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CRÔNICA

Cheiro de quê?

Na entrada da cidade, o olfato era o primeiro sentido que me indicava que havíamos chegado

Por Luisa Sá Lasserre*

10/09/2023 - 5:00 h
Imagem ilustrativa da imagem Cheiro de quê?
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Na entrada da cidade, o olfato era o primeiro sentido que me indicava que havíamos chegado: uma essência herbal se desprendia da vegetação e invadia as janelas abertas. Eu era menina e viajava com meus pais de carro até Recife para visitar parte da família. Eu adorava aquele frescor que inaugurava os dias de férias escolares.

Até hoje não sei nomear aquele aroma... era cheiro de quê? Deve vir de um tipo de planta específico, que ainda não descobri qual é. Não é toda mata que exala o mesmo perfume. Mas, sempre quando o sinto, me transporto novamente para minha infância naquele banco de trás do carro, na entrada de Recife.

Os cheiros têm essa capacidade de reavivar uma memória imediata, de uma fase da vida, de uma cena, de uma experiência marcante. O olfato está diretamente ligado à área do cérebro que processa as lembranças e as emoções. Por isso, essas conexões costumam ser rápidas. Alguém passa deixando um rastro de leite de rosas ao seu lado e, de repente, você está diante da sua vó, fresquinha e arrumada, após o banho.

Outro dia, enquanto corria nas ruas do bairro, senti o aroma da mata que havia ao lado. Era Recife outra vez. O mesmo banco de trás do carro popular da época, o mesmo fim de tarde após um dia de viagem a me dizer que, enfim, havíamos chegado. Sem fones para ocupar a audição e a minha atenção, passei a reparar também em outras fragrâncias. A corrida virou uma experiência sensorial, extremamente olfativa.

Passei a identificar cada nota que minhas narinas inspiravam... A mistura de creme de cabelo e sabão da mulher de quem precisei desviar indicava que havia saído há pouco do banho. Nem a olhei de frente, mas já sabia que, após um dia de trabalho na casa de alguém, ela finalmente encontraria repouso no seu próprio lar.

O senhor de passos lentos com quem cruzei cheirava a algodão, roupa limpa e bem lavada, retirada do guarda-roupa grande de madeira. Da moto do entregador, um odor de óleo e gasolina manchava o ar livre e me dizia que havia pressa e cansaço.

Em um trecho da pista, enquanto olhava um prédio, um aroma repentino me cutucou o nariz e me fez virar a cabeça para dar de cara com o restaurante do outro lado da rua, onde uma massa italiana acabava de ficar pronta. Não a vi, mas meu olfato não deixava dúvidas. E estava uma delícia, eu podia assegurar.

Todo mundo deve ter a sua coleção de aromas particulares. Um dos meus preferidos, sem dúvida, é o do café saindo do fogo, quentinho, forte e sem açúcar. Quando fica pronto, é sinal de que o dia está começando pra valer. É possível que boa parte do meu apreço pela bebida venha justamente desse olfato afetivo, até mais do que do paladar em si. A gente começa a saborear pelo nariz, antes mesmo do que pela boca.

Outro cheiro que, para mim, tem lugar especial é o de mar... A brisa salina que sopra na beira da praia trazendo pra perto a sensação de natureza renovadora. O mergulho sem pressa, o pé na areia, o verão luminoso da Bahia. Só de respirar esse bálsamo já sinto um conforto, os pulmões abertos.

Aromas mexem com o nosso organismo e as nossas emoções; por isso mesmo, podem ser bons aliados da nossa saúde. Os óleos essenciais, retirados das plantas, trazem benefícios para o nosso bem-estar físico e mental. Captar o mundo pelos odores e aromas nos faz mais vivos. E nos conecta à nossa história, constrói nossa identidade.

Para alguns, a memória olfativa pode vir do perfume de alfazema, para outros, do pão na chapa da padaria. Pode vir do feijão na panela, da loção de barbear, do jasmineiro em flor. Ah, o cheirinho inigualável da pele do neném ou da boca lambuzada que acaba de mamar... Qual mãe não se lembra disso com ternura?! Um cheiro não é só um cheiro. É infância, é filho, almoço de domingo; é casa nova, livro recém-comprado, viagem de férias. É inalar o mundo pra respirar a vida. Viver é pura inspiração.

*Jornalista e escritora

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