largo que vivenciamos nos anos 1980 em diante, das denúncias das formas de subjugação das mulheres na capoeira. Hoje já podemos dizer que temos a felicidade de ver um número significativo de mulheres alcançarem a posição de mestras, algumas alcançarem essa condição com máxima autonomia, ou seja, se tornarem mestras sem estar numa condição de dependência dentro de um grupo liderado por homens. E é muito importante isso porque é a partir da luta das mulheres também que outros grupos organizados também passam a trazer suas reivindicações para o interior da capoeira, como é o caso de pessoas LGBT, que também hoje se organizam no interior da capoeira através de coletivos, realizações de eventos, congressos e conferências. No nosso caso, enquanto mulheres, estamos fazendo isso há quase 30 anos. Eventos em vários países, em várias cidades brasileiras, nós utilizamos largamente as redes sociais criando grupos fechados, específicos, de mulheres, mestras e contramestras, de capoeiristas e de todos os lugares. Rompendo, inclusive, com essa segmentação entre os estilos – de um lado o povo da Angola, do outro lado a regional, do outro a contemporânea. Acho que essa pauta unificou todas as mulheres para além do estilo.

A senhora mencionou que no próximo dia 8 de março, Dia da Mulher, o Nzinga completa 27 anos. Quais são os projetos do grupo para 2022?

Esse ano completo 40 anos de iniciada na capoeira e nosso grupo 27 anos. Um dos projetos vem sendo organizado pelo grupo LGBT do Nzinga. Por ser um grupo com trabalhos desenvolvidos em vários lugares do mundo, no seu interior tem os coletivos específicos. Temos os coletivos de mulheres, um antirracista, um LGBT, um de estudos de masculinidades, enfim... Um dos projetos desse ano vem com a realização do segundo encontro de capoeiristas LGBT, o primeiro tendo acontecido em Buenos Aires (Argentina). Temos uma mesa aprovada para realização no 11º Chamado de Mulher, na cidade de Maputo, no contexto do 14º Encontro Mundial de Mulheres, que é um encontro que reúne acadêmicas, ativistas, artistas, feministas de todo o mundo, mas, na realidade, nosso maior desafio esse ano é, exatamente, guarnecer. Guarnecer que é tirar as pessoas de casa, reestabelecer suas rotinas de treinamento dentro da capoeira, que é o que estamos voltando a fazer agora, apesar de a gente não ter parado. Mas sair dessa dinâmica da virtualidade e voltar, discutir isso dentro de dinâmicas que envolvem o autocuidado como projeto coletivo são alguns dos nossos desafios. Também queremos gravar, se possível ainda nesse ano, mais um dos nossos trabalhos fonográficos, mais um CD, dessa vez exclusivo de mulheres.

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