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Andrea Barral: "Ronco é sinal de que alguma coisa está errada na respiração"

Por Bruna Castelo Branco | Foto: Raul Spinassé | Ag. A TARDE

15/01/2019 - 9:00 h
Andrea Barral é pneumologista e especialista em medicina do sono
Andrea Barral é pneumologista e especialista em medicina do sono -

São inúmeros os conselhos que quem diz não conseguir dormir bem recebe por aí: tomar um chazinho de camomila, evitar café, fazer leituras noturnas, ir à academia à noite, tomar um calmante, rezar… Mas, como se pode imaginar, nem todos funcionam ou fazem bem à saúde – alguns têm até efeito contrário. A pneumologista Andrea Barral, do Instituto Cardio Pulmonar, especialista em medicina do sono, explica que os distúrbios do sono são inúmeros e estão divididos em seis grandes grupos: o dos que dormem pouco (insones, por exemplo), o dos que dormem muito; o dos que têm distúrbios respiratórios do sono; os que têm ciclos alterados, ou seja, problemas no ritmo circadiano (trabalhadores de turno podem ter); os que se movimentam à noite (quem tem bruxismo, por exemplo); e as parassonias, ou seja, distúrbios próprios das faixas etárias. Só a insônia, um dos mais conhecidos, atinge cerca de 73 milhões de brasileiros – e o número só aumenta. Os idosos são os mais atingidos: hoje, 46% deles têm o diagnóstico. “Cada caso é um caso, mas hoje temos uma rotina mais agitada, muito stress, ansiedade, mais distrações também, computador, tablet, essas telas”, diz ela. À Muito, a médica fala sobre doenças do sono, hábitos que atrapalham na hora de dormir e dá dicas para se ter uma noite melhor.

Atualmente, 73 milhões de brasileiros sofrem de insônia. O que caracteriza o distúrbio?

A insônia é, de fato, entre os principais distúrbios do sono, o mais frequente. Em seguida está o mais conhecido, que é a apneia. Em relação à insônia, tem trabalho anunciando que em torno de 40% da população têm alguma queixa. Ela tem diversos tipos: uma dificuldade para iniciar o sono, para manter, ou um sono fragmentado, e um despertar precoce associado àquela sensação de que o sono não foi reparador. Está extremamente associada à ansiedade, depressão, stress do dia a dia, a rotina que a gente tem com horários irregulares. É importante que a pessoa tenha disciplina e regularidade no sono. Dormir e acordar mais ou menos na mesma hora é o melhor para o organismo. E aquela pessoa, na vida atribulada que a gente tem, trabalha de dia, de tarde, ainda pela noite, dorme tarde alguns dias, fica com essa irregularidade. E isso pode ser também um fator, principalmente para os trabalhadores de turno.

Há pesquisas que indicam que o brilho da tela do celular, principalmente se usado um pouco antes da hora de dormir, atrapalha o sono. É por isso que o número de pessoas com distúrbios do sono tem aumentado?

Aí seria o que a gente chama de um outro grupo de distúrbio do sono, que é o distúrbio no ritmo circadiano. Um exemplo: se a pessoa dorme em torno de 22h e acorda às 6h, um adulto jovem precisa de 8h de sono. Para dormir, a gente produz o nosso próprio hormônio do sono, que é a melatonina, e ela é liberada no escuro total. Então, enquanto existir um estímulo visual, a televisão, celular, um tablet, um computador, qualquer estímulo visual, isso vai atrasar a liberação do hormônio do sono. A pessoa só vai começar a liberar a melatonina quando estiver no escuro total. Então, aquele adolescente, aquela criança, qualquer pessoa que vá para a cama e tenha uma televisão no quarto, que vá para a cama com o celular, esse estímulo atrasa a liberação do hormônio do sono e acaba atrasando o horário de iniciar o sono. A gente chama de atraso de fase do sono. Se fosse permitido a essa pessoa acordar mais tarde, por exemplo, se ela atrasa em duas horas e, ao invés de dormir às 22h, dormir à meia noite, a ideia seria que ela pudesse, ao invés de despertar às 6h, despertar às 8h. Mas isso não é permitido por questões sociais, escola, trabalho… Então, a pessoa atrasa o sono e reduz o número de horas dormindo, ou seja, é uma privação do sono. E isso se torna crônico. O grande problema hoje é a privação parcial de sono, mas de forma crônica. E que gera consequências diurnas. A principal consequência é você ter sonolência excessiva durante o dia. E gera riscos de acidentes de trânsito, porque causa também um déficit de atenção, de concentração.

