MUITO
"A história dos Novos Baianos não cabe nesse mundo atual"
Por Tatiana Mendonça

Pepeu Gomes, 63, tem mania de falar de si na primeira pessoa. Como é comum nesses casos, não é adepto de falsas modéstias. "Sou um artista consagrado", diz a certa altura, como se sobre isso não pairasse dúvida alguma. A história que construiu o avaliza. Integrante do mítico grupo Novos Baianos, seguiu carreira solo com o carimbo de ter sido eleito pela revista americana Guitar World, em 1988, como um dos dez melhores guitarristas do mundo na categoria world music. Hoje e amanhã, ele apresenta em São Paulo os shows de lançamento do seu novo disco, Alto da Silveira, que leva o nome do lugar onde cresceu, no bairro do Garcia, em Salvador. O álbum é o 41º da sua carreira e o terceiro instrumental. "Nunca quis que esse trabalho se diluísse ou morresse dentro da música brasileira, porque sou um instrumentista". Pepeu pensa em lançar o CD também em Salvador, mas diz, sem mágoa aparente, que "tem dificuldades em tocar aqui. "Não sei se a minha música ficou muito... Não é elitizada a palavra, mas se distanciou um pouco do que se faz na Bahia hoje. Mas isso também não me preocupa". Anda pensando é na apresentação que fará, em setembro, no Rock in Rio, ao lado de Baby do Brasil, sua ex-mulher, com quem teve seis dos seus oito filhos. Eles não tocam juntos há 27 anos. O filho Pedro Baby é o responsável por promover o reencontro. "Ele está orquestrando tudo. Eu tô só como convidado", ri.
Você vai voltar a se apresentar com Baby do Brasil depois de 27 anos. Como é que esse reencontro foi orquestrado?
O responsável por essa volta é meu filho Pedro. Ele nunca viu a gente tocando juntos e sempre teve esse desejo. No primeiro Rock in Rio, em 1985, ele tinha apenas 7 anos. Não tinha ainda o entendimento de ter visto nós dois no palco. E aí nós vamos mostrar para essa galera toda esse legado que a gente deixou do nosso trabalho musical, todas essas músicas de sucesso, temas de abertura de novelas, de personagens...
Pedro vai tocar com vocês?
Vai. Ele é quem está orquestrando tudo. Eu tô só como convidado (ri). Vou entrar e obedecer. É bom saber que a gente está entregando a batuta para um músico responsável como ele, dedicado, com consciência de que é filho de um artista, que está deixando um legado musical para o Brasil muito grande, entendeu?
E já começaram os ensaios?
Não, nós vamos fazer cinco ensaios na semana anterior ao Rock in Rio, no Rio de Janeiro. A intimidade musical a gente resgata em 10 minutos. Na verdade, das minhas 340 músicas gravadas, 100 são com a Baby. Difícil vai ser escolher 12 músicas nesse arquivo todo.
O que você guarda desse primeiro Rock in Rio, de 1985?
Foi o grande Rock in Rio da minha vida. Sou o único artista brasileiro que fez todos [os festivais] no Brasil. Estou indo agora para o sétimo. Esse Rock in Rio foi e sempre será o mais importante, porque me projetou internacionalmente. Já tinha ido ao Festival de Jazz de Montreux duas vezes, uma com Gil, em 1978, e outra vez solo, em 1980. Fui mais cinco vezes a Montreux depois desse Rock in Rio, representando o Brasil.
Estava vendo uns trechos dessa apresentação e você está lá com seu cabelo supercolorido, umas roupas loucas...
É, a arara da Amazônia (ri).
E tocando Masculino e feminino. Muita gente acredita que o Brasil está mais careta. Você acha que esse 'encaretamento' é artístico também?
