Menu
Pesquisa
Pesquisa
Busca interna do iBahia
HOME > MUITO
Ouvir Compartilhar no Whatsapp Compartilhar no Facebook Compartilhar no X Compartilhar no Email

MUITO

A captura da atmosfera

Aproximações do interesse pela luz e seus efeitos em artistas baianos

Por Luiz Freire

26/09/2022 - 6:00 h
Projeto"O céu nosso de cada dia", de Ligia Aguiar
Projeto"O céu nosso de cada dia", de Ligia Aguiar

Olhar para cima, para o céu, a luz e as nuvens; imaginar os seres que nele vivem, temer as forças que dele emanam e esperar os benefícios parece ter iniciado nos mais longínquos tempos da história humana. Os xamãs artistas tiveram papel significativo nessa relação, continuada por artistas de várias localidades, em diversos tempos.Diariamente, desde 2018, a artista Ligia Aguiar, soteropolitana, cuja carreira iniciou em finais da década de 1970, faz postagens de quatro imagens digitais, selecionadas dentre muitas, na sua página do Facebook, aberta ao público, com cerca de 3000 seguidores.As imagens são capturas da abóbada celeste tomadas frequentemente entre o meio e o final da tarde, quando o sol vai encerrando o dia e tinge de tons amarelados, vermelhos e violáceos as nuvens, iluminando-as por trás e ultrapassando suas brechas, mas o interesse da artista não se manifesta apenas nos espetaculares crepúsculos, e sim na atmosfera dos dias chuvosos e suas tonalidades cinzentas. A esse projeto a artista denomina: O céu nosso de cada dia.Os diários do céu feitos por Ligia tornaram-se possíveis graças ao avanço da câmera fotográfica acoplada aos aparelhos de telefones celulares, tão aprimoradas que têm causado impacto negativo na venda das câmeras digitais profissionais e semi-profissionais.

A ação é também possibilitada pelas amplas janelas existentes no apartamento em que mora. Entretanto, o interesse da artista por esses registros inclui uma interação espiritual com os mistérios do céu, mesmo em tempos de viagens interplanetárias.As imagens capturadas sob o recorte pessoal são tratadas através de programas específicos, apenas na graduação de luz, e o recorte é sutilmente alterado pela intencionalidade da artista, mediada pelas projeções da sensibilidade e as imanações espirituais. Vê formas nas nuvens, repetindo os jogos infantis e os testes de Rorschach, marcando a sua relação mítica entre os dois planos, conferindo sentidos. As postagens costumam ser associadas a poemas de autores famosos, nacionais, locais e da própria autoria.

A fotógrafa não pensa em imprimir as imagens, nem comercializá-las, planeja realizar uma exposição conceitual e continuar os registros. Procedimento próximo foi realizado pelo artista e professor da Eba/Ufba, Eriel Araujo. Por todo o ano de 2003 fotografou com uma câmara descartável a vista da Baía de Todos-os-Santos, nas primeiras horas da manhã, a partir de um ponto fixo, diante da janela do apartamento que habitava em Salvador, no bairro Dois de Julho.Em Baía, Bahia dia a dia de Todos-os-Santos, as fotografias, ampliadas no tamanho 10x15, foram encerradas em 365 pequenas caixas de vidro, medindo 11 x 16 x 2,5 cm, juntamente com água coletada pelo artista na Baía que registrou, formando pequenos aquários, nos quais o limite da água coincidia com a linha do horizonte de cada fotografia.Nos dias de ausência do artista, impossíveis de efetuar os registros, as caixas foram preenchidas apenas com a água marinha. O processo continuou com uma instalação constante dos 365 “aquários”, correspondentes aos 365 dias do ano de 2003, fixados na parede da galeria e justapostos em filas horizontais e verticais.

