Menu
Pesquisa
Pesquisa
Busca interna do iBahia
HOME > MUITO

MUITO

Alexander Busch: "As fake news são um instrumento usado por autocratas para corroer as instituições da democracia"

Por Bruna Castelo Branco

09/04/2019 - 9:30 h | Atualizada em 21/01/2021 - 0:00
O jornalista alemão Alexander Busch defende a criação de estratégias de controle para combater as notícias falsas
O jornalista alemão Alexander Busch defende a criação de estratégias de controle para combater as notícias falsas -

Desde que o mundo é mundo existem pessoas empenhadas em criar e espalhar fofoca. Isso não é novidade. A novidade é o que está acontecendo agora, com a chegada do WhatsApp e de outras redes sociais: governos, instituições democráticas e jornalistas estão sendo engolidos pelas fake news, que parecem ter o poder de definir eleições e os rumos de um país. O jornalista econômico Alexander Busch diz que, passado o susto inicial, é preciso criar estratégias de controle. “Vai ter um movimento muito forte nos próximos anos para tirar o poder quase de monopólio dessas grandes empresas que estão divulgando fake news”. Busch nasceu na Alemanha, cresceu na Venezuela e há anos vive por aqui, entre Salvador e São Paulo. É correspondente da revista econômica alemã Wirtschaftswoche, do jornal Handelsblatt, também da terra natal, do jornal Neue Zürcher Zeitung, da Suíça, e tem uma coluna na Deutsche Welle, a Tropiconomia, publicada em português. Ele está na profissão há 25 anos e começou numa época em que as fake news eram mais conhecidas como lorota, fofoca de vizinho, algo com que não precisava se preocupar tanto – nada como o que acontece hoje, tempo em que as notícias falsas têm até 70% mais alcance do que as verdadeiras. Em 2009, escreveu o livro Brasil, País do Presente – O Poder Econômico do ‘Gigante Verde’ (Cultrix). Dez anos depois, acha que as projeções que fez para o país não passaram de sonho. “Empresários que entrevistei, políticos que entrevistei, a metade deles hoje está presa. É uma grande decepção”. À Muito, fala sobre fake news, a crise de imagem do Brasil e da Venezuela e o futuro do jornalismo. Vamos trabalhar para que seja bom.

De acordo com um estudo do Massachusetts Institute of Technology (MIT), notícias falsas se espalham 70% mais rápido do que notícias verdadeiras. Por quê?

Como jornalista, isso é muito simples. É porque, normalmente, elas têm uma verdade muito fácil, têm uma surpresa muito grande, porque fala de coisas que não poderiam ser verdade. Como leitor, chama a atenção. Isso é normal, porque um cachorro que morde uma pessoa é comum, mas uma pessoa que morde um cachorro, todo mundo quer ler. É essa surpresa que chama.

Muitas pessoas realmente não acreditam mais na imprensa, acham que a maioria dos veículos tradicionais são enviesados. O senhor acha que há razão nessa perda de confiança do leitor? Como a imprensa ajudou a formar esse quadro de desconfiança com o jornalismo profissional?

Essa é uma boa pergunta. Nós, jornalistas, também vivemos em um mundo muito fechado. Estamos sempre ali com as nossas fontes, normalmente pessoas que a gente conhece, então, a gente vive dentro do nosso mundo, é difícil se abrir para outra realidade. Por exemplo, na vitória de Trump, nos Estados Unidos, 85% ou 90% dos jornalistas não tiveram esse prognóstico de que ele iria ganhar. Isso mostra muito bem que eles subestimaram o sentimento dos eleitores de grande parte do país. Na Alemanha também. Agora tivemos um grande problema com a Spiegel, a nossa [revista] Veja, mas com um prestígio muito alto. Teve um repórter [Claas Relotius], o repórter mais prestigiado da revista, que fez umas 30 reportagens totalmente inventadas. Eu acho que isso corrói a nossa reputação. E também essa arrogância com o leitor. Há uma necessidade de entender o mundo.

Vai ter um movimento muito forte nos próximos anos para tirar o poder quase de monopólio dessas grandes empresas que estão divulgando fake news.

Uma das maiores redes sociais no Brasil é o WhatsApp, usado por 97 milhões de pessoas, segundo o Datafolha, e é por lá que a maioria das notícias falsas circulam. Como é que a imprensa profissional pode entrar de maneira mais incisiva nessa ferramenta, que é tão importante no Brasil?

