MUITO
Brigadeiros, Coxinhas e Lições de Vida
Por Clara Cerqueira
Aniversário de criança é um negócio sui generis mesmo. Sempre que vou, vou levada pelo sentimento indomável da gula, pois de fato o pãozinho, o quibe, a coxinha e os salgadinhos cada vez mais elaborados fazem a minha cabeça. E apenas eles mesmo, porque de resto, não gosto muito da festinha barulhenta e meio sem objetivos das crianças – pula-pula, corre-corre e gritaria. Se ao menos servissem uma birita, eu me juntaria ao caos e sairia correndo livre como um pimpolho.
Mas, para minha total infelicidade, a diversão da maioridade foi posta completamente de escanteio nas comemorações infantis contemporâneas (não sei por que motivo, quem souber morre), limitando bastante nossas possibilidades de entretenimento. Imagine você, uma mulher adulta como eu correndo sóbria por aí atropelando criancinhas, após a ingestão de um suquinho de maracujá. Não dá, fica feio.
Resultado: sou convidada a penar para encontrar outra distração, uma vez saciados os desígnios do estômago, e a fingir estar interessada nas longas conversas sobre coisa nenhuma, resumo da interação entre familiares em nossos tempos. Pois convenhamos, está muito difícil encontrar assunto nas festinhas, uma vez que não podemos chegar nem perto de questões minimamente pertinentes, sem correr o risco de ouvir as maiores atrocidades daqueles parentes distantes e bastante insignificantes, que ainda acham que as decisões que tomaram há quatro anos foram as melhores e acreditam veementemente que devem reiterá-las no fim deste ano.
A conversa termina fatalmente girando em torno das queridas e famigeradas crianças. Alimentação, comportamento, parto, trabalhos domésticos, custos e afins. Tento me solidarizar e me inteirar um pouco da vida das mães e pais de plantão, mas chega uma hora que o tédio toma conta. Recorro a um camarão encapotado (sim, chegamos a esse nível, nem para ter champanhe também) e finjo estar interessada na qualidade do cocô do bebê da minha vizinha de mesa. Ainda bem que as escatologias nunca me tiraram o apetite e que uma bandeja de bolivianos passa gritando meu nome.
Sim, a boca cheia é minha maior aliada. Sem ela, teria que comentar algo sobre o filho de alguém e com certeza terminaria com um de meus discursos sobre nunca ter gostado de crianças, nem quando eu mesma era criança. Não que eu veja grandes problemas em dar opiniões controversas, mas há uma regra que guardo comigo e prefiro não quebrar: nunca seja indelicada com aqueles que te alimentam.
Portanto, em nome de meus generosos anfitriões, prefiro me abster de qualquer comentário, bom ou ruim, e pegar uma última saltenha, mesmo depois de ter jurado que aquele boliviano seria o último salgadinho, antes dos docinhos. E por falar em docinhos, gostaria de salientar que os brigadeiros sofreram um grande upgrade. Até eu que não tenho muito apreço por açúcar fiquei de butuca na mesa, pensando se devia ou não roubar um brigadeirinho de doce de leite antes dos parabéns.
Em reunião discreta com meus companheiros mais íntimos de festa, porém, chegamos à conclusão de que essa regra de etiqueta deve ser uma lição para as crianças e não cairia bem dar o mau exemplo. Mas a verdade é que não sei que lição é essa e que se estivessem servindo aquele champanhe, nossa linha de raciocínio teria sido muito mais subversiva. Arrisco dizer inclusive que na minha época a coisa era bem menos careta e todo mundo cresceu bem e sadio.
Ou não. Pois vendo agora este texto e sua fixação alcóolica, começo a achar que não crescemos tão sadios assim e que o suquinho de maracujá foi mesmo a melhor opção para a minha pobre pessoa adulta viciada.
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