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“A juventude está muito mais à frente do que a gente imagina”, afirma produtora cultural

Por Marcos Dias

11/10/2021 - 6:00 h | Atualizada em 06/12/2021 - 15:35
A produtora cultural, educadora e gestora de projetos culturais Maylla Pita
A produtora cultural, educadora e gestora de projetos culturais Maylla Pita -

A produtora cultural, educadora e gestora de projetos culturais Maylla Pita idealizou no ano passado, em plena pandemia, o projeto Juntó, para a formação em produção cultural de jovens de Feira de Santana, movida por inquietações em relação à sustentabilidade de grupos tradicionais de cultura popular e periféricos. Ela compartilhou essa experiência inspiradora na última quinta-feira no Seminário Internacional Economia e Política da Cultura e Indústrias Criativas, promovido pelo Observatório Itaú Cultural, a Unesco e a Universidade Federal do Rio Grande do Sul, que reuniu convidados de vários países. Mestra em Cultura e Sociedade pela Ufba, nesta entrevista, ela fala sobre sua trajetória de mobilização social e realizações com foco no exercício da cidadania e reflete sobre juventude, política e produção cultural em territórios em situação de vulnerabilidade.

Em plena pandemia, em setembro de 2020, você desenvolveu o projeto Juntó, em Feira de Santana. Como foi a experiência?

Foi um projeto que surgiu neste contexto de pandemia, fruto de uma inquietação minha em relação ao potencial de produção dos grupos tradicionais da cultura popular, dos grupos culturais periféricos, que não necessariamente estão ligados a produções tradicionais da cultura, mas que estão produzindo, criando em contextos periféricos, fora do centro, e que não têm visibilidade. Surgiu a partir do olhar desse potencial e de uma inquietação em relação à sustentabilidade desses grupos num cenário pandêmico.

A reabertura cultural está acontecendo de forma efetiva de pouco tempo para cá. Foi uma sacada que tive para tentar trazer para perto, no caso de grupos tradicionais da cultura popular, pessoas que têm habilidade com plataformas digitais, mais facilidade e interesse pelos mecanismos de financiamento, mas ainda não estão instrumentalizados para recorrer a esses mecanismos e promover a sustentabilidade dos seus grupos. O nome do projeto explica um pouco a proposta: Juntó, no axé, é o segundo orixá da cabeça do iniciado. O iniciado tem um orixá de frente e um juntó, que é o segundo orixá, e numa dinâmica de uma comunidade tradicional, essa pessoa da frente é o mais velho, a mais velha, aquela pessoa que detém um saber ancestral, um saber popular, é aquela biblioteca viva; e a segunda pessoa é o mais novo, que respeita seu mais velho, que escuta e que acolhe, que se qualifica tecnicamente para registrar esse saber, promover a difusão desse saber, independentemente da presença física desses mais velhos aqui na terra ou não, porque um dia eles se vão.

Quais os resultados em relação ao que você pretendia?

A primeira edição aconteceu ainda em setembro de 2020. A ideia é contemplar pequenos grupos para que haja produção de sentido para eles e a gente consiga estabelecer um vínculo, entender quais são as demandas e desenvolver uma metodologia, de fato, integrada com a necessidade dessas juventudes. Grandes turmas perdem o sentido no Juntó. Foram 20 jovens selecionados, 17 seguiram no processo formativo e tentamos uma formação que, num primeiro momento, dava um embasamento político e de identidade racial para essa juventude, falávamos sobre o contexto político, sobre políticas de cultura, discursos afirmativos e como a produção cultural vem como uma ferramenta de promoção de acesso aos direitos, uma ferramenta de denúncias sociais, uma ferramenta da promoção da sustentabilidade dos grupos. Também falamos de várias técnicas, os editais, a dinâmica de elaboração de projetos e da elaboração de projetos para editais da Lei Aldir Blanc. Foi muito positivo, porque alguns projetos começaram a ser elaborados na primeira edição do Juntó e seis deles foram aprovados, tanto em editais na cidade de Salvador, como em Feira de Santana e na esfera estadual também. Foi muito bonito poder contribuir para que isso acontecesse.

