PLURAL
A comunicação como arma contra o racismo
Daniela Castro*
Por Daniela Castro*

Atire a primeira pedra quem nunca usou uma expressão de cunho racista para se referir a algo negativo ou até mesmo para debochar de alguém. Pode ser constrangedor, mas é difícil escapar da constatação de que a maioria de nós já fez isso. Afinal, o racismo está no DNA da formação brasileira e estranho seria se essa herança não marcasse também as formas de expressão. Mas o tempo mostra que é possível – e preciso – evoluir na direção de uma sociedade menos desigual e a forma como nos comunicamos é um motor importante para fazer essa engrenagem girar.
Foi por acreditar nisso que a baiana Midiã Noelle transformou sua experiência como mulher negra de origem periférica e jornalista em matéria-prima para o livro Comunicação antirracista: um guia para se comunicar com todas as pessoas, em todos os lugares. A publicação, que leva o selo da editora Planeta, já está em pré-venda em lojas on-line e poderá ser encontrada nas prateleiras físicas a partir de amanhã. Depois de passar por São Paulo e Brasília, o evento de lançamento chega a Salvador dia 5, às 15h, na livraria LDM do Vitória Boulevard.
A leitura da obra me causou a mesma impressão de quando falei com a autora, por telefone, numa manhã de sábado. Ela escreve em primeira pessoa, em tom confessional, como quem conversa cara a cara. Ao longo de oito capítulos, costura a análise das relações entre racismo estrutural e mídia com uma narrativa que destaca o legado da família e situações corriqueiras fáceis de reconhecer, como os ajustes na aparência e no comportamento aos quais se submeteu antes de “cair a ficha” da consciência racial. “O racismo é muito sorrateiro. Às vezes a gente não percebe que está se moldando”, reconhece.
Embora o foco da análise seja a imprensa, o livro faz um chamamento para que cada pessoa assuma a missão de combater o racismo na comunicação cotidiana. Para isso, a autora traça diretrizes conceituais baseadas em ressignificação, interação e demarcação e apresenta caminhos práticos possíveis a partir de uma visão anticapacitista, antipunitivista e antiproibicionista. “É um compromisso ético e político. Todo mundo tem o dever de promover direitos e respeito às pessoas”, defende. “Muita gente faz uma interpretação equivocada de ‘lugar de fala’ para se eximir de responsabilidade. Mas é possível fazer uma reflexão e agir a partir de sua vivência”, completa, em alusão ao conceito elaborado pela filósofa Djamila Ribeiro.
Uma referência ainda mais marcante é Milton Santos, de quem evoca a ideia de territorialidade. “O território é onde tudo desemboca. Reconhecer que fazemos parte, ou não, ajuda a entender quem a gente é na ocupação dos espaços sociais e influencia o olhar de quem nos enxerga”, diz Midiã, que tem orgulho de dizer que estudou na mesma escola onde o geógrafo foi aluno, no bairro da Liberdade. Ela também deve a ele a inspiração para um certo jeito de corpo que precisou adquirir para transitar por alguns ambientes.
“Sou uma mulher preta de 1,80. Eu não tenho passabilidade. As pessoas ainda me vêem com desconfiança, como se não fosse legítimo eu estar nos espaços que ocupo. Trabalhei para a ONU e, quando eu dizia isso, achavam que tinham entendido errado porque não admitiam a possibilidade de eu estar na Organização das Nações Unidas. Tinha gente que perguntava até se era OMO, o sabão em pó”, relata a jornalista, que já atuou também como repórter e foi selecionada para elaborar o Plano de Comunicação pela Igualdade Racial do Governo Federal. Em abril, ela já está com viagem marcada para Nova York, onde participa de uma mesa sobre comunicação antirracista.
Serviço
Título: Comunicação antirracista: Um guia para se comunicar com todas as pessoas, em todos os lugares
Autora: Midiã Noelle
Editora: Planeta (www.planetadelivros.com.br)
Preço: R$ 56,90
*Daniela Castro é jornalista, mestra em Cultura e Sociedade e criadora da Inclusive Comunicação. Ela assina a coluna Plural sempre no último domingo do mês.
Dicas plurais
Evento: Nos dias 10 e 11 de abril, o 'Fórum 50+: Longevidade Ativa, Produtiva e de Valor' reúne especialistas para debater questões relacionadas a inclusão, empregabilidade, empreendedorismo e diversidade etária. O evento acontece na FIEB (Federação das Indústrias do Estado da Bahia) e as inscrições podem ser feitas via Sympla.
Bolsas: A Faculdade Baiana de Direito e Gestão promove mais uma edição do Programa de Bolsas Étnico-Raciais, que reserva cinco bolsas integrais para o curso de Direito no turno matutino. As inscrições são gratuitas e podem ser realizadas até o dia 5 de maio, no site da instituição.
Pós-graduação: A Estácio oferece um MBA em Gestão de Pessoas com Ênfase em Diversidade e Inclusão, com aulas remotas e duração de um ano e carga horária de 360 horas. No site da universidade, estão disponíveis detalhes da grade curricular e orientações para matrícula.
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