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29/05/2022 às 6:00 - há XX semanas | Autor: Gilson Jorge

MUITO

Combate à homofobia no futebol: da Champions Ligay à Copa 2022

Competição reúne time formado por jogadores homossexuais e equipes heterossexuais contra o preconceito

Os times Expressinho, Dendê, Terror 20 e Bahia de Munique perfilados na Champions Multiarena, no Bela Vista
Os times Expressinho, Dendê, Terror 20 e Bahia de Munique perfilados na Champions Multiarena, no Bela Vista -

Quatro equipes de sete jogadores cada estão perfiladas na Champions Multiarena, no Shopping Bela Vista, para a execução do Hino Nacional, como manda o figurino de marcar o início de um torneio. O campo havia sido reservado para a realização da seletiva Nordeste da Champions Ligay, que indicaria o representante da região para o campeonato nacional, que acontece em São Paulo, no mês de novembro.

Mas as equipes que viriam de outros estados do Nordeste desistiram às vésperas do torneio por questões financeiras, e o único time gay a participar é o soteropolitano Dendê Futebol Clube, formado em 2017 pelo bancário Elivelton Brandão para reunir amigos homossexuais que se animaram a jogar, mas não se adaptaram ao baba que Elivelton frequentava, com amigos heterossexuais.

"Havia piadas e comentários que, mesmo sem intenção, acabavam ofendendo", explica Elivelton, que para manter o torneio, após as desistências, convidou três times formados por jogadores heterossexuais de Salvador, Expressinho, Terror 20 e o Bahia de Munique. Estão todos lá, lado a lado no gramado sintético, cantando o hino, com a mão no peito.

Mas esse é um torneio organizado por uma equipe gay e, antes dessa formalidade, o DJ coloca uma versão mixada de Buzina, música de Pablo Vittar, e uma bandeira do arco-íris é agitada por um dos jogadores.

Quando a bola rolou, cada chance de gol foi celebrada nas cadeiras da lanchonete por amigos, namoradas e mulheres dos jogadores heterossexuais e convidados, como a ativista drag Petra Perón e a cantora e ex-vereadora Leokret.

O dreadmaker (cabelereiro especializado em dreadlocks) Iuri Porto, do Bahia de Munique, formado há um ano com seus amigos do bairro de Brotas, afirma não ter o menor problema em jogar bola com atletas gays. "A gente não tem essa onda de homofobia. Até agradecemos por ser convidados", afirma Iuri. Às vezes, rola uma resenha, com amigos brincando sobre mudar de time. "Mas nada que passe dos limites e ofenda as pessoas". E sobre a ausência de jogadores assumidamente homossexuais no futebol, o diagnóstico é claro: "Na sociedade preconceituosa que a gente vive, muitas vezes existe o medo de se posicionar. Por causa disso, eles preferem ficar mais reservados".

Atleta do Dendê, o assistente contábil Jonatas Oliveira afirma que os times gays servem para ajudar a quebrar o paradigma de que somente homens heterossexuais sabem jogar futebol. "É um esporte como outro qualquer, que qualquer pessoa pode jogar”.

Um desafio de igualdade que, primeiro, coube às mulheres. Se, em termos gerais, o futebol feminino não é tão valorizado quanto o masculino, em alguns países, como os EUA, China e Noruega, por exemplo, as seleções nacionais femininas conseguem melhores resultados que os compatriotas masculinos. A seleção dos EUA, aliás, acaba de equalizar salários e prêmios para atletas dos dois times.

Para os jogadores gays, o desafio é que a sua orientação sexual, simplesmente, não os deixe de fora do esporte. "Muitos gays se sentem acuados, com medo de estar no vestiário e ouvir piadas na hora do banho. Medo de sofrer preconceito", pontua Jonatas.

Elivelton destaca que a disposição de jogar dos atletas gays é a mesma dos heteros, mas que talvez eles se divirtam um pouquinho mais. Afinal, a palavra gay também significa alegre, além da orientação sexual.

As partidas do torneio, que garantiram a vaga para o campeonato nacional ao Dendê, por ser o único time gay na competição, aconteceram em 21 de maio, quatro dias após o Dia Internacional de Combate à Homofobia e Transfobia. Alguns eventos recentes envolvendo o futebol mostram por que a data é relevante.

Amanhã, o Supremo Tribunal de Justiça Desportiva decide se pune ou não Cruzeiro e Grêmio por causa de cantos homofóbicos das torcidas de ambos os times durante partida realizada em Belo Horizonte, pela segunda divisão do Campeonato Brasileiro.

Seja por homofobia ou por mero espírito de quinta série, como alegam alguns torcedores, o episódio de Cruzeiro e Grêmio é apenas uma pequena mostra de como o futebol masculino ainda é um ambiente inóspito para atletas homossexuais. No futebol feminino, nomes como Martha e Cristiane, que brilharam na seleção brasileira, não tiveram dúvidas em sair do armário, e atletas LGBT+ de outras modalidades também viraram ídolos nacionais, como Diego Souza e Carol Gattaz, do vôlei; Rafaela Souza, do judô; e Diego Hypolito, da ginástica.

