PERFIL
Bernard Attal exalta região do porto de Salvador em novo filme
Conheça uma história que tem muito a ver com a atividade portuária
Por Gilson Jorge
No ano que vem, comemoram-se 60 anos de um dos sabores mais conhecidos do bairro do Comércio, o filé de Juarez. Um corte alto de carne, mal passada e com as bordas escuras, que há quase sete décadas seduz os soteropolitanos. Uma história que tem muito a ver com a atividade portuária. Antes de abrir as portas como restaurante, o local funcionava como mais um cerealista que revendia as mercadorias que chegavam pelo porto, no Mercado do Ouro.
Com o tempo, a família Formigli, dona do imóvel, abriu uma cantina para fornecer marmita aos trabalhadores da área portuária. Uma história que mudaria o rumo do negócio depois que Juarez Zenóbio, amigo de Formigli, trouxe a sua receita de filé para a casa.
Parte importante da paisagem na Avenida Estados Unidos, o restaurante é uma das atrações do documentário Porto de origem, o quarto longa-metragem do cineasta francês Bernard Attal, um ex-homem de negócios que em 2006 trocou o trabalho em uma empresa de investimentos em Nova York por Salvador, onde começou a se dedicar ao cinema, inicialmente fazendo curtas, mas depois mergulhou nos longas-metragens.
"Porto de origem é um filme que eu queria fazer há muito tempo. O Comércio, onde moro e trabalho, é um bairro muito interessante, com uma população diversa", explica o cineasta, apaixonado pela arquitetura da região, ainda que a maior parte dos prédios esteja abandonada.
Quando se começou a falar na revitalização do Comércio, o cineasta se interessou pela tensão entre o passado e o futuro do bairro. "De lá para cá, dois prédios desabaram, incluindo o do restaurante O Colón, e a Prefeitura modernizou alguns prédios. Essa tensão nunca foi tão forte quanto é agora", afirma o diretor.
E um pequeno tesouro vindo da Europa deu impulso à ideia do filme. Quando sua avó morreu, em 2014, deixou como legado para Attal uma pilha de documentos do século passado com títulos de minas na Indonésia, de diamantes de Buenos Aires e outros papéis já sem valor comercial. "No meio dessa papelada, eu encontrei um título de investimento no Porto da Bahia, conta o diretor.
A coincidência animou Attal a fazer o documentário para tentar entender porque o porto soteropolitano despertava interesse. "O filme demorou a ser feito porque nesse período houve a pandemia, alguns personagens morreram e a obra levou seis anos para ser realizada", declara o francês, que destaca o fato de que em muitas partes do mundo os portos estão sendo revitalizados.
"Temos aqui o que já foi o maior porto da América do Sul, que já foi o Porto do Brasil. Ele fica assim, na esperança de ser outra vez o que era. Mas tem esse peso do passado que precisa ser reconhecido", afirma.
O filme traz o depoimento de comerciantes que ajudaram a fazer a história do bairro. Alguns empreendimentos já não estão funcionando no local, como a tradicional A Lâmpada. Mas também de pessoas que se recusaram a deixar a região. "Há uma coisa muito tocante no Comércio. O bairro começou a entrar em decadência nos anos 80, mas ainda mantém pessoas que esperam reviver o que o local já foi", declara o cineasta. Alfaiates, barbeiros, pequenos artesãos que estão lá resistindo.
Representante do setor de gastronomia tradicional do Comércio, o Juarez é um daqueles locais que atraem clientes de outros bairros, que enfrentam o tráfego de um dia de semana para sentir a aura de tempos de outrora. "É um restaurante bem conceituado, frequentado por pessoas de classe média e classe alta, que segue um padrão desde 1955 até agora", afirma Agnoel Torres, o Noel, filho de consideração de Juarez, que é sócio do restaurante junto com Juliana Formigli.
No ano que vem, o restaurante completa 70 anos desde que o famoso filé começou a ser servido. "No filme, eu conto um pouco das histórias afetivas da clientela e da trajetória do restaurante, destacando que pessoas que começaram a frequentar o local como casal de namorados hoje levam os netos para comer o filé.
O filme foi exibido em 2022 no Panorama Coisa de Cinema sob o nome Cidade Porto. Houve algumas modificações, inclusive no título, e estreou na última quinta-feira no circuito comercial, no Shopping da Bahia e Shopping Bela Vista. O filme também está sendo exibido em São Paulo (SP), Palmas (TO), Paulista (PE) e em cidades do interior baiano, como Vitória da Conquista e Barreiras.
Sobre a decisão de entrar para o cinema, Attal considera que foi provocado pela realidade local. "Eu achei que havia aqui uma riqueza de histórias e de situações humanas. E quando cheguei o número de filmes feitos aqui era bem menor", explica Attal. À época, o francês sentiu uma grande necessidade de contar histórias da Bahia.
A faísca cinematográfica acendeu no coração francês quando ele dava oficinas na ONG Bagunçaço, em Alagados, ainda com palafitas. Em contato com os jovens, ele ouviu histórias que considerou importante registrar.
O primeiro contato de Attal com Salvador aconteceu em 1999, quando veio de férias, estimulado pelos livros de Jorge Amado. O então executivo comprou uma casa no Santo Antônio Além do Carmo, como muitos estrangeiros fizeram antes que o bairro virasse uma febre entre celebridades nacionais.
Fã de seus conterrâneos François Truffaut, Jean Renoir e Maurice Pialat, e dos brasileiros Jorge Bodanzky e Leon Hirszman, Attal tem entre as suas obras a ficção A finada mãe da madame e os documentários A coleção invisível e Sem descanso, esse último sobre a violência policial.
No início do ano que vem, Attal deve concluir a reforma do Trapiche Barnabé, na Avenida Jequitaia, onde mantém seu escritório. O local abriga shows musicais, ensaios e gravações. A obra foi orçada em cerca de R$ 10 milhões e contou com a parceria de investidores.
A ligação de Attal com a atividade portuária remonta à sua infância e juventude na Normandia, região francesa famosa por ter sido o desembarque das tropas inglesas durante a Segunda Guerra Mundial. O local é também uma importante região portuária e Attal morava perto do Porto de Le Havre, no estuário do Rio Sena. "Esse porto tinha uma ligação forte com Salvador por causa do tráfico de escravos, e também para a importação de café", conta o cineasta.
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