Como é a compreensão, de forma geral, da juventude em relação a esses eixos da cultura como política e de identidade racial?

A juventude está muito mais à frente do que a gente imagina. Na verdade, eles já têm lançado mão dos produtos culturais deles, criados no âmbito de suas comunidades, para afirmar o próprio discurso, que é um discurso político. E no Juntó, o que fazemos é abrir o horizonte para que política é essa: para o meu corpo negro ou é um corpo político? Como eu me coloco no mundo através desse corpo, da minha música, poesia, dança, o que ela expressa sobre os meus direitos, o que ela denuncia em relação às negações dos direitos? O Juntó chega para oportunizar um pouco esse debate, para provocá-los a ir além, porque a juventude que chega lá já é muito potente, então, o Juntó não viabiliza nada, é um espaço de troca e de interação para que atentem para a potência do que estão produzindo e qualifiquem ainda mais, deem mais força e vitalidade a essas produções.

Tem a ideia de ampliar o projeto para outras localidades?

O Juntó tem foco na cidade de Feira de Santana e seu distritos, prioritariamente, mas nunca deixamos de contemplar jovens de Barreiras, de Salvador, de Ilhéus, Guaibim, existe uma relativa diversidade. A troca foi positiva, o foco é sempre Feira de Santana, mas sempre há como incluir mais alguém de outras cidades. Existe sim uma perspectiva de ampliação do Juntó e transformação do projeto em programa, quem sabe aí continuar trabalhando com grupos pequenos, mas com uma quantidade maior de grupos.

Feira tem uma cena reconhecida em relação ao rock, mas outras expressões não têm visibilidade e não há tradição de editais. Como é trabalhar nessa conjuntura?

Não existe uma cultura de edital em Feira de Santana, tampouco de financiamento de projetos, propostas e programas culturais a partir da iniciativa de empresas privadas. Mas o Juntó serve de estímulo à autonomia, pensar outros padrões de promoção da sustentabilidade para além do edital, essa é uma questão. A outra é naquele momento da discussão do contexto político aliado às demandas de identidade racial, quando discutimos um pouco a história da política cultural no Brasil e a história da política cultural em Feira de Santana. Trazemos o debate para a importância dos editais com foco na participação social para que as políticas possam vir a ser estruturadas. Feira é essa cidade onde a inexistência de políticas de apoio voltadas para o cenário cultural era uma escolha, e de algum modo é uma política. Mas os grupos culturais e a sociedade civil organizada vão para a frente e já conquistamos muitas coisas: o Plano Municipal de Cultura foi elaborado, o Conselho Municipal de Cultura foi eleito, e o Beco da Energia foi ocupado como espaço cultural. Esta ocupação foi legitimada pela prefeitura porque houve uma mobilização estruturada da sociedade civil em relação a isso, então, existe uma dinâmica cultural vibrante e potente em Feira de Santana para além do rock. A questão é que o rock’n’roll, pela própria dinâmica de autonomia, chega na grande mídia e as pequenas produções não. Então, o foco que a gente dá em relação à existência de uma política estruturada é o seguinte: olha, se senão houver participação social diante do contexto histórico de Feira de Santana, a coisa não acontece, então, vamos nos instrumentalizar para ir para o front.

O que pensa da posição do secretário especial de cultura, Mario Frias, que comemorou a retirada de pauta do senado do Projeto de Lei Complementar 73/2021, a Lei Paulo Gustavo, adiando a votação que garantiria recursos aos agentes culturais afetados pela pandemia, dizendo que “o governo federal se tornaria um caixa eletrônico de saque compulsório”?

A gente está vivendo um momento político historicamente delicado, um desgoverno. No âmbito da cultura sofremos perdas imensuráveis e não me admiro com essa postura pelo histórico de ações que foram postas em prática nos últimos anos, a extinção do Ministério da Cultura, de uma política nacional que foi construída através do Sistema Nacional de Cultura e os respectivos sistemas nos âmbitos estadual e municipal, tudo isso caiu por terra, porque existe um governo que desconsidera a existência de um valor cultural e de um potencial cultural no país que mobiliza a economia, que emprega as pessoas. É uma grande perda, mas não me surpreendo.

