MUITO
A dignidade do olhar nas fotografias de Tacun Lecy
Por Maria Clara Andrade*

“Eu consigo enxergar mais cores no preto e branco, mais vida no preto e branco”, diz Tacun Lecy. Desde 2009, ele passou a fotografar profissionalmente, tendo como foco quilombos e terreiros de candomblé. Por vezes, quando está com a câmera em mãos, ao visualizar uma cena em sua mente as cores são retiradas de imediato.
Mas ele também busca considerar o que as cores podem representar para aquele espaço que está sendo representado na fotografia. A princípio, todas as fotografias referentes ao candomblé seriam preto e branco.
“Eu queria fazer fotografias que não prendessem tanto as pessoas à temporalidade delas. Entendo que o nosso tempo como humanos é diferente do tempo do orixá”, explica.
Já nos quilombos, suas fotografias costumam ser coloridas, porque as cores acabam tendo grande relevância nas histórias daquelas culturas e comunidades. Saber fazer essas escolhas é essencial para que o trabalho dele, como fotodocumentarista, não perca a intensidade.
Embora em seu registro de nascimento conste o nome Daniel Santiago, a mudança para Tacun Lecy veio por uma escolha de seu Orixá, também em 2009. Foi o seu renascimento, como costuma dizer. Ao se apresentar, faz questão de inserir a sua família: pai de Larissa e Dener, avô de Dener Júnior e filho de Tomás e Gildete.
Pela influência dos dois últimos, que colecionavam discos de vinil, foi que ele passou a se interessar por música ainda na infância. Aos 14 anos, já tocava em bandas profissionalmente.
A fotografia veio depois, por acaso ou destino. Enquanto Tacun trabalhava como assessor técnico no Instituto Mauá, precisaram de alguém para fotografar e fazer a divulgação dos trabalhos realizados por lá. Mas com verba restrita para contratar uma empresa de fora, se viraram com a “prata da casa”, nas palavras do próprio Tacun.
“Comecei a fazer essas pequenas fotos, de peças artesanais para colocar nos nossos boletins no site, e a partir daí surgiu essa questão de acompanhar as viagens dos técnicos e fotografar”, relembra.
Música
De lá para cá foram diversos trabalhos produzidos, exposições e prêmios em concursos culturais. Mesmo com tantas realizações na carreira e amor pela fotografia, a música também é uma paixão.
Há mais de um ano e meio, porém, até mesmo os ensaios com sua banda – Tacun Lecy & Os Soldados de Ògún – estão parados. Por outro lado, a câmera manteve-se em atividade, mesmo que com certos protocolos.
Na pandemia, o olhar foi protagonista. De máscara, as expressões se tornam restritas. As emoções foram, e ainda estão sendo reveladas através do olhar. Por conta dessa compreensão que decidiu nomear o seu mais recente projeto de Olhares Sob a Pandemia.
O projeto surgiu por conta da Campanha 150 Fotos pela Bahia. Idealizada pelo fotógrafo Paulo Coqueiro, a campanha contou com a união de 150 fotógrafos para venderem algumas de suas fotos para arrecadar dinheiro e realizar doação de cestas básicas. Foram 1.741 fotografias vendidas e o valor total arrecadado chegou a R$ 273 mil, com 5.500 pessoas beneficiadas.
Tacun foi um desses fotógrafos participantes da campanha. Daí, surgiu o convite de Alex Baradel, responsável pelo acervo fotográfico da Fundação Pierre Verger, para o fotógrafo e músico acompanhá-lo na entrega das cestas básicas e documentar o momento. As fotos renderam um fotolivro digital e um webdocumentário.
Desde 2016 que Baradel e Tacun se conhecem. A primeira exposição autoral, Farinha dos Humanos Alimentos dos Deuses, havia estado em cartaz no ano anterior. Curadores da Fundação Pierre Verger haviam visitado a exposição e indicaram seu nome para fazer parte do Espaço Pierre Verger de Fotografia Baiana.
Comunidades negras
Antes mesmo de ser fotógrafo, Tacun já admirava o trabalho de Pierre Verger. Via na fotografia do etnólogo francês a beleza do povo negro. “Quando começo a fotografar, naturalmente, ele se torna minha referência de como eu queria mostrar essas comunidades negras, com dignidade”. No prefácio do fotolivro Olhares Sob a Pandemia (disponível no site www.tacunlecy.com), quem fala sobre a fotografia de Tacun é Baradel.
“Nesse trabalho ou nos seus outros ensaios que eu conheço, como em Ìyèfun: Farinha dos Humanos, Alimento dos Deuses, ou muitas das suas fotos sobre o candomblé, ele traz um toque especial, com forte contraste e, ao mesmo tempo, uma atmosfera poética que prestigia as pessoas fotografadas, nunca com excessos, sem dramatização, deixando uma sensação de serenidade e de paz”.
Pela constatação de Baradel, podemos imaginar que Tacun chegou, ou ao menos está bem próximo, do que se propõe como fotógrafo: registrar dignamente o outro.

*Sob supervisão do editor Marcos Dias
Compartilhe essa notícia com seus amigos
Siga nossas redes