MUITO
Avenida Sete é 'microcosmo' de Salvador
Avenida Sete de Setembro tem sido dissecada pelas lentes de Lanz
Por Gilson Jorge
Ao melhor estilo berlinense, o urbanista e fotógrafo alemão Stephan Lanz desceu do seu apartamento na sede do Goethe Institut Salvador, no Corredor da Vitória, no fim da tarde de uma segunda-feira ensolarada, vestindo camisa e calças pretas para encontrar a reportagem, no pátio do instituto. "Eu vou comprar uma camisa clara, pois quero ir a um terreiro de candomblé", avisa o fotógrafo, ao comentar o apreço de algumas tribos urbanas de Berlim pelas roupas escuras.
Lanz está animado com a riqueza cultural de origem africana presente na cidade. Mas também há entusiasmo na sua fala sobre a diversidade demográfica soteropolitana.
A Avenida Sete de Setembro, onde fica o Goethe Institut, por exemplo, tem sido dissecada pelas lentes de Lanz em toda a sua extensão de sentidos.
A vizinhança imediata, ao longo do Corredor da Vitória, não lhe desperta muito interesse. "É como um condomínio fechado, com uma especulação imobiliária imensa. Eles não se interessam pela cidade. As pessoas não andam na rua, só saem para correr ou passear com os cães à noite", observa o fotógrafo.
Outro trecho da avenida que chama a atenção de Lanz é o Porto da Barra, comoopção de lazer disponível a todo mundo bem no centro da cidade. "Eu fui à praia no domingo à noite e tinha muitos jovens que pareciam ser da periferia", destaca o alemão.
O urbanista Lanz cansou de escrever artigos acadêmicos sobre as cidades. Agora ele está interessado em fotografá-las. "A fotografia facilita a compreensão de como a cidade funciona’, aposta o alemão, que no caso da Avenida Sete se encantou com o mosaico existente entre a Ladeira de São Bento e o Porto da Barra. "A avenida é um microcosmo da cidade. Não conheço nenhuma rua em nenhuma cidade que tenha tantas coisas diferentes".
Uma das coisas que lhe chamam a atenção no universo da Avenida Sete é o mundo de apetrechos utilizados no comércio ambulante no centro e a informalidade de negócios que tendem a ser complexos em outros contextos. "Um salão de beleza ao ar livre. Tem toda essa coisa cosmética ali. Eu acho fantástico, mas isso é impossível na Alemanha", afirma o fotógrafo, referindo-se às poltronas instaladas no Beco do Mocambinho, próximo à Praça da Piedade, onde clientes podem receber cuidados nos cabelos, barbas e supercílios.
Esse trecho entre a Piedade e o São Bento, aliás, impressionou Lanz pela densidade e pela variedade de artigos comercializados e de pessoas vendendo e comprando. "Mas isso só durante o dia. À noite, é completamente diferente", destaca o fotógrafo.
Metrópoles
Formado em geografia e nascido em Frankfurt An der Oder, uma cidade com 58 mil habitantes perto de Berlim, Lanz começou a se interessar por metrópoles quando fez intercâmbio no Rio de Janeiro, no fim da década de 1980. "Eu fiquei em Copacabana e foi uma experiência complexa. Eu convivi com estudantes de classe média, mas queria conhecer as favelas, estudar geografia urbana, sociologia urbana e planejamento urbano", conta o fotógrafo.
Em 1989, Lanz fez a sua primeira visita à Bahia, de uma semana, que não deixou saudades. Hospedado no Centro Histórico antes da revitalização do bairro, o fotógrafo viu um casario colonial em ruínas, poucas opções culturais acessíveis e ainda foi assaltado perto da pousada em que estava.
Após a experiência ruim, o alemão voltou ao Rio de Janeiro e, em novembro daquele ano, acompanhou incrédulo pelas páginas de jornais brasileiros a Queda do Muro de Berlim, um evento que antes de sua saída da Alemanha não estava no horizonte. "Foi muito engraçado. Não havia internet e eu não tinha TV, então, eu lia o jornal. Meses antes, um brasileiro me disse que o muro cairia e eu respondi que isso nunca aconteceria", lembra o fotógrafo, rindo.
Refeito do susto com o momento histórico, Lanz dedicou-se a estudar as estruturas de poder nos morros cariocas. De volta à Alemanha, o fotógrafo conheceu em Berlim brasileiros que militavam pelos Direitos Humanos no Rio. O grupo montou um projeto social em favelas cariocas que durou 15 anos, entre várias viagens de Lanz ao Rio.
O resultado seria o livro Das Regieren der favela (Em alemão, Governando a Favela), sobre o controle do tráfico em áreas do Rio de Janeiro.
Anos depois, o fotógrafo foi convencido por amigos de que a capital baiana estava diferente e que valia a pena uma nova visita. No ano passado, ele se inscreveu no Programa de Residência Vila Sul, do Goethe Institut Salvador, e não se arrependeu da nova chance que deu à cidade. As fotos de Lanz no Centro de Salvador podem ser vistas na exposição Avenida Sete: assemblage e heterotopia, que fica cartaz na Galeria do Goethe Institut, na Avenida Sete de Setembro, 1809, Corredor da Vitória. A exposição permanece até 13 de setembro, com visitação de segunda a sábado, das 9h às 19h.
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