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28/08/2022 às 0:00 - há XX semanas | Autor: Vinícius Marques

MUITO

"A vida não se concentra só na tragédia", diz Walter Firmo

Com 85 anos, e quase 70 de carreira, ele é um dos responsáveis por dar visibilidade do negro na fotografia

Imagem ilustrativa da imagem "A vida não se concentra só na tragédia", diz Walter Firmo
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Fotógrafo autodidata, o carioca Walter Firmo pratica desde os 16 anos de idade o ofício que o consagrou como um dos melhores de sua profissão. Hoje, com 85 anos, e quase 70 de carreira, é um dos responsáveis por estabelecer a visibilidade do negro na sociedade brasileira por meio das imagens que produziu. Com suas cores vibrantes, ele é referência para todos os profissionais de sua área. No passado, atuou como fotojornalista em diversos veículos de comunicação, chegando a ganhar o Prêmio Esso de reportagem, em 1963. Atualmente, 267 obras suas podem ser vistas na exposição Walter Firmo: No Verbo do Silêncio a Síntese do Grito, no Instituto Moreira Salles, em São Paulo. “Gostaria de expor em Salvador porque amo essa cidade, mas não sei se tem espaço para colocar 267 fotografias”. Ele esteve por aqui neste mês, na semana em que se comemorou o Dia Mundial da Fotografia (19) e fala nesta entrevista sobre as diversas atualizações da sua profissão, como se relaciona atualmente com a fotografia e desejos para o futuro. Do alto dos seus 85 anos, ele dispensa o tratamento pelo substantivo ‘senhor’, já que, para ele, “Senhor só existe um”.

São quase 70 anos de carreira. Em todos esses anos, a fotografia se atualizou, se democratizou e ganhou novos atores. Para você, o que todas essas atualizações trouxeram de benefício e malefício para a fotografia?

A eternidade, na questão da morte. Antigamente, a gente morria e não só a terra comia fisicamente uma pessoa querida que a gente nunca mais veria. Depois, com o advento da fotografia, não sei se você tem outras mortes, mas você tem uma morte e sobrevive na interação gráfica da fotografia em relação ao conteúdo físico de cada qual que se foi. Mas você tem uma memória ali ativa, que poderá rever quantas vezes queira. Agora, malefício na fotografia? Depois do descobrimento, ela virou massa de informação, mudou o mundo. Você está de saco cheio dos outdoors, que você está dirigindo a 150 km/h e não dá para ler, porque toda estrada hoje é pontilhada de vendas de qualquer coisa e que a fotografia está lá, mas não podemos esquecer que ela foi a precursora do cinema. Sem a fotografia, não haveria cinema. O que mais posso lhe dar de exemplo? A fotografia é uma linguagem nada literária nos moldes que conhecemos, mas ela é uma linguagem muda que você, com sua inteligência e sensibilidade, vai fazer uma interação. A leitura é sua, é própria, daquela fotografia que existe uma autoria. Não é essa jornalística, que foca sempre num acidente, num desastre, numa guerra – é uma tíbia fraturada. Parece que o mundo, a existência, só se regula por essas informações. E minha aparição no fotojornalismo... Eu mudei esse conceito, elevando a fotografia a um molde de sombra, dando um sentido de um outro glamour: que a vida vale a pena ser compartilhada amorosamente, de elevação, de atitude, que a vida é magnífica.

Como é a sua relação, hoje em dia, com a fotografia?

Dou ainda aulas, faço workshops, sou convidado para exposições. Estou aposentado pela Funarte (Fundação Nacional de Arte), com sede no Rio de Janeiro. Já tem uns 10 anos, estou com 85... É, 15 anos. Como me tornei uma pessoa conhecida, sou sempre convidado para alguma coisa. É um outro ganha-pão em relação às coisas da minha fotografia. As pessoas exaltam e me elogiam. Eu virei uma pessoa conhecida na cultura brasileira, hoje tão exaltada, através da fotografia, essa jovem senhora ainda, que para muitos – não vou discutir se é arte ou não–, mas para muitos é uma grande merda, uma coisa qualquer, desqualificam o fazer fotográfico. É uma inveja imensa da fotografia, não sei por quê. Parece que o mundo só quer ler Sartre e outros poderosos da literatura... Peraí, cara. Cada um no seu galho, por favor, respeitem.

