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"A Tropicália foi um exercício de liberdade"

Por Fabiana Mascarenhas

02/05/2016 - 14:46 h
Ana de Oliveira
Ana de Oliveira -

Cinco anos após lançar um dos livros mais representativos do movimento tropicalista - Tropicália ou Panis et Circencis, baseado nas canções do disco homônimo lançado em 1968 -, a pesquisadora e documentarista baiana Ana de Oliveira, 50, prepara-se para apresentar um projeto semelhante. Dessa vez, debruça-se sobre um outro clássico da música popular brasileira: o disco Acabou Chorare, segundo álbum do grupo Novos Baianos, lançado em 1972. Assim como no trabalho anterior, a obra trará textos e imagens sobre cada uma das canções que compõem o LP, assinados por pensadores e artistas de diferentes áreas. O livro tem previsão para ser lançado no segundo semestre deste ano, e a lista de convidados inclui o jornalista Xico Sá, o artista plástico Vik Muniz e a cantora Tulipa Ruiz. Este mês, a pesquisadora, radicada em São Paulo, esteve em Salvador para participar de um evento sobre o compositor e tropicalista Torquato Neto. Chegou à cidade dois dias após a morte do artista gráfico baiano e criador da estética visual da Tropicália Rogério Duarte, por quem diz nutrir um profundo respeito. "Foi um grande homem, um gênio. Sou muito grata por tudo o que me ensinou". Em entrevista à Muito, Ana falou sobre saudade, novos projetos e a permanente relação com a Bahia.

Você é autora de um dos livros mais representativos do Tropicalismo, o Tropicália ou Panis et Circencis, e idealizadora do site oficial www.tropicalia.com.br, que possui um acervo riquíssimo sobre a história do movimento. Como surgiu essa relação com o Tropicalismo e o seu interesse em pesquisá-lo?
Nasci em Feira de Santana, mas estudei parte da vida em Salvador. Conheci Gilberto Gil muito nova, quando ele fez um show beneficente para a instituição que a minha irmã coordenava. Já o conheço de longa data e somos amigos há muitos anos. Há uma relação de profundo amor e respeito entre nós e sou grata pela confiança que ele sempre teve no meu trabalho. Mas, independentemente dessa relação de amizade, a gente se aproxima desses temas, principalmente por interesse particular, gosto pessoal, afinidade, identificação. Quando é assim, a paixão move. É ela que alimenta o fogo que nos faz investigar aquilo que nos apaixona, que alimenta nossos anseios intelectuais, filosóficos, nossas curiosidades. Foi assim com o movimento tropicalista.

Como surgiu a ideia de disponibilizar todo este conteúdo em um site?
Pesquisei muita coisa, e antes de o site ser lançado já tinha praticamente um museu em casa, inclusive acesso a coisas secretas que nunca foram publicadas porque não tive autorização das pessoas. Reuni muita coisa e achava que o conhecimento sobre aquilo tudo não podia ficar só para mim. Tinha que ser compartilhado. Resolvi inscrever a ideia no edital do Itaú Cultural e fui contemplada. Ganhei uma bolsa de pesquisa e rodei vários estados em busca de novas informações. Visitei acervos de São Paulo, do Rio de Janeiro e da Bahia também. Lembro-me de que, na época, estive no antigo Jornal da Bahia e havia materiais importantíssimos dentro de banheiros, misturados com material de limpeza, cheio de fungos e ácaros. Ficava horas lá dentro, procurando fotos, documentos, enfim. Produzi um site que é uma fonte de pesquisa maravilhosa, modéstia à parte, e me orgulho muito disso. Foram mais de 900 páginas de conteúdo em português e inglês.

Seu livro tem a proposta de traduzir o espírito da Tropicália. Como se deu na prática essa "tradução"?
Eu queria fazer um livo sobre a história de um disco porque, até então, não havia nada nessa área na época. Então resolvi chamar doze ensaístas para escrever sobre cada uma das canções do Tropicália ou Panis et Circencis, disco que causou uma verdadeira revolução no Brasil quando foi lançado, em 1968. Também convidei doze designers e artistas visuais para fazer o que chamei de leituras visuais das canções. Tem gente das mais diversas áreas. Queria trazer a diversidade para esta obra porque este era o espírito da Tropicália, o diverso, a mistura. E, agora, vou lançar um outro projeto semelhante. Um livro sobre o disco Acabou Chorare, que foi lançado em 1972 pelos Novos Baianos. Terá esse mesmo formato, mas com outras características gráficas. Também vamos trazer pessoas de diferentes áreas para falar sobre cada uma das nove canções do disco. Só que, desta vez, estou deixando as pessoas mais livres para se expressar. Esse é um livro mais caótico, mais ao sabor dos anos 60.

Quem são os convidados desta vez?
Ainda não posso falar muito, mas chamei pessoas de diversas áreas. O jornalista Xico Sá, o artista plástico Vik Muniz e a cantora Tulipa Ruiz são alguns. Mas eles não vão produzir necessariamente algo sobre a sua área de atuação. Tulipa, por exemplo, é cantora, mas a chamei para fazer um desenho sobre A menina dança. Então, é um trabalho mais livre. Até o final do ano, será lançado. E também quero vir à Bahia lançar o livro Disposições Amoráveis, fruto de conversas que tive com o Gil sobre diversos temas. Esse livro foi lançado em São Paulo, em dezembro do ano passado, mas pretendo lançá-lo em outros estados.

