Menu
Pesquisa
Pesquisa
Busca interna do iBahia
HOME > MUITO

MUITO

"As condições culturais moldam a nossa saúde"

Por Kátia Borges

04/09/2017 - 9:29 h
O neuropsicólogo Mario Martinez defende que a longevidade pode ser aprendida
O neuropsicólogo Mario Martinez defende que a longevidade pode ser aprendida -

São as premissas culturais, muito mais que a influência puramente genética, que regulam a nossa saúde e definem quanto, e com que qualidade, podemos viver. “A longevidade pode ser culturalmente aprendida, e qualquer pessoa, em qualquer idade, pode adquirir uma consciência centenária”. A ideia – que vai na contramão da maioria dos estudos científicos – tem sido a base dos três livros lançados pelo neuropsicólogo norte-americano Mario Martinez – The Mind Body Self: How the Longevity is Culturally Learned and the Causes of Health are Inherited; The Mind Body Code: How to Change the Beliefs that Limits your Health e Longevity and Success –, todos best-sellers nos Estados Unidos e ainda não traduzidos para o português. Este mês, entre os dias 20 e 25, ele estará em Salvador, no auditório do Sheraton da Bahia Hotel, para falar sobre as suas pesquisas durante um workshop, que já passou por São Paulo, Londrina e Curitiba. Nesta entrevista exclusiva para Muito, Martinez fala sobre a teoria biocognitiva, criada por ele e que deu origem ao Biocognitive Science Institut, as doenças que são “fabricadas” e aprendidas pelo ser humano e como as denominações culturais podem afetar o modo como o nosso organismo reage às circunstâncias. Especialista, mundialmente reconhecido, em estigmatas – pessoas que apresentam no corpo as chagas de Jesus Cristo –, Martinez fala também sobre como a religiosidade parece proteger o sistema imunológico dos estigmatas, cujas feridas não costumam ser acompanhadas pelas reações orgânicas que normalmente seriam esperadas nesses casos.

Como a cultura e os processos mentais podem afetar o funcionamento do corpo humano?

Desde o momento em que somos concebidos, somos afetados pelas nossas crenças culturais. A mãe afeta, primeiramente, a biologia do feto, e, posteriormente, a realidade cultural coletiva continua afetando e moldando a nossa biologia. O cérebro percebe o mundo de acordo com as nossas interpretações culturais, e até nossas expressões genéticas diferem, baseadas em interpretações culturais do mundo. Antropologicamente, a verdade é que nascemos e crescemos dentro de “tribos” e, para termos um senso de pertencimento, compartilhamos os mesmos pensamentos, vivências, aspirações e expectativas.

O senhor defende que as doenças são aprendidas pelas pessoas. Como manter-se imune?

A biocognição estuda as causas da saúde no processo do envelhecimento, ao invés de concentrar-se nas patologias. Não nego que, em muitas doenças, exista de fato o fator bioquímico, traumático e mecânico, porém proponho que entendamos o componente de coautoria mente-corpo associada aos componentes culturais que a psicoimunoneurociência já há tanto tempo evidencia.

Em sua opinião, de que modo os médicos ocidentais deveriam abordar a saúde e a doença?

Acredito que eles necessitam de maior treinamento em psicologia cultural e em psiconeuroimunologia a fim de entender que os seus pacientes são seres culturais e requerem mais do que intervenções mecânicas. Eles deveriam entender que a nossa biologia responde às crenças culturais e não somente a um conjunto de regras mecânicas. A cultura estabelece portais que definem como experenciamos a passagem do tempo. Proponho que novas pesquisas incluam o componente cultural.

A autocura não é um processo intelectual e tampouco é atingida por meio de autoafirmações. Requer uma mudança de consciência

Em que consiste a teoria biocognitiva?

Ela é o link que faltava na ciência do mente-corpo. Ela traz o contexto cultural na comunicação entre a mente e o corpo. Ela explica, através de relatos científicos, como as crenças culturais podem afetar fisicamente a nossa saúde, positiva e negativamente. Pesquisas em neurociência cultural consistentemente mostram que são as crenças compartilhadas que esculpem a nossa percepção do mundo. No meu mais recente livro, The MindBody Self, explico como essa percepção é aprendida, a partir das nossas crenças culturais, através de “editores culturais” – pessoas em nosso meio com poder contextualizado –, e como os símbolos tornam-se biossímbolos, que é quando a nossa biologia assimila os seus significados. .

O senhor estudou os estigmatas – pessoas que possuem no corpo as chagas de Jesus Cristo. O que o levou a se interessar por esse assunto?

O fenômeno estigmata é um excelente exemplo de como a cultura pode influenciar a biologia. Culturalmente, 99% dos estigmatas são católicos, altamente religiosos, e veem suas feridas como um presente de Deus. Eu sou considerado, mundialmente, um expert nesse assunto e já investiguei, como cientista, casos de extrema raridade para a igreja católica, tanto para a rede de televisão BBC quanto para o canal National Geografic. Essas feridas não saram, não se infectam e não são autoinfligidas. Um caso que investiguei para a National Geografic, por exemplo, envolve uma mulher que possuía uma ferida na testa em formato de cruz. Esse foi o primeiro caso na história de estigmatas em que fomos capazes de testar como o sistema imune estava respondendo. Para a nossa surpresa, não encontramos manifestações nos níveis de hormônios de estresse, inflamação ou anticorpos. Em outras palavras, o sistema imune estava funcionando normalmente como se nada estivesse acontecendo.

O senhor fala sobre o potencial de cura de casa ser humano, mas não seria injusto colocar sobre os ombros do paciente essa expectativa e desafio?