Mas pouca gente está disposta a enxergar a homossexualidade no futebol masculino. Mesmo sem se declarar gay, o jogador Richarlyson foi hostilizado por parte de sua própria torcida, quando jogou no Guarani e também no São Paulo, time que, por sinal, virou ícone do bullying homofóbico de quinta série, sendo chamado por torcedores de outros times paulistas como “Os bambis” – referência a uma suposta falta de virilidade de atletas do time do Morumbi, bairro de elite da capital paulista.

A intimidação ao futebolista gay masculino não é um fenômeno brasileiro ou latino-americano. Quando o atacante inglês Jake Faniels, 17 anos, anunciou publicamente sua homossexualidade, no último dia 16, recebeu o apoio do Príncipe Williams, herdeiro do trono britânico, que declarou esperar que outros atletas gays tenham a coragem de seguir o exemplo. Não foi à toa. A última vez em que um jogador profissional da Inglaterra se declarou homossexual foi em 1990, quando Justin Fashanu, já aposentado, apareceu na capa do tabloide sensacionalista The Sun, com a manchete: “Eu sou gay”.

Oito anos antes, Fashanu foi dispensado pelo Nottingham Forest, depois que seu técnico o proibiu de treinar com o elenco do time. O motivo? Os rumores surgidos na Inglaterra de que ele frequentava boates gays.

Ir a uma boate gay, atualmente, não compromete a carreira de um atleta. E mesmo quando Ronaldo Fenômeno, já fora dos gramados, apareceu no noticiário ao se envolver com três travestis, o assunto virou uma grande anedota nacional, sem maiores repercussões.

Mas, de alguma maneira, a afirmação de uma outra sexualidade pode deixar o atleta isolado, como um atacante que não recebe passe dos seus companheiros. Um eterno e constante impedimento. “Os caras heteros quando jogam entre si brincam, pegam na genitália do amigo. Mas quando há um jogador gay, os outros evitam o contato físico, mesmo quando é para fazer a marcação”, avalia Petra Perón, drag queen, ativista LGBTQIAP+ e torcedora do Vitória.

Jogo do bicho

Graças à cultura do jogo do bicho, a homofobia futebolística ganhou no Brasil uma característica própria, a rejeição à camisa 24, número associado ao veado, na mais tradicional contravenção nacional. Até hoje, poucos jogadores profissionais brasileiros entram em campo com essa dezena estampada no uniforme.

Uma notável exceção foi o meio-campista Flávio Medeiros, ex-Bahia, que no auge das políticas do Núcleo de Ações Afirmativas do tricolor, aceitou a sugestão feita pelo time de utilizar o número. Flávio passou toda a temporada com o uniforme 24 e ainda hoje utiliza a mesma numeração no seu clube da Turquia, o Giresunspor.

Em competições com numeração sequenciada, é mais difícil alimentar esse folclore homofóbico. Na Copa São Paulo de Futebol Júnior, por exemplo, quase todas as equipes inscreveram seus atletas juvenis com a numeração de 1 a 30. A exceção foi o Flamengo, que pulou o 24 e o substituiu pelo 31, sob protestos da Ong Arco-Íris, que questionou o time carioca no Ministério Público.

A questão de usar ou não a camisa 24 nunca se apresentou à Seleção Brasileira porque nas competições internacionais, tradicionalmente, são 23 jogadores com numeração sequencial imposta pela Fifa. Ou seja, as camisetas vão de 1 a 23, para alívio da quinta série. Este ano, na Catar 22, estuda-se a possibilidade de que cada seleção leve três jogadores a mais, acrescentando a temida camisa 24 e outras duas. Talvez seja o que falte para a normalização do número.

Curiosamente, o Mundial do Catar traz avanços e retrocessos nas questões de gênero. É em um país onde as mulheres têm que cobrir ombros e joelho que, pela primeira vez, uma partida de Copa do Mundo masculina vai ser apitada por uma árbitra. Três foram escaladas pela Fifa. Mas casais gays que viajem para acompanhar o torneio não poderão manifestar afeto em público, sob pena de prisão.

Companheiros homossexuais podem ter problemas até para conseguir acomodações, como mostrou uma reportagem da BBC recentemente. A luta contra a homofobia no futebol masculino já marcou alguns gols. Mas será necessário um tempo extra para virar o jogo.

Na última quarta-feira, o IBGE divulgou um recenseamento que aponta 5% da população brasileira como homossexual ou bissexual. Em um cálculo superficial, mantida a proporção, dos 220 jogadores que iniciam os 10 jogos em cada rodada da primeira divisão, 11 seriam LGBT+. Não que essa informação deva figurar nas estatísticas que as emissoras apresentam durante as transmissões. Mas esse dado deveria ser suficiente para dar visibilidade à presença de homossexuais também no futebol masculino.

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