Os jornais e os jornalistas estão usando muito o Twitter. Só que, no WhatsApp, os grupos são muito fechados. Hoje em dia, é muito difícil que uma pessoa queira escutar uma voz que divirja da dela; a tendência é escutar somente o que você acha que já é uma opinião certa. Isso é um grande problema nesse momento. Precisamos usar muito mais as mídias sociais, esse é o único caminho que vai ter para conquistar esses leitores que já foram perdidos para as fake news. E a mídia impressa perdeu muito a importância, você vê mais podcasts… Eu, que trabalho para a imprensa, tenho feito mais vídeos pequenos. Faço entrevistas, igual você faz, mas com câmera. É uma coisa que nunca fiz antes, mas é para chamar os jovens que não leem mais jornais, mas estão interessados nessas plataformas digitais.

A gente começou a falar mais sobre fake news nas últimas eleições, mas é uma questão que vem sendo discutida desde a eleição de Trump. Baseado nisso, como você vê a relação entre as redes sociais e a democracia atualmente?

Olha, eu acho que as fake news são um instrumento que está sendo usado por autocratas para semear desconfiança, medo e corroer as instituições de uma democracia. E é um instrumento usado em todo o mundo, não só nos Estados Unidos e no Brasil. Na Europa é muito comum, a Rússia está fazendo muito isso, a Turquia, a Índia... Uma democracia desestabilizada chama os autocratas, uma figura forte. É uma tendência mundial. Na Alemanha, todo dia tem discussão sobre fake news. Será que o Brexit é resultado de fake news? Isso está sendo muito discutido.

Há pesquisadores e jornalistas que dizem que as fake news foram as principais responsáveis pelo resultado das eleições no Brasil. Muitos eleitores consideraram que o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) foi omisso por ter demorado a se pronunciar sobre a divulgação de informações falsas no primeiro turno das últimas eleições. Para o senhor, quais medidas o órgão e outras entidades devem tomar para que isso não se repita?

Não quero tirar a culpa do TSE, mas todas as instâncias do mundo foram surpreendidas pelas fake news. Eles estavam surpresos, é verdade, mas agora têm movimentos muito grandes no mundo nesse sentido. Na Europa, já tem uma lei que vai limitar o acesso de informação do Facebook, WhatsApp... Então, vai ter um movimento muito forte nos próximos anos para tirar o poder quase de monopólio dessas grandes empresas que estão divulgando fake news. Eu acho que está no começo, somos uma democracia e estamos tentando juntar forças para que não aconteça de novo, mas é muito difícil.

E como lidar com isso pós-eleição? As redes sociais estão sendo o maior canal de comunicação do governo. E é por lá, por canais oficiais, que algumas notícias falsas estão sendo difundidas. Há como frear isso? Como a gente vai combater fake news quando o próprio presidente da República costuma disseminá-las?

Isso também é uma tendência mundial, Trump faz a mesma coisa, só dá entrevistas para os meios que ele gosta. Aqui, a mesma coisa, na Índia também. Essa pressão está aumentando para os jornalistas mundialmente. Na Alemanha, tem as emissoras estatais, mas se uma estatal vai em um lugar onde tem muitos da direita, elas têm medo de receber pauladas, é a mesma coisa. Você não tem como obrigar um presidente a não disseminar notícias falsas, o único jeito é criar uma demanda para informações do outro lado, esperando que as pessoas tenham mais interesse nas notícias vindas do jornalismo sério. E tem esse movimento no mundo, o New York Times triplicou o número de leitores em dois anos por causa de Trump. A Economist cresceu muito também por causa disso, porque as pessoas precisam trabalhar com dados, com projeções, precisam de jornais sérios, precisam de jornalistas. Acho que a nossa sobrevivência depende dessa demanda. Se deixar de ter, a gente vai morrer.

Aqui no Brasil, se a gente olha 50 anos para trás, já é muito. Aqui não se dá muito valor para as coisas passadas

O nosso presidente se comunica com a população preferencialmente via redes sociais, não pelo viés mais comum anteriormente, que são os comunicados oficiais, as entrevistas com jornalistas... Que tipos de impacto isso tem para o jornalismo? Como não virar um mero reprodutor de declarações?

Isso é crucial. Acho que esses sites que checam os fatos, se são mentira ou verdade, nem sempre ajudam muito, porque repetem tudo o que foi dito, às vezes coisas absurdas, como comemorar o aniversário da ditadura militar. Mas não vejo outro caminho, é muito difícil, não sei o que pode ser feito. Não repetir tudo o que é dito para não dar espaço a todas essas coisas, ou repetir e esclarecer, achar o contraditório?

Uma das fake news mais fortes das eleições de 2018 foi o kit anti-homofobia. Uma das candidatas mais atacadas foi uma mulher, Manuela D’Ávilla, candidata a vice-presidente. Por que há esse interesse nas pautas moralistas?