Não, acho que são novos tempos. Em 1970, 1980, 1990, nós vivíamos num mundo muito mais livre. Sexo, drogas e rock'n'roll. Na música, a gente privava mais o direito de colocar harmonias. Hoje não existe esse cuidado de quando você faz uma música, querer perpetuá-la por muitas décadas, muitas gerações. A carência que você está falando eu também sinto. É a carência Tom Jobim (ri). A gente não pode ter vergonha de usar Tom Jobim, João Gilberto, os grandes musicistas, grandes poetas, como inspiração para fazer músicas como Preta, Pretinha, que atravessa quatro décadas. Você toca ela hoje e todo mundo canta como se tivesse sido feita ontem. É incrível. Músicas como Masculino e feminino... Essa música foi contestada, as pessoas diziam que eu tinha virado gay. E era muito ao contrário. Eu estava dizendo que se Deus está dentro do homem e está dentro da mulher, Deus não tem sexo. Só depois, quando fui ao programa da Hebe, é que as pessoas conseguiram entender. A Hebe falou: 'Não, vem aqui se defender!' (ri). E hoje a Parada Gay leva dois milhões de pessoas para a avenida Paulista.
Você acredita que a música que se faz hoje é mais pobre?
Não acho pobre, acho descuidada. Pobre fica muito agressivo. Quando vou fazer uma música hoje, paro muito, olho meus arquivos, boto CDs para ouvir... Ary Barroso, Pixinguinha, Waldir Azevedo... Olha como esses caras faziam música! Então vou tentar absorver um pouco desses caras. Graças a Deus tenho me safado e tenho gostado muito das músicas que tenho feito. Acabei de lançar um CD novo, com 16 inéditas, instrumentais. A parte instrumental do meu trabalho é a joia da minha carreira. Dentro do meu trabalho de 'FM', aquele que você entra na casa das pessoas sem pedir licença, sempre coloquei duas ou três músicas instrumentais, porque nunca quis que esse trabalho se diluísse ou morresse dentro da música brasileira. Sou um instrumentista e faço questão de abrir portas para novos artistas. Porque você tendo um Pepeu, um artista conhecido, consagrado, fazendo uma música instrumental de qualidade, você está abrindo espaço para Armandinho, para Frank Solari, para Pedro Baby, para Davi Moraes, para Felipe Pascoal... Junto comigo vem essa galera toda, para quem eu sou uma referência.
Você vem lançar o disco aqui?
Estou procurando um espaço. Tenho dificuldade para tocar na Bahia, não sei o porquê. Não sei se a minha música ficou muito... Não é elitizada a palavra, mas se distanciou um pouco do que se faz na Bahia hoje. Mas isso também não me preocupa (ri). A Bahia é só um pedaço do mundo... Eu amo a Bahia. O nome do meu disco novo é Alto da Silveira, que é o nome do bairro onde me criei, ali no Garcia, para você ver que a Bahia continua no meu coração.
Você gravou recentemente uma participação em um disco de Zeca Pagodinho e há alguns anos gravou uma outra no DVD da dupla sertaneja Victor e Leo. Como você faz para transitar por esses ritmos sem perder sua identidade musical?
Essa é a percepção dentro do trabalho do Pepeu... É algo muito legal. A maneira de tocar guitarra brasileira me aproximou de todos esses artistas e vertentes. Tocar com Victor e Leo foi uma experiência maravilhosa, uma coisa que me surpreendeu. Eles gravaram Sexy Iemanjá, que é uma música belíssima. E depois o Zeca me chamar para botar uma guitarra no samba dele, que é tão tradicional, gente... Acho que para entrar ali naquela cortina de ferro é uma coisa séria, você tem que tomar muita cerveja (ri), e eu não bebo, gosto de água de coco. Vou me adaptando. Visto a camisa do time que está jogando, sem perder a minha personalidade.
Você tem uma história longa com o Carnaval de Salvador, já foi até Rei Momo.
É, mas o Carnaval foi se afastando de mim. Para o Carnaval deste ano não vim por falta de convite. Mas também estou num estágio completamente zen... Deixo as coisas acontecerem. Entrego na mão de Deus, que é quem guia minha vida.
Mas como você vê o direcionamento do Carnaval de Salvador hoje?
