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12/09/2021 às 6:00 - há XX semanas | Autor: Gilson Jorge

MUITO

Av. Sete espelha ânimos dos soteropolitanos com o retorno ao convívio social

Foto: Rafael Martins | Ag. A TARD
Foto: Rafael Martins | Ag. A TARD -

O homem que tem algo entre 70 e 80 anos de idade anda com certa dificuldade pela calçada da Avenida Sete, entre o Rosário e a Piedade, esbravejando algo de política.

Não dá para discernir se contra ou a favor, mas pronuncia em alta voz o nome do presidente com certa animosidade, enquanto detém-se brevemente nas proximidades da agência do Banco do Brasil, e menciona as manifestações do Sete de Setembro, erguendo com o braço direito a sua muleta, essa sim sua aliada indiscutível.

Há muitos idosos entrando e saindo da agência. É o dia 8 de setembro, dia de pagamento dos aposentados e pensionistas do INSS cujos benefícios têm final 0. É o primeiro dia útil depois do feriado que dá nome a uma das avenidas mais tradicionais de Salvador.

Agências bancárias existem em todos os cantos da cidade, mas nenhum logradouro tem o mesmo apelo da Avenida Sete para quem precisa pagar contas, encarar fila para entrar numa loja de artigos que custam menos de R$ 10 ou se engajar numa manifestação política.

Logo em frente à agência há uma mulher sentada em um banco, cabelos louros com alguns fios grisalhos, jaleco branco e um tensiômetro.

Há mais de 10 anos, a técnica de enfermagem Lívia Bacelar ganha algum dinheiro medindo a pressão arterial e a glicemia de transeuntes. Além de sentir o pulsar das ruas.

“Há muita gente com depressão desde que começou a pandemia”, relata Lívia, enquanto o braço esquerdo de um cliente apoia-se sobre uma toalha branca posta sobre a mesinha na qual se lê, bordada em dourado, a frase “Jesus te ama”.

Óticas

Voz suave, Lívia disputa os ouvidos de idosos e de seus familiares que trafegam pelo centro com motores de automóveis, carros de som e jovens que se esgoelam anunciando empréstimos ou perguntando se é ótica que você está procurando.

A próxima cliente de Lívia procura uma farmácia, na verdade. Aproxima o seu rosto da interlocutora, abre a palma da mão direita perto do ouvido e franze a testa para escutar que na rua que dá acesso à Estação da Lapa, a Coqueiros da Piedade, ela pode encontrar o remédio que lhe foi receitado pelo médico.

Lívia anota 12 por 8 em um papelzinho fotocopiado com dicas de alimentação saudável, o entrega para a cliente e recebe os R$ 2 cobrados pelo exame. Nos parcos minutos de interação, antes que apareçam novos clientes, Lívia também ouve desabafos e dá conselhos. No caso da senhora que buscava a farmácia, faltou talvez recomendar que tivesse cuidado com seus pertences no caminho.

Minutos depois, e um pouco mais adiante, na Praça da Piedade, passaria um homem correndo em direção à Rua Carlos Gomes. Calça preta, tênis pretos, foi a descrição do acusado de um roubo feita a uma dupla de policiais, que estacionou a viatura na contramão, em frente ao ponto de ônibus da Rua Direita da Piedade para acudir um estudante adolescente da rede pública que estava sentado em um banco, com o rosto ensanguentado, após ser agredido pelo homem que levou o seu celular.

A explosão da violência urbana afetou em cheio a Praça da Piedade, num crescente que vem desde o fim da década de 1980. Segundo dados do artigo acadêmico Violência em Salvador e as formas de enfrentamento, das professoras Ana Elisabeth Brandão, Heloniza Costa, Maria Eunice Xavier e Tânia Cordeiro, em 1989 as mortes violentas, incluindo homicídios e acidentes de trânsito, passaram a ser a segunda causa de óbitos na capital, atrás apenas de problemas cardiovasculares.

Na Avenida Sete, assassinatos brutais como o do chaveiro Nelson Mendes, morto a pauladas por um usuário de drogas em 2018, não são frequentes. Mas são outros tempos. Os idosos que frequentavam a Praça da Piedade também andam reclusos, em boa parte. Não só pela pandemia e pela insegurança.

Afinal, há tempos não existe mais a linha Barra-Praça da Sé, da Viação Rio Vermelho, que após o almoço vinha até com metade da lotação ocupada por idosos, aproveitando a gratuidade para passear e sociabilizar nos bancos de cimento próximos ao gradil feito por Carybé.

