MUITO
Crônica - Montanha-russa no escuro
Por Luisa Sá Lasserre

Do alto do morro da Lagoa da Conceição, em Floripa, eu via os parapentes em sobrevoo e imaginava a sensação do frio na barriga misturada à de liberdade. Eu estava curtindo férias, entrando um novo ano em terras catarinenses. O cenário, além de um deslumbre, era um convite. Como será planar sobre o ar feito beija-flor que se demora na degustação do néctar? Fará frio, dará medo? Será alegria ou arrebatamento?
Não voei de parapente e segui viagem. Vivi outras aventuras. Ficou a imagem do voo sobre a lagoa. Teria sido o mais perto que cheguei de um esporte radical, não tivesse descido cerca de 22 metros de rapel no Poço do Diabo alguns anos antes. Uma experiência que considerei bastante tranquila, na verdade.
Pouco mais de dois anos e meio depois daquela tarde em Floripa, já estava casada e havia me tornado mãe. Foi então que descobri o que era aventura de verdade. Parapente, paraquedismo, escalada, rapel… que nada. Me desculpem os esportistas, mas nada é mais radical do que a incrível combinação de casamento e filhos. Interessante notar aqui que a palavra radical vem de raiz. E meu elemento terra pede raízes bem fincadas.
O frio na barriga, o receio do desconhecido, a alegria, a incerteza e o arrebatamento, está tudo aqui. Um misto de insegurança e coragem que se apresenta não só no momento do salto ou do sim, do assombro ou do choro, mas permanece pela vida. Você dá o passo sem saber o que há pela frente. Só se joga e vai.
Não é assim a vida? Incerta e cheia de percalços. E, veja bem, a palavra percalço, mais conhecida como obstáculo ou dificuldade, consta no dicionário também com o significado de ganho ou lucro eventual. Paradoxal? Talvez. Como o próprio viver.
São assim os relacionamentos, afetivos e familiares. É como andar na corda bamba, dezenas de metros acima do solo. Às vezes, é escalar um morro alto. Exige destreza, atenção, empenho, esforço. É difícil, dá trabalho, faz suar frio até. Mas lá no alto vem a recompensa... a vista panorâmica, o vento que sopra, a sensação de desafio enfrentado.
Ninguém chega ao topo sem cruzar barreiras. Desde quando ficou fácil? Estaríamos desaprendendo a nos relacionar? Todo mundo quer a festa, mas não arrumar a casa depois. Esquece que relacionamento é feito mesmo de dia a dia. Tem carinho e companhia no café da manhã e no cinema, mas também pia de pratos pra lavar, opiniões divergentes, aquela camisa velha que você não suporta mais ver o outro vestido.
É aprendizado diário, e funciona melhor com disposição pra se transformar, se reconstruir, abrir mão, às vezes, e dar a mão, muitas outras. É ajustar os passos na caminhada e afinar o compasso na descida ou na subida. E depois aproveitar a vista.
Desconheço aventura maior do que casar e criar filhos. É como andar de montanha-russa. No escuro. Igual à space mountain na Disney, um dos brinquedos que mais gostei quando estive por lá, ainda adolescente. A gente gritava e se maravilhava ao mesmo tempo, enquanto o carrinho corria pra cima e pra baixo, fazendo curvas e rodopios acentuadas, no breu. Aqui e ali, brilhavam umas luzinhas.
Hoje já não me animo a frequentar parques de diversão. Prefiro a solidez do chão sob meus pés, da pizza e do filme em casa, do casamento e da maternidade vivenciados dia a dia no miudinho. Aqui e ali, acendem estrelas e o céu escuro se ilumina.
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