Instalação "Baía, Bahia dia a dia de Todos-os-Santos", de Eriel Araujo
Instalação "Baía, Bahia dia a dia de Todos-os-Santos", de Eriel Araujo | Foto: Eriel Araujo | Divulgação

Durante o tempo em que a instalação ficou exposta, a interação entre a água que evaporava e condensava, e as fotografias, promovia mutações de aparência, num embate diário com a permanência.Uma poética construída a partir da persistência, do registro da paisagem natural e histórica, da mutação atmosférica imposta pelo tempo e a luz, a associação entre registro do continente associado ao conteúdo para promover reações e incessantes transformações.

O gozo do fruidor se assentou no conhecimento do processo originário, na visão do devir e na reflexão sobre a impermanência das coisas e da vida. A obra foi distinguida com o prêmio aquisição no 10º Salão da Bahia (2033-2004) do Museu de Arte Moderna da Bahia.

Pintores franceses dos finais do século 19 interessaram-se pela fixação dos efeitos fugidios da luz sobre a paisagem, os “impressionistas” valeram-se dos avanços tecnológicos e científicos (fotografia, leis óticas, locomotiva e teorias da cor) desenvolvendo métodos diferentes da tradição da pintura europeia, justapondo pinceladas curtas, nas cores que saiam dos tubos, com a rapidez necessária para a captura da impressão fugidia impressa pela luz na paisagem.

Monet radicalizou pintando a Catedral de Rouen em várias horas do dia, demonstrando aparências diferentes, embora o edifício continuasse o mesmo.Manoel Lopes Rodrigues, Presciliano Silva, Alberto Valença, Mendonça Filho, entre outros, interpretaram o modo de pintar impressionista, mantendo o gosto pela representação da paisagem e das visualidades promovidas pela luz. Praticaram a pintura ao ar livre, mas continuavam o trabalho no atelier, como bem observou Anderson Marinho. A essa interpretação do movimento, o historiador da arte Clarival do Prado Valadares denominou “impressionismo caboclo”.Esse impressionismo não deixou de produzir novidades na Bahia, nas quatro primeiras décadas do século 20. Representaram, pela primeira vez, a paisagem soteropolitana e arredores da Ilha de Itaparica; a arquitetura e o urbanismo, destacando o patrimônio histórico, divulgado nos cartões-postais e que ainda hoje atrai os naturais e visitantes. Inovaram mimetizando as cores e a luz da cidade, cujo solejamento se compara ao de Atenas.

Alberto Valença, em especial, tinha fixação na luz da manhã e do final da tarde, não lhe interessava o sol a pino, suas pinceladas não chegavam a ser atômicas, se distanciavam, porém, da técnica acadêmica. Ao pintar marinhas atentava ao céu, ao mar, à areia da praia, pedras, vegetação e sobretudo a atmosfera.Pintou também o casario através das janelas, ficando conhecido como pintor janeleiro, conforme constatou Vera Spínola. Suas obras, assim como a dos demais, podem ser vistas no acervo do Museu de Arte da Bahia e no Museu Carlos Costa Pinto.As manifestações artísticas aqui analisadas, distantes muito ou pouco no tempo, aproximam-se em alguns aspectos, diferenciando-se nas intenções, tecnologias, conceitos e linguagens. Confirmam o constante interesse pela luz e seus efeitos sobre a natureza.

São Lázaro (1928), de Alberto Valença, no Museu Carlos Costa Pinto
São Lázaro (1928), de Alberto Valença, no Museu Carlos Costa Pinto | Foto: Divulgação

Compartilhe essa notícia com seus amigos

Compartilhar no Email Compartilhar no X Compartilhar no Facebook Compartilhar no Whatsapp

Siga nossas redes

Siga nossas redes

Publicações Relacionadas

A tarde play
Projeto"O céu nosso de cada dia", de Ligia Aguiar
Play

Filme sobre o artista visual e cineasta Chico Liberato estreia

Projeto"O céu nosso de cada dia", de Ligia Aguiar
Play

A vitrine dos festivais de música para artistas baianos

Projeto"O céu nosso de cada dia", de Ligia Aguiar
Play

Estreia do A TARDE Talks dinamiza produções do A TARDE Play

Projeto"O céu nosso de cada dia", de Ligia Aguiar
Play

Rir ou não rir: como a pandemia afeta artistas que trabalham com o humor

x