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OLHARES

A poética das fotografias com dispositivos móveis

Estamos tão acostumados aos aparelhos com câmeras e esquecemos que não faz muito tempo que eles existem

Por Cristina Damasceno* | [email protected]

07/11/2022 - 6:00 h
Fábio Duarte tem usado o celular em muitos trabalhos
Fábio Duarte tem usado o celular em muitos trabalhos -

Com o celular no bolso ou na bolsa, a câmera fotográfica está à mão das pessoas cada vez mais, sendo utilizada para diversas funções. Difícil saber quem ainda não se rendeu à facilidade de fotografar um encontro com amigos, comemorações, a ida a um lugar especial ou até mesmo algo inusitado.

Particularmente, eu já sucumbi às câmeras móveis, principalmente quando viajo. É um alívio me locomover sem o peso do equipamento profissional e outras preocupações. Seguramente, existem limitações técnicas, por exemplo: a possibilidade de fazer ampliações maiores do material fotografado. Entretanto, esse empecilho pode ser apenas um detalhe a depender do propósito das imagens.

Estamos tão acostumados aos aparelhos com câmeras e esquecemos que não faz muito tempo que eles existem. O primeiro celular com uma câmera embutida foi lançado em novembro de 2000, marca Sharp com modelo J-SH04, vendido apenas no Japão. A memória interna comportava apenas cerca de 20 fotografias.

O mercado europeu só começou a comercializar celulares com câmeras integradas a partir de 2003, o Samsung SCH-V200. De lá para cá, muitas transformações ocorreram deixando as câmeras fotográficas dos celulares cada vez mais aprimoradas. Atualmente, a qualidade da câmera fotográfica é um atributo decisivo na escolha dos consumidores na compra dos telefones.

Diante disso, as câmeras compactas ficaram em segundo plano, provocando uma mudança radical no mercado fotográfico amador. As vendas de câmeras para esse público caíram vertiginosamente, enquanto as compras de smartphones tiveram um aumento.

Dados divulgados pela organização internacional Camera & Imaging Products Association (Cipa), que lida com tecnologias relacionadas à produção de câmeras digitais, aponta para a queda de aproximadamente 99% na compra de câmeras amadoras na América Latina, entre os anos de 2010 e 2021.

Outra pesquisa interessante é sobre o perfil de consumidores desse mercado. Dados da Keypoint Inteligence, empresa analista do comércio mundial para indústria de câmeras digitais, revelou que a geração nascida no período já existente das câmeras digitais e redes sociais, especificamente entre 1998 e 2010, a chamada geração Z, utiliza o smartphone como sua principal câmera.

O estudo demonstrou que essa parcela de fotógrafos, que se autoidentifica como amadores ou amadores avançados, tira fotos por diversão do momento, diferente das gerações anteriores, voltadas a registrar memórias familiares.

Simplificando recursos técnicos que melhoraram a aparência das imagens como contraste, brilho, saturação das cores, cortes, dentre outros artifícios, a fotografia de celulares viabilizou possibilidades surpreendentes na edição de imagens, opções que até então requeriam um conhecimento prévio mais aprofundado sobre a matéria.

Tem quem afirme que os celulares democratizaram a fotografia, entretanto, a história não é bem essa. O ponto inicial da popularização da fotografia para o público amador teve origem no final do século 19 e começo do século 20, com a invenção do filme de rolo e, sobretudo, com o lançamento do modelo Brownie da Kodak, que custava simplesmente US$ 1 na época. Nessa ocasião, os aficionados pela fotografia, para se diferenciarem da nova massa inexperiente, criaram o movimento pictorialista, propondo uma fotografia experimental com pretensões artísticas, pautado na criação e difusão de foto clubes mundialmente.

Hoje, quem está se organizando em prol da difusão da fotografia com dispositivos móveis são entusiastas que criaram um nicho próprio para essa atividade.