Antes que os smartphones fossem inventados, que alguém corresse risco de vida por um aparelhinho desses, a Praça da Piedade era o epicentro soteropolitano dos lambe-lambes – os fotógrafos de rua que enfiavam a cabeça e os dois braços em um saco preto onde a câmera se protegia da luz e puxava o cordão para registrar o momento. Era assim que se faziam os retratos 3x4 que ilustrariam carteiras de identidade, carteiras de trabalho e crachás.

Meca da burocracia

Durante muitos anos, o Edifício Fundação Politécnica, no Relógio de São Pedro, foi a meca da burocracia, com um cartório gigantesco no segundo andar do prédio, onde hoje funciona uma clínica popular.

Era preciso chegar antes do sol nascer para garantir um lugar entre os primeiros à frente do portão e comprar um mingau de milho ou tapioca para se segurar até o fim da manhã quando, com sorte, as fotocópias de documentos exigidos pelas empresas, universidades e órgãos públicos fossem todas autenticadas e, quando fosse o caso, as firmas reconhecidas.

A depender do tempo e dinheiro gastos, valia a pena uma autorecompensa pelo sucesso da empreitada burocrática com uma fatia de torta de tapioca na Savoy, lanchonete inaugurada em 1975 que resiste ao tempo.

Desde a janela do segundo andar do prédio da Fundação Politécnica, se ouve a voz de Lauro Cerqueira ecoando no Relógio de São Pedro. Uma caixa de som amplifica as palavras proferidas aparentemente sem grande esforço, mas com muita convicção através de um microfone headset, desses usados por operadores de telemarketing.

Lauro está nas ruas, trabalhando, desde criança. Vendia em princípio bobes, misses e outros pequenos artigos do mercado popular de embelezamento.

Com o passar do tempo, mudaram os hábitos de consumo, surgiram os shoppings Piedade e Lapa e a necessidade de renovação atingiu também o mercado ambulante. Lauro agora vende artigos engenhosos, como um amolador de tesouras.

“Quando a tesoura ficar cega, não precisa comprar uma nova. Basta amolar”, anuncia com o entusiasmo digno de autor do invento. Mas ele está só defendendo o seu ganha-pão.

Perto das Mercês, outro rapaz tenta enaltecer o mesmo produto feito na China, cabisbaixo e com uma voz abafada pelo som ambiente.

Lojas de departamento que eram o abrigo da classe média antes da disseminação dos shoppings, como a Mesbla e a Lobras, deram espaço a lojas de produtos chineses cujas câmeras de segurança, muitas vezes, são os olhos de um funcionário sentado em uma cadeira colocada a quase dois metros de altura, de onde vigia a movimentação dos clientes.

Não há na Avenida Sete chineses defendendo de viva voz os artigos feitos em seu país. Em muitas lojas administradas por orientais, aliás, eles quase não se ouvem. Mantêm-se no caixa e em funções que demandam pouca interação.

Às vezes, o vozerio irrompe em seu idioma natal, quando chegam compatriotas de outras lojas para botar a conversa em dia. Mas há sim as lanchonetes e restaurantes com cardápio binacional em que o diálogo com brasileiros é requerido.

Em um desses estabelecimentos, entre as Mercês e o Rosário, via-se até pouco uma criança chinesa cuja energia e comunicabilidade destoava da sisudez dos seus compatriotas adultos. Mas desde o início da pandemia ela deixou de circular por aí.

CEP ao pé da letra

Para carteiros e forasteiros, que levam ao pé da letra o CEP, a Avenida Sete começa, de fato, no Farol da Barra, na esquina do Edifício Oceania, onde um apartamento pode ser vendido por até R$ 2 milhões, segue pelo Porto, sobe a Ladeira da Barra e cruza o Corredor da Vitória, onde nomes em língua estrangeira emprestam aos edifícios um ar de glamour.

Afinal de contas, essa tradicional via foi inaugurada às vésperas do centenário da Independência do Brasil para ligar a Barra ao centro. Mas a Avenida Sete que assim merece ser chamada, que não se envergonha do seu nome, começa depois do Passeio Público, no encontro do Largo dos Aflitos com a Rua do Forte de São Pedro e termina na Ladeira de São Bento onde, desde junho deste ano, 200 famílias moram no prédio que pertence à Embasa e se transformou na Ocupação Carlos Marighella.

No início da propagação do coronavírus por Salvador, aliás, a Avenida Sete parecia uma zona de guerra. Se o comércio permaneceu quase totalmente fechado, à exceção de farmácias e lojas que comercializaram tecidos para máscaras, a continuação do serviço de escavação arqueológica do trecho entre a Piedade e a Praça Castro Alves, fez do Circuito Osmar um simulacro de cenários bombardeados durante meses. Atualmente, com 1,9 milhão de soteropolitanos vacinados, com a dose única ou pelo menos a primeira dose, a avenida voltou a pulsar.

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