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Cores do Brasil: a politização da camisa da seleção na Copa do Catar

Amarelinha entra no centro de polêmica entre apoiadores e detratores do presidente Jair Bolsonaro

Por Gilson Jorge

20/11/2022 - 6:00 h
Barraca de Dona Elis já foi palco de conflito político por causa de camisas
Barraca de Dona Elis já foi palco de conflito político por causa de camisas -

Após uma partida amistosa entre França e Inglaterra, em 1931, os franceses, vencedores do confronto, pediram aos rivais a troca de camisas entre as equipes. Era como levar para casa um troféu, ritual que se popularizou depois da Copa de 1954, na Suíça, como símbolo de espírito esportivo.

No Brasil dos dias atuais, em que o uniforme amarelo da seleção virou símbolo da extrema direita, torcedores da mesma equipe rejeitam levar esse "troféu" para casa quando vão ao comércio comprar artigos para a Copa do Mundo do Catar, que começa hoje. A política nacional criou, assim, um novo tipo de troca de camisas.

Ao longo do último processo eleitoral, alguns ambulantes presenciaram cenas que lembravam a área externa da Arena Fonte Nova em dias de Ba-Vi. Na barraca de Elis Regina da Ressurreição, na Avenida Sete, por exemplo, o clima ficou tenso quando um eleitor de Bolsonaro, que buscava uma camisa amarela, e um eleitor de Lula, que olhava uma versão preta do uniforme, começaram a discutir política como se apoiassem equipes diferentes. "Eu tive que pedir para eles se afastarem da barraca para que eu pudesse trabalhar", declara Elis.

A discórdia eleitoral que divide o país desde as jornadas de junho de 2013, quando opositores do Governo Dilma gritavam "Não vai ter Copa", chegou com força ao mundial deste ano com uma novidade.

Pela primeira vez, a maior competição esportiva do planeta começa menos de um mês depois da eleição brasileira. E enquanto os fãs de futebol se preparam para a estreia do Brasil na próxima quinta-feira, uma parte dos eleitores derrotados nas urnas ainda ocupa as ruas, por não aceitar as regras do jogo da democracia.

A associação entre a camisa amarela da CBF e os eleitores de extrema direita ficou tão intrincada, com a consequente rejeição do uniforme principal pela esquerda, que a entidade lançou um vídeo promocional para despolilitizar o uso da camisa. Na peça, de 30 segundos, o uniforme aparece ao som da canção Tão bem, de Lulu Santos. Mas, por enquanto, sem conseguir a unanimidade do público em torno da amarelinha.

A versão azul do uniforme, por exemplo, foi a escolhida pelo jogador da seleção Everton Ribeiro, um dos poucos do elenco que tem fama de ser antibolsonarista, para ilustrar a sua conta oficial no Twitter. Pesquisa publicada na última quinta-feira pelo portal brasiliense Metrópoles aponta que 26% dos brasileiros pegaram "ranço" da camisa amarela.

Uma sensação que se agravou este ano com os acampamentos de extremistas em frente a quartéis, os bloqueios a estradas feitos por golpistas e a inesquecível cena de um homem vestido com a camisa amarela agarrado ao capô de um caminhão atravessando uma rodovia.

A rejeição à amarela, porém, retroage, pelo menos, à Copa anterior em alguns casos, como o do designer Rodrigo Damati. Apaixonado pela seleção canarinho desde a infância, ele sofreu ao ver o time de Zico ser eliminado nos pênaltis pela França em 1986, quando tinha seis anos de idade. Rodrigo cresceu acompanhando os diferentes modelos usados pelo Brasil nos mundiais, muitos com o desenho da Taça Jules Rimet, referência ao tricampeonato em 1970, no México.

Mas com a ascensão do bolsonarismo, em 2018, ano da Copa da Rússia, sempre recorrendo ao verde e amarelo, Damati uniu-se aos amigos Rodrigo Luna e Pedro Perazzo para produzir camisas da seleção nas cores vermelho, preto ou branco. Desde o último mundial, o trio já produziu mais de 1.100 camisas.

O designer não se sente confortável em usar em público os modelos oficiais da seleção brasileira que, segundo ele, carregam atualmente uma mensagem de segregação.

"Quem hoje pendura bandeira na janela e usa a camisa amarela está dizendo que acredita que esse país é de poucos e para poucos. Está dizendo que é melhor do que o outro e que, além disso, deseja o extermínio daquele que tiver opinião, comportamento ou tom de pele diferente", remarca o designer, nascido no Rio Grande do Sul e criado em Salvador.

Vizinha a seu estado natal, a cidade catarinense de São Miguel do Oeste deu um exemplo radical do que Damati fala, no último dia 2 de novembro, quando dezenas de pessoas vestidas de verde e amarelo fizeram, conscientemente ou não, um gesto braçal que se assemelha muito a uma saudação nazista, na onda de que o Brasil está acima de tudo. Não à toa, o escritor inglês Samuel Johnson disse que o patriotismo é o último refúgio do canalha.

Uniforme

Não é a primeira vez na história que, por razões políticas, uma nação discute se usa ou não as cores nacionais para torcer durante uma Copa do Mundo. Aliás, houve um precedente sério, em que o uniforme não caía bem na maioria da população local.