A autocura não é um processo intelectual e tampouco é atingida por meio de autoafirmações. Requer uma mudança de consciência que faz com que as doenças se tornem incompatíveis com a biologia disfuncional. Os métodos são experimentais, trabalham a incorporação da mente e do corpo a fim de quebrar paradigmas. Uma das áreas mais promissoras da pesquisa neurocultural é baseada numa questão simples: se uma doença causa déficits em áreas específicas do cérebro, o que aconteceria se o cérebro pudesse ser ensinado a melhorar a sua função nessas áreas? Na minha prática clínica, desenvolvi um método que é baseado em dois fatores: a adaptação cultural do cérebro (plasticidade influenciada pela cultura) e o relacionamento com o sistema imune. Embora tenhamos herdado as causas da saúde, necessitamos engajá-las em contextos adequados.

Muitos falam que algumas pessoas criam suas próprias doenças, por exemplo.

Sim. Mas penso que nunca deveríamos culpar o paciente. Existe de fato um componente aprendido que pode aumentar a probabilidade de desenvolver doenças. E isso pode ser prevenido e, em alguns casos, revertido. Uma pessoa que vive em tristeza ou no medo está, cronicamente, secretando hormônios de estresse (cortisol, epinefrina e noraepinefrina), que diminuem a função do sistema imune, levando agentes patógenos e genes patológicos a se instalarem sem que tenha uma proteção desse sistema.

Tem havido crescimento no número de casos de depressão, tratados geralmente com medicamentos. A que podemos atribuir esse crescimento?

Muitas pessoas, hoje em dia, estão vivendo uma vida sem muito significado e sem laços familiares. A internet tem tomado a função dos avós. Levou aproximadamente 150 mil anos para o Homo Sapiens refinar-se, para que nos tornássemos mais saudáveis, mas as gerações mais modernas estão interrompendo esse processo. A depressão é uma das desordens mais medicadas nos EUA. No entanto, o modus operandi da serotonina na depressão é questionável. Há evidências de que uma inflamação possa ser a causa, e ela pode ser ativada por sentimentos de desamparo. O coletivismo versus o individualismo é um fator importante que continua a demonstrar significativa diferença no modo como os genes expressam ou suprimem doenças. Estudos em neurociência cultural ilustram como as culturas afetam a expressão dos genes responsáveis pela depressão clínica. Mas, veja bem, não é porque um gene particular é expressado em casos de depressão que a causa é 100% genética.

O que o senhor pensa sobre o modo como algumas pessoas lidam com a herança genética e as doenças que ela pode estimular no organismo?

As doenças familiares são apenas propensões e não uma sentença genética. Na biocognição estudamos os “outliers” nas famílias: os membros da família que não desenvolveram as doenças familiares. No meu livro mostro evidências que desmistificam a noção de que as doenças familiares são uma sentença genética na nossa vida. Pesquisas recentes mostram que a maneira que genes expressam doenças ou saúde tem muito mais a ver com as crenças culturais do que com a genética. Por exemplo, em minhas pesquisas com centenários saudáveis, observei os mesmos resultados que os pioneiros no conceito de crescimento pós-traumático (PTG), Lawrence Calhoun e Richard Tedeschi, relataram : as pessoas que se encaixam no perfil PTG mostram mudanças em três áreas em sua vida após lidar ou não com adversidades: 1. mudanças pessoais, 2. mudanças interpessoais, 3. mudanças na filosofia da vida. Muitos falam sobre as causas das doenças, mas que tal falarmos sobre as causas da saúde?

Há algumas doenças novas, que vão surgindo, ganhando nomes e que, ao longo dos anos, acabam por desaparecer sem deixar rastros. Fabricamos doenças e doentes?

Muitas dessas “doenças” são condições naturais relacionadas a padrões de superação, disfuncionais, e não doenças biológicas propriamente. Por exemplo, o transtorno de déficit de atenção e a hiperatividade. Em muitos graus não é um déficit nem um transtorno. Muitas vezes é apenas uma abundância de curiosidade. Mesmo assim, crianças têm sido perigosamente medicadas para tratar uma condição como essa, pelo fato de os pais não saberem controlar aquele excesso de curiosidade. A cultura digital interfere nos rituais familiares, que exercem grande importância no aumento da função imune. Além disso, outras doenças relacionadas com o estresse, como as desordens gastrointestinais e a hipertensão, também estão associadas ao estilo de vida e às pressões do dia a dia.

Compartilhe essa notícia com seus amigos

Compartilhar no Email Compartilhar no X Compartilhar no Facebook Compartilhar no Whatsapp

Cidadão Repórter

Contribua para o portal com vídeos, áudios e textos sobre o que está acontecendo em seu bairro

ACESSAR

Siga nossas redes

Siga nossas redes

Publicações Relacionadas

A tarde play
O neuropsicólogo Mario Martinez defende que a longevidade pode ser aprendida
Play

Filme sobre o artista visual e cineasta Chico Liberato estreia

O neuropsicólogo Mario Martinez defende que a longevidade pode ser aprendida
Play

A vitrine dos festivais de música para artistas baianos

O neuropsicólogo Mario Martinez defende que a longevidade pode ser aprendida
Play

Estreia do A TARDE Talks dinamiza produções do A TARDE Play

O neuropsicólogo Mario Martinez defende que a longevidade pode ser aprendida
Play

Rir ou não rir: como a pandemia afeta artistas que trabalham com o humor

x

Assine nossa newsletter e receba conteúdos especiais sobre a Bahia

Selecione abaixo temas de sua preferência e receba notificações personalizadas

BAHIA BBB 2024 CULTURA ECONOMIA ENTRETENIMENTO ESPORTES MUNICÍPIOS MÚSICA O CARRASCO POLÍTICA