Então, é qualquer luz, não apenas o celular?

Sim, qualquer estímulo visual. A questão é que a pessoa acha que bota naquele modo de tela mais escura no celular, mais alaranjada, e está isenta desse efeito. Mas não, tem o estímulo. A campanha do Dia Mundial do Sono de 2017 foi exatamente essa, voltada para os adolescentes. O grande problema é esse, o adolescente tem acesso a celulares, tablets, essas telas todas, e dorme cada vez menos. Já há trabalhos mostrando que os adolescentes na mesma faixa etária de hoje dormem quase uma hora a menos do que os de dez anos atrás. E aí pode piorar na escola por conta do déficit de atenção, dificuldade de aprendizado, enfim.

Além disso, 46% dos idosos têm insônia no Brasil. Há relação entre o distúrbio e o envelhecimento?

O número de horas de sono varia de acordo com a faixa etária. Um recém-nascido pode chegar a dormir em torno de 16h por dia. Um sono fragmentado, em que ele acorda, dorme, come, mas, somando o total de sono, pode chegar a 16h. Esse número vai se reduzindo ao longo da vida, e vai se reduzindo ainda mais na velhice. A gente não espera que um idoso de 80 anos durma por 8h igual a um adulto jovem. Passa a ser 6h, 7h de sono. E o que acontece é que essas horas são contadas nas 24h do dia. Então, se você pega um idoso de 80 anos que deveria ter 6h de sono, mas que não trabalha, não tem atividades, e que cochila durante o dia, ele já está roubando as horas do sono da noite. Se ele cochila 1h pela manhã, 1h pela tarde, já são menos duas. Só sobram 4h para a noite. Na realidade, precisa ser avaliado se é realmente uma insônia ou uma irregularidade no ciclo do sono. É preciso um questionário bem específico para a faixa etária para definir o que é.

Às vezes, há não-especialistas que indicam remédio e não identificam a causa. O paciente vai ficar na necessidade da medicação

Uma pesquisa do Datafolha aponta ainda que o número de idosos com problemas no sono tem crescido nos últimos anos. Em 2008, 68% deles diziam que tinham um sono bom ou ótimo. Em 2017, esse número caiu para 54%. No mesmo período, a quantidade dos que classificam a qualidade do sono como ruim e péssimo também aumentou: foi de 10% a 15%. A que a senhora atribui essas estatísticas?

São diversos motivos. Se a gente for pegar a insônia, como eu disse, pode ter relação com ansiedade, stress, depressão. Se você pensar em apneia, a obesidade crescente, que é uma das principais causas do distúrbio, colabora para o aumento da prevalência dessa doença. Se a gente for pegar em estudos anteriores, a prevalência da apneia era em torno de 3% ou 4%, na década de 1980. Hoje em dia, chegou a cerca de 33% na cidade de São Paulo – onde o estudo foi feito. Houve um grande aumento. Além da obesidade, rinite e outras alergias respiratórias contribuem para isso.

A mesma pesquisa aponta que mulheres sofrem mais com distúrbios do sono. As queixas de sono ruim ou péssimo chegam a ser 50% maiores do que a dos homens. É uma questão ligada ao gênero?

Isso depende de qual patologia do sono você está falando. Se estiver falando de apneia, não, nas mulheres a prevalência é menor do que nos homens. Os homens roncam mais do que as mulheres, porque as mulheres são protegidas pelos hormônios femininos. Há trabalhos que comparam mulheres pré-menopausadas e pós-menopausadas. As mulheres pós-menopausadas passam a roncar mais e têm maior chance de ter apneia pela queda dos hormônios femininos. Então, se você for falar por distúrbio do sono, varia. Na apneia não, a prevalência é maior nos homens.

