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03/09/2023 às 6:20 - há XX semanas | Autor: Gilson Jorge

MUITO

Brasilidade do chorinho encanta nova geração em Salvador

Jovens mostram gosto por estilo musical presente nas rodas

Daniela Nátali, flautista
Daniela Nátali, flautista -

Natan Drubi tinha 17 anos em 2018, quando começou a estudar música. Durante uma conversa com seu professor de violão, Daniel Veloso, recebeu dele um pendrive com chorinhos "para ver o que achava".

O jovem gostou tanto do que ouviu que decidiu se mudar para São Paulo para estudar especificamente o violão de sete cordas. "Salvador teve por muito tempo como referência Os Ingênuos, mas depois da morte de Edson Sete Cordas aqui deu uma parada", conta Natan, que acabou mergulhando no universo do chorinho.

Cinco anos depois de iniciar sua caminhada pela música, o jovem artista já é considerado um dos mais talentosos violonistas de sete cordas de sua geração na Bahia e um nome a ser levado em conta na cena local do chorinho.

Um estilo que Natan absorveu nas rodas paulistanas. "A gente aprende ali com pessoas de todas as idades. Aprende não só sobre música, mas sobre a vida", afirma o violonista.

Com a crescente presença de jovens tocando e assistindo os shows, o chorinho está voltando a ter destaque na noite soteropolitana. A cidade, que viveu o auge do gênero entre as décadas de 1960 e 1990 com Os Ingênuos, volta a ter uma boa oferta de shows, com novos talentos e nomes consagrados como Carlinhos do Bandolim e Júlio Caldas.

Carlinhos tem show previsto este mês na Segunda do Choro, projeto realizado há 12 anos na Varanda do Sesi Rio Vermelho. Júlio tem se apresentado ao lado de Eduardo Brandão no Projeto Chorinho Velho Espanha. Agora em setembro, eles se apresentam nos dias 10 e 24, às 17h ou 18h (dependendo da programação do bar). "A ideia é fornecer uma opção regular para os amantes do choro, esse ritmo tão importante e tão brasileiro", afirma Arthur Daltro, sócio do Velho Espanha, que vê nas apresentações um público misturado entre amantes do choro e formação de plateia.

Retomada

O Caminho de Casa, no Itaigara, tem programação quinzenal de choro aos domingos, na hora do almoço; a Casa Preta, no Dois de Julho, tem shows esporádicos e a Casa da Mãe, no Rio Vermelho, deve retomar os shows de chorinho em outubro.

Mas um dos novos pontos de encontro dos chorões atuais em Salvador é a Roda de Choro no Batatinha (antigo Toalha da Saudade), nas noites de quarta-feira, organizada pela clarinetista Daniela Nátali, outro destaque da nova geração. A ideia da roda surgiu em março deste ano, após uma viagem de Daniela a São Paulo.

Sobre o perfil do público que frequenta o choro das quartas-feiras, a clarinetista confirma uma mudança. "Aqui em Salvador o choro ficou esquecido, desvalorizado e consequentemente não alcançava os jovens. Agora isso tem mudado. Os jovens perguntam os nomes dos choros que são tocados nas rodas", afirma Daniela, que também enxerga um número maior de músicos jovens estudando o choro.

Tom Zé escreveu que o Largo dos Aflitos estava pequeno demais para caber sua aflição e que por isso ele foi morar na Estação da Luz, porque estava tudo escuro no seu coração. Com Daniela, tem acontecido o contrário. A viagem a São Paulo gerou a roda de choro nos Aflitos e agora veio à luz outro projeto.

No domingo passado, a clarinetista Daniela Nátali estreou com outras musicistas o Floreando, o primeiro grupo de choro de mulheres de Salvador. O grupo formado por Berta Pitangueira na flauta, Ella Beatriz no violão 7 cordas, Ágatha Clarissa no bandolim e cavaquinho, e Lalá Evangelista no pandeiro, se exibiu no Festival de Mulheres Instrumentistas de Salvador, em Alagados.

Daniela destaca o apoio que recebeu dos amigos músicos para consolidar o projeto e ao lembrar a diversidade de instrumentos, incluindo vibrafone, trompete e trombone, declara: "Nossa roda é um luxo!".

Incentivador de Daniela, o flautista paulista Leandro Tigrão faz parceria na Roda com seu filho de 8 anos, Murilo Tigrinho. O músico mostra que, apesar do crescimento do choro na Bahia, ainda há uma longa estrada. "Em São Paulo, esse movimento está forte. Tem gente vivendo do choro, como intérprete, como professor. Salvador já tinha muito músico bom, mas agora a galera está chegando para o choro", afirma Leandro.

Mineiro que reside em Salvador há oito anos, o professor de música da Universidade Federal do Recôncavo da Bahia, Rodrigo Heringer, se diz contente com a quantidade de jovens consumindo o choro na cidade.

"Isso parece um fenômeno relativamente recente. Quando eu cheguei, encontrei um público anterior a esse público de agora", afirma Heringer, que foi um dos interlocutores na capital baiana do processo de colheita de dados para o registro do chorinho como patrimônio cultural do Brasil. Dentre os músicos da nova geração, Heringer destaca Natan Drubi e Daniela Nátali como talentos.

A cantora Patrícia Ribeiro considera incrível a atual inserção de músicos jovens no chorinho. "É uma linguagem antiga, há poucos compositores desse estilo hoje. É encantador assistir os jovens tocando, eles são aplicados e estudiosos", afirma a cantora, que é uma das proprietárias do Batatinha Bar, junto com os também músicos Roberto Ribeiro e Thiago Leite.