Não mudou nada. Continua aquela mesma panelinha que toma conta do Carnaval da Bahia há anos. Nós, artistas independentes, temos problemas para entrar, porque sempre nos dão os piores horários, os piores trios, e a gente vai tocar três, quatro horas da manhã, só para bêbado e drogado, entendeu? Não quero mais isso. Prefiro fazer o Carnaval em Nova York, na França... O Carnaval da Bahia está na segunda divisão, assim como os times do Bahia e do Vitória.
Qual é o seu time?
Sou Bahia, desde criança. Você acha que não sofro de ver o meu Baêa na segunda divisão? Eu passo mal!
Você sente saudade dos Novos Baianos de vez em quando?
Não. A história dos Novos Baianos não cabe nesse mundo atual. Porque você deixar um saco de dinheiro na maçaneta atrás da porta, sabe, e era muito dinheiro, e qualquer um ia lá e pegava quanto precisasse, gastava e devolvia o troco... Hoje isso seria impossível. O mundo está totalmente mercenário. Conseguimos durar 10 anos. E foi uma barra. Parece impossível, para dizer a verdade... Mas os Novos Baianos foram uma das coisas mais fantásticas que aconteceram na música brasileira. A gente deixou um legado filosófico e musical maravilhoso. Ao mesmo tempo, tenho consciência de que, se a gente voltasse a se reunir hoje, a gente nunca mais ia conseguir fazer outro Acabou Chorare, porque nós evoluímos. Eu evoluí, pelo menos. Tira o nós, pelo amor de Deus. Eu evoluí. Sou um músico que estou evoluindo a cada dia que passa.
Os Novos Baianos não poderiam ter acontecido aqui? Por que vocês tiveram todos que migrar?
Acho que os Novos Baianos aconteceram aqui. Porque o Desembarque dos Bichos Depois do Dilúvio Universal, que era o nome da banda - escreve direito isso, tá? -, já era os Novos Baianos. Nós fizemos um único show, no Vila Velha, no começo da nossa carreira. Dali nós fomos para São Paulo, para participar do Festival da Record. Então Os Novos Baianos aconteceram primeiro aqui. O nome é que nós ganhamos lá.
Seus filhos acabaram quase todos seguindo a carreira artística. Você acompanha de que maneira o trabalho deles?
Acompanho na medida do possível, mas não opino, a não ser que seja convocado. Mas estou sempre ouvindo. Agora minha filha Zabelê, depois de cinco anos de batalha, conseguiu fazer um CD maravilhoso.
Mas quando você se separou de Baby você ficou um tempo afastado deles?
Não gosto muito de falar disso, porque foi um tempo tão ruim... Passei tanto tempo para tratar isso, entendeu, e tratei. Hoje sou uma pessoa muito feliz. A Baby é uma colega de trabalho, uma pessoa fantástica dentro da filosofia de vida dela, respeito ela, entendeu, respeito os nossos filhos, então... Na verdade o que tenho falado é que nós vamos ter que envelhecer juntos. E todo mundo se respeitando. Os filhos estão descobrindo a gente e querendo se aproximar da gente. Eu acho isso lindo, cara. Quero essa vibe. Agora, essa coisa de separação, todo mundo que passou por isso sabe que é uma bad. Então ficar martelando isso não vai me acrescentar nada.
Sua filha, Sarah Sheeva, é pastora. E você, tem religião?
Minha religião é a música. Não sou contra religião, só acho que, se fosse uma coisa boa, só tinha uma no mundo. A gente tem mais de cinco milhões de religiões. Respeito todas. Já fui hare krishna, já fui da macrobiótica, já fui loucobriótico, o que você imaginar... Tudo isso à procura de um caminho que eu não encontrei, tá? Foi muito mais fácil voltar para dentro de mim e encontrar a presença de Deus dentro de mim, no meu coração, nas minhas atitudes, na minha música, na minha maneira de me comportar, de viver. Aí falei: encontrei Deus dentro de mim.
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