Também há uma indicação de que pessoas de baixa renda têm mais problemas para dormir. O que conecta renda e distúrbios do sono?

Quando você fala em questão de renda, se fala mais de um ambiente propício ao sono, que é o que ajuda a dar qualidade ao sono. Um quarto adequado, confortável, onde não tem muitas pessoas dormindo no mesmo ambiente, cada criança deve dormir no seu quarto, dependendo da faixa etária... então, penso que essa diferença seja por conta da falta de um ambiente adequado, chegar tarde por conta do deslocamento do trabalho, reduzindo o número de horas de sono. Tem também a alimentação, a gente sabe que não se deve comer uma refeição pesada à noite, tem que ser mais leve.

Há especialistas que dizem que estamos enfrentando uma epidemia de uso de remédios para dormir. A senhora concorda?

Assim, muitas pessoas às vezes acham que usar o remédio é mais fácil. Mas é muito mais eficaz a pessoa mudar a rotina de sono e melhorar o ambiente de dormir. O que é um pouco mais difícil, porque você tem de mudar a sua rotina de vida. Fazer uma atividade física é importante, mas tem que fazer durante a luz do dia. Ter um ambiente correto para dormir, um quarto confortável com baixa luminosidade, não levar o celular, ver televisão… criar novas rotinas. Então, se uma pessoa tem queixa de insônia, você faz um questionário e você vai ver. Por isso, o médico do sono é importante, você vai no especialista que vai saber identificar o que pode estar levando a essa dificuldade para dormir, que vai tentar resolver a situação para não precisar do medicamento. Às vezes, há não-especialistas que indicam o remédio e não identificam o que está causando o distúrbio. E aí o paciente vai ficar na necessidade crônica da medicação. Mas se, de fato, o especialista tentou fazer tudo e não achou o motivo, aí sim, depois de ter feito toda uma mudança na rotina, a gente pode usar a medicação.

Fisiologicamente, o medicamento dá um sono mais reparador?

Depende do medicamento. Existem medicamentos que podem ser utilizados, mas existem outros, os tarja-preta, que são remédios que alteram a qualidade do sono. O especialista é quem vai saber indicar para cada caso o que pode ou não ser usado, dependendo da faixa etária também.

Há diversos trabalhos mostrando que doenças cardiovasculares, como hipertensão, estão associadas ao ronco, à apneia

Em geral, a sociedade já conhece as principais características da insônia. Por isso, deve ser mais fácil para o paciente notar os sintomas e buscar ajuda. Há distúrbios também sérios, mas pouco diagnosticados pela dificuldade das pessoas em perceber o problema?

Na medicina do sono, a gente tem seis grandes grupos de distúrbios. O primeiro, digamos, é o da insônia. O segundo grupo seria o inverso da insônia, a hipersonolência. Existem distúrbios do sono em que a pessoa dorme demais. Deve ser investigado também. O terceiro grupo é o dos distúrbios respiratórios do sono. A apneia está nesse grupo, a hipoventilação do sono... O quarto grupo é o dos distúrbios do ritmo circadiano. Alterar os ciclos do sono, atrasar as fases, o jet lag, alterações de fuso. O quinto são os distúrbios de movimento. Tem o bruxismo, que é o ranger dos dentes, tem pacientes que têm movimentos periódicos de pernas ou a síndrome das pernas inquietas, que são movimentos que podem atrapalhar a qualidade do sono. E o sexto seriam as parassonias, que variam com a faixa etária. Nas crianças tem o terror noturno, o despertar confusional, o sonambulismo, falar dormindo. Nos idosos pode ter o distúrbio comportamental do sono REM (movimento rápido dos olhos, o sono dos sonhos). É quando a pessoa sonha e realiza os movimentos do sonho porque a musculatura não estava relaxada. A pessoa pode se machucar, bater um braço, cair da cama. E vários acabam sendo subnotificados. A pessoa, às vezes, fala: “Aquele ronco é normal”. Ronco não é normal. Ronco é sinal de que alguma coisa está errada na respiração. Falar dormindo também não é normal. Movimentar muito as pernas, bater as pernas. Muitas vezes, um clínico que tem uma visão mais aguçada identifica o problema e encaminha para um médico do sono. Quando o paciente já vai para o especialista é porque alguém encaminhou ou ele leu, ouviu sobre o assunto. Muitas vezes, as pessoas acham que falar, sentar na cama dormindo, se mexer muito, não tem grande problema. Como as pessoas não têm muito conhecimento sobre isso, às vezes passa despercebido. Muito frequente é o ronco. Várias pessoas chegam dizendo “ah, eu não ronco”, ou acha que o ronco é normal, mas o companheiro de quarto acaba levando, ou o cardiologista encaminha. Há diversos trabalhos mostrando que doenças cardiovasculares, como hipertensão, estão associadas ao ronco, à apneia. A gente sabe que aquela pessoa que tem apneia do sono grave, não tratada, pode desenvolver problemas cardíacos. Entre eles, a hipertensão. O cardiologista vê aquela hipertensão de difícil controle e acaba perguntando sobre o sono. Quando identifica, encaminha ao especialista.

