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02/01/2023 às 6:00 - há XX semanas | Autor: Marcos Dias

MUITO

Abre Aspas: Ebomi Nice de Iansã

Ebomi Nice conta um pouco para a Revista Muito sobre o seu recem lancado livro O Bailar das Borboletas

Ebomi Nice, liderança religiosa do candomblé
Ebomi Nice, liderança religiosa do candomblé -

No livro Oloyá, Ebomi Nice e o bailar das borboletas, de autoria de Nice Evangelista Espíndola e do antropólogo Vilson Caetano de Sousa Júnior, há muitas vozes que constroem e revelam a trajetória e a importância da Ebomi Nice como liderança religiosa do candomblé, bem como sua atuação em irmandades católicas e na sociedade civil.

Lançado no dia 15 de dezembro, no Museu de Arte Moderna da Bahia (MAM), o livro etno-fotográfico é composto por depoimentos de 50 personalidades que foram tocadas pelos conhecimentos, sabedoria e amorosidade da ebomi (distinção para quem cumpriu todas as obrigações no candomblé).

Filha de santo de Mãe Teté de Iansã (Juliana da Silva Baraúna), no Terreiro da Casa Branca, Ebomi Nice também é consagrada ao orixá Iansã e membro da Irmandade de Nossa Senhora da Boa Morte. “Falar nesse livro é uma emoção porque eu queria um livro diferente. Queria falar da minha ancestralidade com amor, com respeito, relembrar os que passaram por aqui e deixaram uma semente. E essa semente está falando hoje em dia do amor, da grandeza que foram para a gente”, diz ela.

A senhora diz no livro que sua intenção com esse lançamento é “plantar o amor”, pois estava sentindo “o amor muito distante”. O que era esse sentimento?

Eu senti que o amor estava distante pelo procedimento das pessoas em relação ao respeito, à consideração. O amor é uma palavra profunda, porque falar de amor é falar de Deus. Quem fala em amor quer o amor presente. O amor envolve, o amor nos dá vida, nos dá prazer de viver, o amor dá substância a tudo. A minha reflexão no amor é isso: amar, amar e amar. Pedir a Deus que nos dê força para poder prosseguir a vida. Porque sem amor não se vai a lugar nenhum. Então, eu falei da distância do amor porque vejo pessoas que nem falam em Deus, não olham para você e dizem ‘Minha irmã’, ‘Minha irmão’, ‘Meu compadre’, ‘Meu amigo. É a gente ver as pessoas entristecidas, sem darem um ‘Bom dia’, ‘Boa tarde’, ‘Que Deus te abençoe’, ‘Deus te acompanhe’.

O historiador Jaime Sodré (1947-2020) destaca no prefácio do livro que a senhora é “efetivamente, uma postura absoluta de exemplo de Ebomi e fiel do candomblé”. Para a senhora, o que é ser uma ebomi?

Ser uma ebomi é ter consideração, respeitar, ser fiel à sua irmandade, ser fiel à sua casa de candomblé. É a pessoa que pode chegar na sua casa e sabe ir ao orixá para pedir a bênção, se curvar para os irmãos mais velhos, e é ser fiel ao seu terreiro. Mesmo que vá para outro terreiro visitar, o que é bom, é sempre uma aprendizagem, mas sempre estar no seu terreiro, respeitar seus mais velhos, compreender um irmão que possa estar com algum problema, que possa ajudar, isso é o que eu acho que é ser uma ebomi. Uma ebomi é aquela pessoa que já fez as suas obrigações e ainda está lá no seu terreiro, na sua casa de candomblé. Com dedicação, com respeito, saber compreender a dor de outras pessoas, respeitar. Respeitar é respeitar mesmo, saber que a sua ancestralidade já está do outro lado, mas é estar ali com respeito com carinho, isso é que é saber ser uma ebomi. A ebomi não é só aquele de nome, não. A ebomi é aquela que respeita qualquer um em seu terreiro, tem uma palavra de amor e compreensão. “Meu irmão, o que você está precisando, será que eu posso lhe ajudar?”. Tem que olhar para o outro.