É notável o crescente movimento denominado Mobgrafia, formado pelos que registram, editam e publicam fotografias por meio de celulares ou outros aparatos, permitindo uma dinâmica de compartilhamento pela internet.

Eventos específicos voltados para fotografia com smartphone são montados em parceria com empresas do ramo. Mostras são planejadas oferecendo prêmios para os integrantes e oficinas ao público em geral. O Museu da Imagem e do Som em São Paulo, por exemplo, desde 2016 realiza um festival voltado precisamente para esse tipo de fotografia. O último foi em junho deste ano e reuniu participantes de toda América Latina.

Cultura baiana

Em Salvador, é possível visitar até o dia 20 de novembro, na Caixa Cultural (Centro), uma exposição do gênero, intitulada O universo da mobgrafia, do fotógrafo Roberto Farias, premiado nos eventos acima citados. A mostra, no térreo da galeria, chama a atenção para as paredes coloridas compostas por conjuntos de imagens com temas que envolvem objetos e cenas da cultura baiana.

O conteúdo exposto, de forma didática, possibilita ao visitante estabelecer estímulos visuais que incluem padrões de texturas, formas, linhas e profundidade. Junto aos trabalhos, um texto poético, de autoria da cantora Maria Bethânia, faz alusão às suas impressões sobre as imagens feitas pelo fotógrafo.

Desde o lançamento do site Flickr, em 2004, que permite ao usuário criar álbuns para armazenar suas fotografias e interagir com outros participantes, o fluxo de fotografias feitas por dispositivos móveis passaram a fazer parte da poética de muitos artistas.

Em 2006, a artista norte-americana Penelope Umbrico deu início a uma série de instalações com imagens retiradas do Flickr com o tema mais fotografado e postado na época, o pôr do sol. As imagens foram impressas no tamanho cartão-postal e exibidas, uma ao lado da outra, em grande dimensão. Nos anos subsequentes, esse projeto que envolve questões relativas à apropriação e ao excesso de imagens na contemporaneidade, se desdobrou em um vídeo.

A rua

Já no circuito artístico baiano, desde 2014, o artista visual Fábio Duarte vem usando o celular na captura de muitos dos seus trabalhos. Anteriormente, adepto da fotografia analógica, com a qual foi vencedor do prêmio de aquisição na Bienal do Recôncavo, em 2006, ele revela que foi a fotografia de celular que o fez perder o preconceito em relação ao meio digital.

“Estar todos os dias na rua com aquela câmera acoplada ao celular me permitiu voltar a fotografar a rua, de uma forma mais discreta do que antes com uma câmera profissional” afirma Fábio.

Na tentativa de obter nas imagens feitas pelo celular elementos estéticos característicos da fotografia analógica, como granulação do filme, embaçamento de planos, rastro de movimento, dupla exposição, saturação das cores e altos contrastes, o artista, depois de dois anos no exercício diário de fotografar a cidade de Salvador, conseguiu formar um banco de imagens que reuniu, no período, mais de cinco mil registros.

O resultado desses trabalhos possibilitou a Fábio ser selecionado para integrar algumas exposições em Salvador e no interior do estado, a exemplo do projeto Circuito das Artes, três Salões de Artes Visuais da Bahia, nos anos de 2013 e 2014, e também uma mostra individual na galeria Acbeu.

A experimentação sempre fez parte do processo criativo de Fábio que, com suas imagens vibrantes, nos mostra cenas banais da cidade, contudo, repletas de muita sensibilidade. Desde a pandemia, ele mora em Lisboa onde amplia o seu olhar e busca novas poéticas.

Concluindo, não se pode ignorar as questões colocadas pelas novas tecnologias em relação a arte, pois, é inegável que a obra artística está sempre vinculada, de certa maneira, às experiências culturais, sociais e tecnológicas vividas por seus autores.

*Doutora em Artes Visuais e professora de Fotografia na Escola de Belas Artes (Ufba)

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