As redes sociais estão repletas de fotógrafos, sejam amadores ou profissionais. Você possui um perfil no Instagram, por exemplo. O que acha desse espaço como uma vitrine para expor suas obras?

Eu gosto mais do Facebook. O Instagram tenho, sim, que é mais fotografia. Olha que engraçado: não gosto de publicar fotografia no Instagram, eu gosto de conversar, de interação, de provocação. Nada de política, pelo amor de Deus! O voto é secreto, né... E muitos usam o Facebook para isso. Eu gosto de conversar, sou metido a poeta, gosto de escrever. Tenho um prêmio, em 1964, pelo Jornal do Brasil, 100 dias na Amazônia de Ninguém, onde vou como fotógrafo e como o cara que escreve a reportagem. Fui a Nova Iorque, enfim, ganhei em dólares uma tributação. Naquela época eram U$ 500, que hoje significariam R$ 70 mil. Usar as redes sociais como vitrine é uma forma de conveniência de exibição e eu acho bom. É uma forma de você também se qualificar, mostrando seu trabalho, já que de repente você não tem uma outra alternativa, ninguém te convida para expor, para um outro aparecimento, mas é uma boa rede de condução para as pessoas conhecerem seu trabalho.

Cartola, Pixinguinha, Dona Ivone Lara e Clementina de Jesus já brilharam em fotografias feitas por você...

Na minha exposição, montada pelo Instituto Moreira Salles, na capital paulista, na sede deles, tem dois andares que perfilam 267 fotografias exaltando a questão negra no Brasil e tem murais. Tem esse mural relativo a cantores, a musicalidade brasileira, e tive sorte de fotografá-los, porque eu fazia jornalismo e, às vezes, me escalavam para fotografar essas pessoas. Eu já mantinha um quase segredo, porque o que eu estava fazendo era para um futuro incerto. Eu sabia onde chegaria, mas não sabia que seria tão capacitado, tão exaltado anos depois com essa exposição.

E como era o contato com essas personalidades do samba?

Era muito fácil, no Rio de Janeiro, onde eles viviam. Você chega com uma máquina [fotográfica], e não só eles, mas reis e rainhas, políticos... o que forem, eles querem sempre ser fotografados porque são vaidosos. A fotografia é uma grande fonte de vaidade. Essas pessoas veneram a fotografia, exaltam a fotografia. E através desse fazer fotográfico que a imprensa me legou, eu tinha essas saídas, demonstrando em todas as áreas da sociedade brasileira. Desde o bandido, a prostituta, o condutor de bonde, os carnavalescos, os cantores, os operários... Enfim, toda a gama de sociedade de quinta grandeza ou de primeira.

Hoje em dia existe alguém que gostaria de fotografar e ainda não teve a oportunidade?

Tem vários, mas quando eu estava trabalhando nas redações, os caras já me esperavam sabendo que eu era do Jornal do Brasil, da Última Hora, Veja, Manchete, Realidade, IstoÉ, lugares por onde eu passei e trabalhei. Todos reverenciavam minha chegada. Eu chegava e era uma visita ilustre. Queria ter fotografado muitos que já morreram, que posso esquecer o nome agora, mas que pensei que eles fossem viver 200 anos. Não tive a chance, alguns estão mortos, alguns vivos, mas não fazem mais sucesso. Nem sei onde estão para fazer o link, para fazer o pedido através de um telefonema, enfim.

Você começou como fotojornalista...