Em Disposições Amoráveis, você também reuniu profissionais de diferentes áreas. Como foi desenvolver esse projeto?
Meu objetivo com este trabalho foi afirmar Gilberto Gil como um pensador. Já sabemos que ele é um grande músico, um grande compositor, mas, a meu ver, faltava algo que congregasse o pensamento e a visão dele, que é tão original, sobre temas diversos - política, sustentabilidade, raça, música, cultura digital. Fui chamando pessoas que eram expoentes em cada uma dessas áreas, ou que tivesse reflexões maduras nessas áreas, e pedi que eles formulassem perguntas a serem feitas para Gil. Então, para falar sobre ciência e espiritualidade, chamei Leonardo Boff e o físico Fritjof Capra. Para falar sobre cultura e raça, chamei o antropólogo Luiz Eduardo Soares e o ativista Preto Zezé. Já na área de sustentabilidade e política, convidei Marina Silva, Luiz Inácio Lula da Silva e Fernando Henrique Cardoso. Fiz a interlocução e fui levando essas questões ao longo de quatro anos para Gil. O livro é resultado desses encontros e das conversas que tivemos na Bahia, Rio e São Paulo.

Gil e Caetano são considerados os principais responsáveis pelo Tropicalismo. Na sua opinião, aquele foi o movimento musical mais importante que existiu no Brasil até o momento?
Eu diria que ele foi tão importante quanto a Bossa Nova, que foi o primeiro movimento musical. Nem sei se seria certo chamar de movimento, mas foi ela que primeiro modernizou a canção. O Tropicalismo fundiu a música popular brasileira, mas a Bossa Nova já tinha feito isso, só que ao seu modo. Foi a Bossa Nova que nos colocou numa perspectiva universalista, internacional, porque misturou samba com jazz e com o beatbox. Por isso, Caetano dizia que a Tropicália era o avesso da Bossa. Porque a bossa era aquela coisa elegante, banquinho e violão, era contida. Já o Tropicalismo era aquela coisa espalhafatosa, provocativa, esculhambada, exagerada. É exatamente o avesso da Bossa, mas, ao mesmo tempo, segue uma linha de modernização da MPB. Quando o Tropicalismo surgiu, o ambiente da música popular brasileira estava morno, um marasmo. A Bossa Nova já estava assimilada, as canções de protesto também, na voz de Vandré, de Edu Lobo, e o Tropicalismo veio e deu uma agitada. Tava rolando ao mesmo tempo a Jovem Guarda, mas era tida como um movimento mais ingênuo. Alguns o consideravam até alienado. Essa era uma crítica severa que a Jovem Guarda sofria.

Mas a Tropicália também sofreu muita crítica. Tanto da esquerda, que preferia os versos politizados de Geraldo Vandré; como da direita, que valorizava a harmonia da Bossa Nova e até o romantismo da Jovem Guarda.
Sim, é verdade. O Tropicalismo fundiu a cabeça de todo mundo. Os militares os consideravam uns subversivos; já a esquerda, uns alienados. Na verdade, eles incomodaram bastante e nem a esquerda nem a direita entenderam nada. O movimento era considerado perigoso porque interferiu e influenciou não só na música, mas no comportamento, no pensamento das pessoas, nos costumes. Então, o Tropicalismo foi uma intervenção sem precedentes na história da música popular brasileira, que mudou os rumos para sempre. As gerações de artistas que vieram depois deles ficaram muito mais confortáveis para inovar, para inventar, para ousar. Veja que vieram na sequência os Novos Baianos, o Secos & Molhados; mais para frente, Chico Science, Arnaldo Antunes. Todos esses artistas puderam brincar com os ritmos, fazer gracinhas, no melhor sentido da coisa.

Sem temer parecer ridículos.
Exatamente. Depois do Tropicalismo, os artistas puderam ousar, experimentar com liberdade. Porque o Tropicalismo foi um exercício de liberdade. Eles fundiram todos os gêneros, todos os ritmos, misturaram em uma só canção o arcaico e o moderno. Gil, na canção Domingo no Parque, misturou o berimbau com a guitarra elétrica, que era o que havia de mais moderno naquele momento. E não era permitido misturar a guitarra elétrica porque ela representava o símbolo do imperialismo americano. Dentro daquela MPB dita politizada da época, de Edu Lobo, Vandré, Caymmi, de Francis Hime, nada disso era permitido. Essa MPB não aceitava a ideia, sequer, de comportamento artístico que dialogasse com a coisa mercadológica, das massas. Tanto que a Jovem Guarda era vista como música comercial. Naquela época, era como se todo mundo tivesse que viver da arte pela arte. E os tropicalistas foram lá e fizeram, misturaram. Disseram: pode sim! Rogério Duarte tinha uma das frases mais lindas e definidoras do movimento. Ele dizia: o Tropicalismo é o desejo de uma modernidade amorosa para o Brasil. É isso.

Como era a sua relação com ele? [O artista gráfico baiano e criador da estética visual da Tropicália Rogério Duarte, morto no dia 13 de abril deste ano].
Era ótima. Tenho documentos raros, algumas conversas muito interessantes gravadas com ele, em que fala com intimidade sobre o movimento. Rogério me ensinou a pensar o Tropicalismo. Tenho uma gratidão e amor imensos. Era um homem muito espiritualizado e conversávamos muito sobre o Tropicalismo na perspectiva espiritual. Ele me dizia que a verdadeira revolução, talvez, ainda não tenha acontecido. E acho que tem toda razão. Foi um grande homem, um gênio. Fará falta.

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