Expoentes

Primeiro estilo musical genuinamente brasileiro e espalhado mundo afora por expoentes como Pixinguinha, Chiquinha Gonzaga, Ernesto Nazareth, Waldir Azevedo e Altamiro Carrilho, o chorinho surgiu na segunda metade do século 19 como um jeito novo de se tocar a música vinda da Europa.

No Rio de Janeiro, então capital de um país que havia se tornado independente poucas décadas antes, músicos talentosos, muitos deles ex-escravizados libertos, começaram a forjar uma nova maneira de executar a valsa, a polca e outros ritmos apreciados pela elite.

Um dos pioneiros do que seria conhecido como a primeira música urbana genuinamente nacional, o pianista Ernesto Nazareth uniu a polca europeia à habanera, um ritmo mais animado de origem cubana, no que seria chamado pelo próprio compositor de tango brasileiro, e posteriormente passou a ser catalogado como chorinho.

Há diferentes versões para o surgimento da palavra choro. Na definição do folclorista Luís Câmara Cascudo, o nome derivaria do xolo, baile praticado nas fazendas por pessoas escravizadas. O historiador e musicólogo Ary Vasconcelos considerava que a origem estava na palavra choromeleiros, usada no período colonial para determinar os praticantes de um ritmo ensinado pelos portugueses aos indígenas.

José Ramos Tinhorão, historiador da música popular brasileira, associou o nome à melancolia provocada pelos sons extraídos das cordas mais graves do violão. O certo é que há mais de um século os músicos se referem aos adeptos desse gênero como chorões.

Durante décadas, o chorinho ganhou o estigma de música de velho. Mas as barreiras que separam esse estilo das novas gerações podem ser menores do que se pensa. Às vezes, é só na questão de acesso. Meg de Sousa, por exemplo, cresceu ouvindo a música que seu pai colocava na velha vitrola armário com rádio estéreo, em que se tocavam tanto discos em vinil quanto as canções do rádio.

"Eu sempre ouvi o programa Encontro com o chorinho, de Perfilino Neto. Eu escolhi o choro porque é um universo imenso. Trata-se de uma maneira de tocar", afirma Meg, que ingressou na primeira turma do curso de música do Colégio Estadual Manoel Novaes, em 1993.

Meg toca violão e cavaquinho e se apresentou na última quarta-feira na Casa da Diversidade, no Pelourinho, durante o ciclo de palestras sobre visibilidade lésbica e bissexual. Seu projeto é montar um grupo de choro, mas falta encontrar alguém que toque violão ou cavaquinho para completar a banda.

Imersão

O trombonista boliviano Danilo Martinez, que mora na Bahia há mais de 20 anos e trocou o erudito pelo popular, define a razão da sua imersão no choro: "É um estilo que desafia", afirma o músico que conheceu o choro em 2002, durante a realização em Salvador do Festival da Associação Brasileira de Trombonistas. Há dez anos, Martinez começou a estudar o gênero e afirma que é um aprendizado contínuo.

"Há muitas nuances na interpretação do choro. Tem que tocar a melodia com a linguagem, as articulações e dinâmicas que ela conduz, os outros instrumentos, e traçar o caminho do contracanto, a resposta que costura ritmo e harmonia numa junção que combina a tradição e pertença da força e cultura afro-brasileira", afirma o trombonista.

Admirador de lendários músicos brasileiros como o carioca Candinho Trombone, antecessor de Pixinguinha, e o sergipano Zé da Velha, Martinez defende que o seu instrumento tem uma presença primária na linguagem do choro. "Esses trombonistas desenvolveram no choro seu virtuosismo e brasilidade, são inspiração e motivação para as novas gerações", afirma Martinez.

Outra estrangeira seduzida pelo chorinho é a flautista francesa Noemi Schwab, que até 2011, quando se mudou para o Rio de Janeiro, conhecia apenas a bossa nova como música brasileira. Um dia, passando pela frente do bar Bip Bip, em Copacabana, ela viu um grupo de chorões flautistas e se encantou pela música. Um dos motivos é a sociabilidade, a possibilidade de chegar em um lugar e tocar com os amigos.

"Na França, eu tocava música clássica, que eu adoro. Mas não dá para chegar e tocar Vivaldi. Com o chorinho, você sugere tocar uma música e todo mundo toca. É muito compartilhável", afirma a flautista, que vê uma proximidade estética entre o choro e o clássico e menciona o exemplo de Enigmático, de Altamiro Carrilho.

"Podia ser Mozart tocando", diz a chorona francesa, que ao mesmo tempo destaca a mistura musical da Europa do Norte com a África. "A música brasileira é muito emocionante para mim".

De volta à França anos depois, Noemi passou a integrar uma roda de choro em Paris, que por coincidência acontece todas as terças-feiras, assim como a do Bip Bip. Esta semana, Noemi veio conhecer Salvador e aproveitou para tocar chorinho no Batatinha Bar, a convite de músicos que ela conhecera no Rio de Janeiro.

O percussionista Ênio Bernardes concorda que há uma revitalização do público do choro depois de um período de estagnação, mas acha que ainda não é um movimento forte. "A gente sente a falta de espaços. É um início, que possa ter mais gente interessada pelo choro, que é o primeiro gênero musical brasileiro", afirma Bernardes.

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