A senhora também é da Irmandade da Nossa Senhora da Boa Morte, a Irmandade do Rosário dos Pretos e da Devoção de Santa Bárbara...

A de Nossa Senhora da Ajuda, Nossa Senhora do Amparo, que hoje em dia está na igreja de Nossa Senhora do Monte... Ali em Cachoeira eu sou de quase todas elas, sou da Igreja São Cosme e Damião, sou tambem de Santo Amaro...

O cônego Lázaro Muniz, capelão da Igreja Nossa Senhora do Rosário dos Pretos, considera que a senhora é “alguém que marca profundamente esse sentido a que nós chamamos de dupla pertença, muito mais que sincretismo, e vive com uma singularidade muito especial”. Como as duas tradições, o candomblé e o catolicismo estão na sua vida?

É fácil, é só ter amor. Porque o amor se deve dividir, devemos ter uma palavra de amor para ajudar o outro, é assim. A Irmandade da Boa Morte é uma maravilha, porque ela também atrai a gente que é do candomblé, e é uma irmandade que tem várias mulheres de candomblé. Já tem muitos anos e vem ajudando, porque as mais velhas (que se chamavam partido alto), trabalhavam para libertar escravizados, então, grande amor, não é? Trabalhavam, umas vendiam cocadas, outras vendiam frutas, juntavam aquele dinheiro para libertar as pessoas no tempo da escravidão. Vendiam joias para poder libertar. Assim surgiu essa irmandade, riquíssima de amor e compreensão, para lutar pelos seus irmãos. Nós rezamos para Nossa Senhora, zelamos de Nossa Senhora, temos amor à Boa Morte, fazemos as coisas em benefício das pessoas pelo amor à Boa Morte. Nós somos todas senhoras, cada uma tem um lado forte, o meu lado forte é amor. Acho que o amor é soberano, o amor é uma bênção de Deus. Quando a gente pensa o que é o amor, o amor é eu te dar um pouco de água quando você tem sede, o amor é você cortar um pedaço de pão e dividir, o amor é amar a Deus sobre todas as coisas. Então, a religião do candomblé fala em amor e fala em Deus. A religião do catolicismo fala em amor e em Deus. A gente tem que dividir: um pouco desse amor para o candomblé e também para a religião católica. Porque o meu amor é respeitar a Deus, amar a Deus sobre todas as coisas, e amar as pessoas também. Mesmo que estejam fazendo maus-modos, que seja uma pessoa rude para mim, estou com o amor na frente, porque sou o amor, vivo no amor, eu quero sempre dividir.

Recentemente, a intolerância religiosa vandalizou uma escultura de Mãe Stella de Oxóssi (1925-2018), que inclusive lhe chamava de A Embaixatriz do Candomblé. Como se deve lidar com esse tipo de violência?

Essa intolerância religiosa vem de pessoas que, primeiramente, não têm Deus. Pessoas que não respeitam a si mesmas, quanto mais os outros. São pessoas que querem aparecer de qualquer modo e que, de fato, não têm uma religião em Deus. Infelizmente, não estão preparadas para ter respeito e amor de outras pessoas em cima da Terra. São pessoas que têm que se policiar, acreditar que um Deus existe para que possam respeitar e não atuar agredindo um outro ser. A meu ver, essas pessoas têm que se doutrinar, pedir perdão a Deus, porque é o único que há para pedirem perdão e terem um outro modo de vida e respeito.

As casas de candomblé fecharam durante a pandemia de Covid-19 para evitar contágios. O que a senhora pensava que estava acontecendo com o mundo naquele momento?