Envergonhada pela tragédia nazista, que levou à Segunda Guerra Mundial e à morte de mais de seis milhões de judeus em campos de concentração, a Alemanha demorou décadas para tirar do armário, sem drama de consciência, a bandeira nacional. Ainda que os símbolos nazistas fossem diferentes dos dias atuais.

Mesmo quando a Alemanha, já reunificada, voltou a sediar um mundial, em 2006, o dilema permaneceu vivo com parte da população questionando o uso de símbolos nacionais na Copa.

"Foi uma discussão completamente ridícula. O patriotismo no esporte não tem nada a ver com o patriotismo perigoso da política. No Brasil, as pessoas normais deveriam tomar de volta a bandeira e as camisas. Elas não pertencem aos bolsonaristas", aconselha a figurinista alemã Sabine Huber, que mora em Salvador durante parte do ano.

Nascido na Argentina, o designer de estruturas tensionadas Pablo Francisco González, o Paco, lembra que a apropriação de símbolos pátrios remete à Itália fascista e também foi tentada em seu país, sem êxito, durante a ditadura militar que durou de 1976 a 1983, especialmente na Copa de 1978, realizada numa Argentina que prendia, torturava, matava e fazia desaparecer opositores do regime.

"O futebol lá permeia camadas do inconsciente muito mais fortes do que a questão do autoritarismo de um governo. Conheço casos de presos durante a ditadura que ouviam os jogos da Argentina pelo rádio e gritavam gol", afirma Pablo, cujo nome é uma homenagem a um amigo de seu pai, vítima do regime militar, que ficou em um centro de detenção a 300 metros do Estádio Monumental de Muñez, onde a seleção argentina jogava, e os presos igualmente comemoravam os triunfos nacionais.

Conexão

Comerciantes aguardam aumento nas vendas após eleições e com proximidade da Copa do Mundo
Comerciantes aguardam aumento nas vendas após eleições e com proximidade da Copa do Mundo | Foto: Shirley Stolze | Ag. A TARDE

O empreendedor sustenta que, tanto na Argentina quanto no Brasil, o futebol é um elemento central da identidade nacional e, por isso, critica a postura adotada por parte da esquerda brasileira de torcer contra a seleção canarinho, já que há uma forte conexão entre o time nacional e os setores populares da sociedade, que decoram as ruas nos bairros mais pobres de verde e amarelo e vibram com o mundial, independente de quem seja o presidente da república. "Eu acho burro torcer contra. É uma atitude da esquerda, como tantas outras, de desconexão com o popular", avalia Pablo.

Uma conexão que foi elevada à potência e transformou Maradona em mito, com o perdão da palavra, quando uma Argentina em crise econômica e ainda ferida pela derrota na Guerra das Malvinas, em 1982, sagrou-se campeã no México, em 1986, eliminando os ingleses, inimigos no campo de batalha, com um gol ilegal, de mão, feito por Maradona. A famosa mão de Deus, como disse o próprio jogador. “Não foi motivo de vergonha, longe disto. Tem que cumprir as regras, mas contra a Inglaterra, não. Foram duas vitórias. O título e ganhar da Inglaterra, um mundial à parte", diz Pablo.

Apesar de considerar que não há justificativa para os brasileiros não torcerem pelo time de Neymar, Paco vê com simpatia, logicamente, o crescente número de camisas argentinas circulando por Salvador e outras cidades do país. Um fato que ele atribui ao temperamento de Messi, menos propenso a alimentar publicamente a rivalidade com os vizinhos. Casado com uma brasileira, Paco não só torce pela seleção canarinho quando a albiceleste não está em campo como vê um encantamento histórico de seus compatriotas com o futebol brasileiro.

Em sua análise, o argentino médio torce contra, de verdade, para duas seleções apenas, Inglaterra e Chile. Mas, apesar da boa vontade de Paco com seu segundo país, quando o Brasil enfrentou a Inglaterra pela Copa de 2002, o jornal esportivo Olé estampou na capa: Que percam os dois!

Segundo rival mais odiado pelos argentinos, o Chile enfrenta o ressentimento por conta de uma disputa de fronteira, que quase virou guerra em 1978, ano da Copa na Argentina, e porque o General Pinochet apoiou os ingleses na Guerra das Malvinas, no ano da Copa na Espanha.

Faturar

Alheios à discussão sobre a politização da camisa da seleção brasileira, muitos comerciantes aproveitam o sentimento nacional para faturar mais. O comerciante Rui Cavalcante, que se declara neutro politicamente, comanda junto com o sogro duas lojas no Centro, uma de produtos de beleza e outra de utilidades do lar. Especialmente para os meses que precedem a copa, os empresários abarrotaram as duas unidades de artigos em verde amarelo, desde chaveiros a perucas. “Investimos cerca de R$ 50 mil", informa Cavalcante.

Uma das clientes é a comerciante Luciana dos Santos, dona de um hortifruti na Vila Laura. Há um mês, ela vai ao centro em busca de artigos para adornar a sua casa e o seu estabelecimento comercial. Luciana não gosta de discussão sobre política e não vê o que se possa falar sobre o uso ou não do verde e amarelo. "A gente tem que respeitar o voto do outro. E como é Copa, é o nosso país, a gente tem que torcer. Não tem nada a ver com política", afirma a comerciante, na torcida por mais uma estrela. Não necessariamente a do PT.

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