Em 2017, Sociedade Brasileira do Sono escreveu um manifesto sobre o horário do começo das aulas nas escolas. A recomendação é que iniciem às 8h30, e não às 7h, como acontece hoje no Brasil. O fato de ainda não seguirmos esse modelo pode estar ligado ao aumento de doenças como ansiedade e depressão entre adolescentes em idade escolar?

A Sociedade Brasileira do Sono sugere que as escolas comecem um pouco mais tarde porque as crianças, e principalmente os adolescentes, têm essa dificuldade de despertar cedo. Mas a ideia nunca foi somente começar mais tarde. A partir do momento em que a criança tem a possibilidade de acordar mais tarde porque as aulas começam mais tarde, se ela não tiver uma orientação e um controle também da hora de iniciar o sono, talvez ela fique mais livre para dormir mais tarde, o que não vai resolver problema nenhum. O objetivo de começar a escola em outro horário é aumentar o número de horas de sono. Esse manifesto foi entregue junto com a orientação de manter um número ideal de sono para cada faixa etária, e não atrasando mais o início do sono, que aí não iria adiantar. Tem também essa questão da logística nas escolas públicas do Brasil. Nos Estados Unidos, as aulas começam mais tarde, mas são em tempo integral, vão até às 15h, 16h. Mas, aqui, a gente tem dois turnos. Então, como é que isso seria feito? E, sim, a privação de sono está ligada ao aumento de ansiedade, de depressão. Quando a pessoa dorme menos, fica com maior irritabilidade, mais dificuldade de concentração.

Quando o problema no sono é causado apenas por fatores externos, como o paciente não ter um local silencioso ou confortável para dormir, algo que o médico não consiga mudar, como é tratado?

Então, se a gente não pode atuar no fator causal, acaba se utilizando remédio, mas é algo que precisa ser acordado com o paciente. Por exemplo, há pessoas que estudam à noite e trabalham durante o dia. Durante esse período em que não tem jeito, vai dormir menos, tudo bem o medicamento. Mas, assim que terminar esse período, tem que tentar resolver, fazer algo para que não seja eterno. Nem os medicamentos indutores do sono, nem os medicamentos estimulantes, que também poderiam ser usados nesses casos.

Há pessoas que consomem álcool antes de dormir para relaxar e pegar no sono mais rápido. Isso prejudica o sono?

Com certeza, a ingestão de álcool não deve ser feita perto da hora de dormir, principalmente os pacientes que têm apneia do sono. O álcool é relaxante muscular, ele vai piorar o ronco e piorar a apneia do sono. A pessoa vai acabar dormindo, mas com a qualidade pior.

A leitura ajuda a dormir?

Sim, há várias orientações em relação à higiene do sono, e uma delas seria essa, fazer uma leitura. Mas, na grande maioria das vezes, a gente orienta que não seja, por exemplo, no ambiente do quarto, para que o quarto seja reservado para o sono. Essa preparação, esse relaxamento de meia horinha, deve ser feito fora desse ambiente. E pode se fazer uma leitura curta, não um livro que você tenha um interesse e não queira parar de ler, que aí atrasa.

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