Naquele momento, o que eu pensava é que as pessoas não estavam contritas com Deus. O que eu pensei é que pisaram na alma do nosso glorioso Pai. As pessoas, de fato, não estavam preparadas espiritualmente para o que passou. Passou não, porque ainda está aí. É só a pessoas respeitarem e pensar no amor de Deus, acreditar que Deus existe, está pertinho de nós, ter uma compreensão, pedir misericórdia a Deus, e se policiar ao mesmo tempo para que não sejamos atacados. Porque não fui atacada, graças a Deus. Não saía muito de casa para poder ajudar as pessoas também. Acho que foi muito importante a fé, a ternura, a compreensão, orar, orar, orar, pedindo misericórdia a Deus, e não abusar demais, porque teve muito abuso, e isso também foi no mundo inteiro, então, a gente ficou preso dentro de casa para o nosso bem, e as pessoas tinham que acreditar, ter bastante cuidado, higiene e ajudar uns aos outros, mas também a si próprio. Eu agi assim.

Alguns perderam familiares nesse período. Qual a sua compreensão, mãe Nice, sobre a morte?

Quem sou eu para pensar sobre a morte? Eu sou um ser humano como qualquer um. Mas eu, até há uns tempos, mais jovem, tinha um certo medo. Hoje em dia eu penso que a passagem do morto é em outro estágio, é lá em cima onde eu não posso ir nem você, acho que seja assim. A morte chega sem a gente saber, e ela é tão absoluta que chega assim. Mas também ela chega para aqueles que não respeitam e não querem compreender que é uma passagem que você está, mas você ainda não acabou, aí existe a revolta. Mas no meu ver, eu peço licença a morte, peço que Deus permita que ela não venha tão cedo para mim, porque ainda quero trabalhar muito para Deus, ainda quero dar o pão de cada dia para alguém a quem esteja faltando, ainda quero sair daqui de Salvador para Cachoeira levar comida para as pessoas. Apanhar 10, 15 cestas básicas e bater nas portas para entregar: ‘Fulano, você conhece alguém que está necessitado?’. ‘Conheço’. ‘Então, vamos lá!’. Eu peço a Deus porque quero trabalhar ainda mais para Ele. Estou com 80 anos, mas tenho certeza que não vou morrer agora, só depois de 130 anos.

Muitos falam sobre os orixás que vão reger o novo ano. [A entrevista foi feita no dia 22 de dezembro] Isso é algo que diz respeito a todas as pessoas ou a cada terreiro?

Vou dizer para você algo do tempo dos meus antigos. Não se sabe antes, não. Eu tenho que acompanhar os meus mais velhos, a minha ancestralidade. Depois de passar o ano, a gente jogava os búzios para ver qual o orixá que estava respondendo, hoje em dia, não. Hoje em dia a maioria vê antes. Então, isso vai das pessoas. Eu não sou contra e também não sou a favor. Eu sou de acordo com o que os astros falam. Quem é o ser humano para ser mais que a natureza? Tem que ver qual é o orixá que está regendo, tem que ver. Antigamente, era mais fechado, se colocava os búzios, muitos iam até confirmar os búzios, hoje em dia as pessoas já falam sem búzios, sem santo, sem nada. Então, é isso que está tendo, essa reviravolta. Que aguardem a passagem de um orixá para outro, porque Deus, Oxalá, sempre existe. Sempre vai existir Oxalá, nosso Pai, que rege a tudo. Sempre vai ter que estar no meio da gente, então, o orixá, o Pai, é Oxalá, mas existem os outros que ele deixa acompanhar, porque é acompanhar Oxalá. Eu não jogo antes, não digo para você é tal orixá e tal, porque uma hora que os astros joguem as coisas diferentes eu vou passar como mentirosa? Não. Eu acho que tudo tem seu tempo, sua hora e seu dia. A segunda-feira para isso existe: segunda, terça, quarta, quinta, sexta, sábado, e domingo, que é o dia do descanso, o dia da família, na família existem as crianças, existem os orixás infantis, para isso tudo tem que ter um respeito e uma compreensão. Eu acho melhor que as pessoas rezem, eu gosto muito de rezar. Peçam ao glorioso pai, misericordioso, Olodumaré, Orixá Bobô, tem várias qualidades de orixás mais velhos e mais novos, para isso tudo tem um tempo.

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