É um pouco como a primeira pergunta, coisas humanas sempre interessam às pessoas. As coisas mais perto de você sempre interessam mais, você não quer um relatório sobre um acontecimento. É o que nós, jornalistas, fazemos. Se tem uma matéria seca, complicada, a gente pega uma pessoa, coloca no meio e essa pessoa conta a história. A gente quer falar com gente, quer se comunicar. Essa coisa do humano é mais fácil de chamar a atenção.

Nas eleições, uma das ideias mais propagadas nas redes sociais foi a de que, se a esquerda ganhasse, o Brasil viraria a Venezuela. A esquerda também defendia que, se Bolsonaro ganhasse, o mesmo iria acontecer, por conta do aumento no número de ministros do Supremo. Como o senhor, que cresceu na Venezuela, enxerga esses comentários? São trajetórias comparáveis?

Não, é absurdo. Não sei se é fake news, mas é uma opinião totalmente exagerada. Eu vejo defeitos no governo do Partido dos Trabalhadores (PT) e vejo defeitos agora, neste governo, mas o PT saiu democraticamente, saiu e entregou o poder, não tem nada com Venezuela. Tem corrupção, mas a Justiça estava atrás, a imprensa estava funcionando normalmente. Tem nada a ver. Acho que você vai receber muitas cartas de leitores agora falando “o que esse alemão está falando?”. Eu vejo isso, eu tenho uma coluna na Deutsche Welle em português, às vezes tem cinco mil comentários, uns me chamando de petista, outros me chamando de bolsonarista (risos). Eu escrevi um livro em 2009 sobre o Brasil [Brasil, país do presente, Cultrix] e alguns leitores que falaram: “Ah, você é muito petista”, sabe? Então, tem os dois lados.

Eu acho que uma [Angela] Merkel não iria querer dar a mão para um Bolsonaro. Vai ser como no Chile, onde ele vai e o presidente do Senado não participa do jantar.

Maduro também fala muito que as fake news e a imprensa tradicional internacional estão derrubando o seu governo. E há também relatos de jornalistas ameaçados e que tiveram que fugir do país. Como o senhor enxerga o papel da imprensa na crise política e na crise de imagem da Venezuela?

Vendo no enfoque de fake news, acho que não tem tanta influência. Claro que a direita e a esquerda estão sempre brigando sobre a interpretação da crise. Mas está ficando cada vez mais difícil achar quem apoie Maduro. Sempre tem pessoas que apoiam, sem dúvida, pessoas da esquerda que acham que é isso um socialismo de verdade. Mas eu, sinceramente, acho que na Venezuela não se aplica, porque o desastre econômico e político é tão grande, a corrupção, o cinismo dos que estão no poder é tão grande que você não precisa muito de fake news. Não vejo matérias muito tendenciosas dos dois lados. Pouparam Chávez por muito tempo, e ele, como Lula, fez coisas positivas no início, nem tudo foi ruim. É uma sociedade dividida entre poucos ricos e muitos pobres, então, aí é fácil pensar em uma política para mudar. Mudar isso já é uma grande coisa.

Você foi à Venezuela recentemente, na crise?

Sim, fui há dois anos, sempre vou lá.

E como está lá? É como a imprensa tem mostrado? Maduro diz que há exagero na cobertura.

Acho que é um dos maiores desastres com que já convivi como jornalista. Para mim, como jornalista econômico, o cinismo lá é grande. Você vai numa rua como o corredor da Vitória, uma área burguesa, chique, e vê restaurantes cheios de pessoas tomando vinho, comendo comida francesa, tudo muito caprichado, por um preço de banana, porque eles trocam no mercado clandestino. Nas mansões deles, eles pagam R$ 3 ou R$ 4 por mês de energia, pagam dois ou três centavos para abastecer os carros… Os ricos lá vivem em uma extravagância que é obscena, nunca vi uma coisa assim. E os pobres estão magros, andando nas ruas catando lixo. Isso há dois anos. Imagine isso, pessoas de classe média, que têm uma carreira na universidade, que tinham um apartamento bom, que viajavam para a Europa uma vez por ano, agora estão passando fome. No aniversário, eles ficam felizes quando recebem um quilo de farinha. É impressionante.

Imagem ilustrativa da imagem Alexander Busch: "As fake news são um instrumento usado por autocratas para corroer as instituições da democracia"
| Foto: Raphaël Müller / Ag. A TARDE
Busch vive entre Salvador e São Paulo e em 2009 publicou um livro sobre o Brasil

A gente está vivendo um momento em que fatos históricos estão sendo cada vez mais contestados. Na internet circulam comentários de que o que a história diz sobre a ditadura militar do Brasil é exagero, por exemplo. Até o Holocausto, mesmo com centenas de provas, foi contestado recentemente. É como se a história fosse frágil e ninguém mais confiasse em nada. O que se pode fazer para reverter isso? Tem como?