Em relação à juventude, há algumas localidades de Salvador em que a violência é cotidiana. O que pensa sobre a cultura como possibilidade transformadora?

Vejo a cultura como um meio, um caminho de transformação social. Mas a cultura é transversal, não vamos conseguir fazer isso sozinhos. Pensando de forma macro, é preciso que haja diálogo entre as diferentes pastas, então, de repente pensar a cultura em interlocução com a educação, com as políticas de socioassistenciais, em interlocução inclusive com as políticas de saúde, aí sim, acho que conseguimos um trabalho estruturante que caminha em direção a essa mudança. Mas o que temos vivenciado no país vai na contramão de tudo isso, e acredito que a sociedade civil tem muita força para a mobilização de um cenário. É preciso que a cultura, de fato, faça parte das pastas de governo, se não a gente não vai dar conta.

Você participou no ano passado, em Salvador, do programa Corra pro abraço, da Secretaria de Justiça, Direitos Humanos e Desenvolvimento Social da Bahia em parceria com a Cipó Comunicação Interativa, para promoção de cidadania em contextos de vulnerabilidade social. Como foi?

O Corra pro abraço foi um divisor de águas na minha trajetória profissional. A Cipó é um lugar que reverencio e que desenvolve um trabalho muito potente em territórios em situação de vulnerabilidade social. Estive em Plataforma e no Beiru e fiquei pouco tempo em Fazenda Coutos, por causa do cenário pandêmico, e acabei indo para outra instituição. Foi um divisor de águas no sentido de entender uma metodologia mais fluida e funcional de diálogo com as juventudes. E entender que o método da academia não necessariamente produz sentido nesses territórios, e aí preciso ressignificar esse aprendizado, organizado no contexto da academia e me abrir para a escuta para poder trabalhar com a juventude. O Juntó é muito fruto disso: falar sobre produção cultural em territórios assim demanda um outro olhar sobre a política, sobre o próprio território. Quanto aos jovens do Corra, existe um potencial de produção no lugar; segundo, existe uma confluência entre violência de diferentes formas, violência policial, relacionada à questão de gênero, violência racial, a guerra às drogas que está naquele espaço cotidianamente e uma série de denúncias que precisam ser feitas. A cultura, ali, aparecia como uma válvula de escape, uma ferramenta de redução de danos e de afirmação desses discursos, de denúncia dessas violências, como instrumento político de afirmação identitária. Isso é muito potente, consegui organizar esse discurso ali, nesse território em diálogo com essas juventudes.

Desde o Mondiacult [Conferência Mundial de Políticas de Cultura], em 1982, no México, lideranças destacavam a importância da ‘deselitização’ da cultura, mas hoje há o desafio de comunicar conceitos dos estudos culturais ou pós-coloniais, por exemplo, para públicos não acadêmicos para tornar tais articulações possíveis. Como pensa essa situação?

Tem uma coisa que é mais importante: a entrada desses públicos na universidade. Uma outra forma de produção de conhecimento que vem à tona, isso aí é a grande virada. Quando falo a cultura é transversal é isso, quando pensamos nas políticas de educação, de acesso ao ensino público de qualidade, a juventude negra está entrando nesses espaços, levando outros temas para serem discutidos ali, ocupando um espaço antes pouco ocupado que faz com que surja outro discurso, outro perfil de trabalhos acadêmicos. Não é só sabe comunicar, é viabilizar caminhos para que esses grupos possam comunicar seus próprios discursos, só existe produção de sentido se isso acontecer.

Mesmo com o avanço a vacinação, vivemos um momento distinto em relação a outros países. É possível falar em pós-pandemia no Brasil em relação à produção cultural?

Não consigo visualizar muito bem como seria esse pós-pandemia. Em Feira de Santana, por exemplo, não existem protocolos de reabertura cultural, mas existem decretos que autorizam realização de eventos com até mil pessoas. Diante desse cenário, não consigo visualizar com tranquilidade o pós-pandemia. É absolutamente desconfortável a situação de quem está fazendo esse recorte para o contexto cultural, sobretudo diante do cenário político que vivenciamos, o negacionismo e toda problemática envolvida nesse discurso.

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