O fotojornalista, sim, comecei com 17, 18 anos, logo depois que servi ao exército. Eu queria ser fotógrafo, meu pai queria que eu fosse militar, mas essa questão de ter que obedecer através de uma continência, quanto à representação do respeito, não está nos atos. Está no louvor de respeitar o outro para ser respeitado. Isso é uma condição íntima, até de uma alternativa de bem viver, de responsabilidade em relação ao exaltar o outro, eu acho. Veio a fotografia, eu namorava a fotografia como exaltação de uma possibilidade de fuga do real, fazendo um tipo de fotografia que não era o que todos exaltavam. Até hoje. Muitas vezes confundem fotojornalismo, foto de ação, com a outra que não é, porque a outra é uma atitude de exaltação fotográfica em relação a uma criação, é uma criação de uma imagem. Eles acham que o cara tem que ser levado no susto, sempre aquele homem correndo atrás do outro com uma faca em riste, é um acidente de avião, um prédio em chamas, pessoas se jogando de todos os andares. O que é isso, cara? Para com isso! Posso até designar que é o verdadeiro fotojornalismo, mas a vida não se concentra só na tragédia. A notícia pode ser de um outro valor, dentro de um outro fator, fotografando de uma forma cultural toda a sociedade.

Claro. E hoje em dia você acompanha o trabalho dos colegas da área? Tem algum ou alguma fotojornalista que tenha lhe chamado atenção pelo trabalho?

Não, hoje não mais. Mas eu vejo os jornais, que estão em desuso, em fim de guerra. O jornalismo impresso, hoje, tem dias contados. Não sei quando vai acabar. Essa coisa hoje da televisão matou... Já matou quando começou. Qualquer um hoje na rua está com esses smartphones, que fazem fotografias, fazem imagens, qualquer um pode fazer essas fotos que assustam. O trabalho com a tíbia fraturada. Essas pessoas vendem, entregam aos jornais. Tanto é que os jornais, hoje, não têm aquele grupo de 'tantos' fotógrafos. Lembro que O Globo, uma coisa de uns 15 anos, ou há 20 anos, tinha 30 fotógrafos. O Jornal do Brasil, no tempo em que trabalhei lá, em 1964, tinha 30.

É possível afirmar que seu trabalho é um dos maiores acervos da diáspora negra no Brasil. Desde que começou a fotografar, esse era o seu interesse?

Não. Eu queria fazer poesia fotográfica. Eu queria trabalhar com a sedução, com a beleza estética, impressionista quase, da pintura francesa. Queria trabalhar com a nossa luz solar esplêndida, embaixo da Linha do Equador. Certamente, em cores. Certamente, se eu fosse um fotógrafo morador lá de um país europeu, lá em cima, que não vê o sol nunca, não seria um fotógrafo de cores. Seria um fotógrafo da iminência do preto e branco, com certeza. Isso se eu quisesse fazer a carreira na fotografia. Se não, não sei o que seria. Gosto muito de escrever, mas escrever a gente morre de fome, né? Fora de escrever, gosto de cozinhar. Gosto muito da psicanálise, acho que se eu tivesse 20 anos seria um cara adepto de Freud, Lacan, e outros dessa área. Ler as almas das pessoas. Ou melhor, fotografar as almas das pessoas.

Atualmente, mais de 260 imagens de sua autoria estão expostas no Instituto Moreira Salles (IMS), em São Paulo. Onde gostaria de ver suas fotos expostas no futuro?

Eu vendi há uns quatro anos todo o meu acervo, 20 mil fotografias, em regime de comodato, sob as ordens e guarda do Instituto, no Rio de Janeiro, na Gávea. A exposição é deles e eles negociam, tanto que ela, certamente, daqui um tempo, sai de lá e vai para as capitais brasileiras. Algumas estão negociando com o Instituto Moreira Salles, certamente vão sair por aí. Brasília, Fortaleza, Rio de Janeiro. Essas com certeza. Gostaria de expor em Salvador, porque amo essa cidade, mas não sei se tem espaço para colocar 267 fotografias. Lá na sede, em São Paulo, são dois andares. Um para cor e outro para preto e branco.

Há diversos livros publicados com suas obras. Há alguma nova publicação a caminho?

Por enquanto não. Essa agora, paralelamente à ação dessa exposição Walter Firmo: No Verbo do Silêncio a Síntese do Grito, tem um livro já publicado. É uma pena que você não possa dar uma olhada nesse livro, tem três artigos de peso de 10, 12 laudas cada um, do curador da mostra, Sergio Burgi; um meu, que gosto de escrever, está lá também; e de uma representante negra, Janaina Damaceno Gomes, da Universidade Estadual do Rio de Janeiro (U

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