Posso falar uma coisa mais polêmica? Acho que no Brasil isso vai ser muito difícil. Na Europa, se dá muito prestígio ao passado. Tem muitas pessoas jovens que estudam história. Aqui no Brasil, se a gente olha 50 anos para trás, já é muito. Aqui não se dá muito valor para as coisas passadas, analisar os acontecimentos passados para tirar uma conclusão do hoje. É um país novo, nos Estados Unidos também tem muito disso.

O senhor publicou o livro Brasil, país do presente, em 2009. Na publicação, fala do crescimento econômico do país e da perspectiva de nos tornarmos uma potência mundial. Qual é a sua visão hoje? De 2009 para cá, evoluímos ou regredimos?

O meu livro fez muito sucesso na Alemanha também, foi inclusive traduzido para o chinês. Mas eu acho que, hoje em dia, 10 anos depois, as minhas projeções, a minha esperança que tinha nesse livro, sobre os pontos fortes da economia, da política, da sociedade brasileira, não se confirmou. Acho que foi uma análise que naquele momento estava certa, mas essas coisas que eu achei fortes, como a política, a sociedade, empresas estatais... Empresários que entrevistei, políticos que entrevistei, a metade deles hoje está presa. É uma grande decepção. Eu estou pensando inclusive em fazer um novo livro, mas o mundo gosta de ler sobre o sucesso, e não sei se estamos em um caminho de sucesso nesse momento.

Na sua coluna na Deutsche Welle, o senhor diz que, de uns anos para cá, a imprensa europeia tem perdido o interesse no Brasil. Quando o senhor fala com jornalistas estrangeiros, o que eles perguntam sobre o país? Como está a nossa imagem lá fora?

A pessoa do presidente está chamando muita atenção. Eu nunca tinha visto isso. Por exemplo, na Alemanha, todas as pessoas, independentemente da classe e da conexão com o Brasil, taxista, estudante, o vovô que vive no campo, todo mundo pergunta, “quem é esse cara lá, que está falando essas coisas, essas baboseiras?”. E a imagem do Brasil é muito ruim.

Mas já era ruim, ou você acha que piorou?

Piorou, sem dúvida piorou. Na Alemanha, vamos ter eleições este ano, e em várias províncias a direita também está forte, mas as pessoas não gostam de homofóbicos, de pessoas que desprezam a democracia, de pessoas que falam “vamos fazer uma festa para o golpe de 1964”. Eu acho que vai ser muito difícil para os políticos de lá receberem um Bolsonaro. Eu acho que uma [Angela] Merkel – chanceler federal da Alemanha – não iria querer dar a mão para um Bolsonaro. Vai ser como no Chile, onde ele vai e o presidente do Senado não participa do jantar. O Trump tem a primeira economia do mundo, Bolsonaro tem um país quebrado nesse momento. Se Trump chega em qualquer lugar, tem que falar com ele. Com Bolsonaro tem que falar? Não sei.

Compartilhe essa notícia com seus amigos

Compartilhar no Email Compartilhar no X Compartilhar no Facebook Compartilhar no Whatsapp

Cidadão Repórter

Contribua para o portal com vídeos, áudios e textos sobre o que está acontecendo em seu bairro

ACESSAR

Siga nossas redes

Siga nossas redes

Publicações Relacionadas

A tarde play
O jornalista alemão Alexander Busch defende a criação de estratégias de controle para combater as notícias falsas
Play

Filme sobre o artista visual e cineasta Chico Liberato estreia

O jornalista alemão Alexander Busch defende a criação de estratégias de controle para combater as notícias falsas
Play

A vitrine dos festivais de música para artistas baianos

O jornalista alemão Alexander Busch defende a criação de estratégias de controle para combater as notícias falsas
Play

Estreia do A TARDE Talks dinamiza produções do A TARDE Play

O jornalista alemão Alexander Busch defende a criação de estratégias de controle para combater as notícias falsas
Play

Rir ou não rir: como a pandemia afeta artistas que trabalham com o humor

x

Assine nossa newsletter e receba conteúdos especiais sobre a Bahia

Selecione abaixo temas de sua preferência e receba notificações personalizadas

BAHIA BBB 2024 CULTURA ECONOMIA ENTRETENIMENTO ESPORTES MUNICÍPIOS MÚSICA O CARRASCO POLÍTICA