MUITO
Bendito fruto: os vários usos do licuri
Por Maria Clara Andrade

Já imaginou a Bahia sem coqueiros? Pois ela era assim. Historiadores indicam que os primeiros coqueiros em solo brasileiro foram plantados no estado da Bahia em 1553, sendo originários das ilhas de Cabo Verde. Se no litoral baiano pensar em um horizonte sem coqueiros é quase impossível, no interior, uma outra espécie de coco é quem toma conta do pedaço: o licuri.
Famoso na Bahia pelo ditado “eu sou eu e licuri é coco pequeno”, o fruto tem ido além das declarações de superioridade do tradicional “sou mais eu” baiano. Aos poucos, o licuri tem ganhado espaço nas mesas de diversas casas brasileiras e impulsionado o desenvolvimento da agricultura familiar no centro-norte do estado.
Em Salvador, Isabella Moreira, bacharel em gastronomia, faz uso do coquinho em seu negócio, a Cozinha Quioiô. Com um cardápio semanal, ela monta kits congelados em que prioriza o uso de ingredientes frescos e saudáveis. O próprio nome Quioiô foi inspirado em uma planta que pode ser usada em chás e outras receitas. “Durante todo o meu processo na cozinha, busquei estar do lado de uma gastronomia mais limpa, boa e justa”, conta.
Além da premissa de buscar sempre pela gastronomia saudável, Isabella entende que há uma importância social em optar por alimentos regionais.
“Gosto muito de trabalhar com o licuri porque tenho essa disponibilidade na minha cozinha de colocar novos ingredientes fora dos tradicionais. Então, busco ingredientes locais que fortalecem os pequenos produtores, com a agricultura familiar e práticas agroecológicas também”, afirma.
Alguns dos usos possíveis para o licuri em receitas é através do óleo ou azeite de licuri, que podem substituir o óleo de soja. Além disso, ele também é uma opção para veganos ou intolerantes a lactose, que podem fazer o leite do licuri. Já o fruto pode ser utilizado em pratos salgados e na confeitaria, além da fabricação de licor, cerveja, biscoitos, cocadas e o próprio licuri torrado.
É justamente com uma farofa que o licuri tem conquistado os consumidores do Tabuleiro da Chef, empreendimento da renomada chef Tereza Paim. A farofa sertaneja, feita com alho, cebola e licuri, figura entre as mais vendidas de sua marca, que pode ser encontrada em sete estados brasileiros, além de vendas online, redes de supermercados e empórios.
A escolha pelo licuri também se relaciona com a paixão que Tereza carrega pela culinária baiana e todas as suas possibilidades. “A culinária baiana tem história, tem cor, tem sabor, tem design, tem movimento. Eu acho que é uma cozinha que oferece a quem está comendo uma ligação de todos os sentidos”, considera.
Economia
O licuri é também protagonista na economia de boa parte dos municípios do semiárido baiano. Na região do Piemonte da Diamantina, mais de 220 produtores de licuri integram a Coopes (Cooperativa de Produção da Região do Piemonte da Diamantina), criada em 2005. Do licurizeiro aproveita-se tudo, além dos usos culinários já citados, a palha do licuri é utilizada na confecção de artesanato, como bolsas e bandejas.
Ainda pouco reconhecido no cenário nacional, o fruto está progressivamente fazendo o seu nome na indústria. “O licuri é o nosso carro-chefe, a gente busca consolidá-lo no mercado no mesmo patamar das castanhas no Brasil”, explica Renata Silva, gestora da cooperativa.
Um passo importante para esse reconhecimento foi a parceria realizada com a L’occitane Brasil, rede de cosméticos que usa o licuri para a fabricação de óleos corporais, dentre outros produtos.
Para manter a fabricação a todo vapor, agora a Coopes está trabalhando para que novas tecnologias possam ser implantadas no processo de extração do licuri, por meio do projeto Bahia Produtiva, financiado pelo governo do estado. “As mulheres nas comunidades fazem a coleta, quebram e fazem também o secamento”, conta Renata.
Ela explica que o auxílio do maquinário tem como objetivo unir as formas de trabalho, “para ter um melhor rendimento e também ajudar na questão da ergonomia, do conforto para as mulheres”.
Startup
Em Salvador, uma startup de escoamento de produtos da agricultura familiar é uma das empresas que comercializam o licuri produzido pela Coopes. A Escoaf surgiu há apenas dois anos e, desde então, tem sido constantemente reconhecida pelo trabalho realizado com pequenos produtores.
Aprovada em programas de incentivo do Banco do Nordeste e da prefeitura de Salvador, a startup se desenvolveu rapidamente e a partir de janeiro já espera receber produtos de todos os 27 territórios de identidade da Bahia – divisão feita pelo governo estadual a partir de especificidades de cada região.
“Os produtos já vêm produzidos e ensacados. A gente trabalha tanto promovendo como comercializando e fazendo a parte de entrega das cooperativas e agricultores familiares”, explica Suzana Calmon, sócia da startup.
O licuri é um dos produtos que se sobressaem nas vendas. Dentre os compradores destacam-se sorveterias, que têm feito picolés e sorvetes de licuri, que ressaltam a versatilidade do fruto.
Com o bom retorno que tem extraído da promoção da agricultura familiar e da economia solidária, Suzana está animada com novos trabalhos.
A Escoaf participa desde ontem, a propósito, da 11ª Feira Baiana da Agricultura Familiar e Economia Solidária, que se estende até o dia 13 e neste ano acontece de forma virtual. “Vamos fazer entregas de vários produtos de 27 territórios de identidade que vão chegar até o fim do mês”, conta Suzana.
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