MUITO
Crônica do fim do mundo
Meu cunhado sempre me diz que o apocalipse está para acontecer
Por Clara Cerqueira*

Meu cunhado sempre me diz que o apocalipse está para acontecer, mas como não sou cristã nem coisa que o valha só dou risada. Vejam, eu acredito no aquecimento global e não tenho dúvidas do caos climático e bélico que já estamos presenciando, mas essa coisa toda de um messias descendo à terra e promovendo o juízo final, sinceramente, eu tenho cá minhas dúvidas.
Devo admitir, porém, que na última tempestade que se abateu sobre a capital baiana, meus nervos de pessoa cética ficaram abalados.
Acordamos debaixo de chuva, mas a situação estava sob controle. Comecei a trabalhar normalmente e ainda tive coragem de ir à academia na hora do almoço, mesmo correndo o risco de malhar de roupa molhada – nós é marombeira, papai! Mas a coisa não tardou a mudar. Eu estava lá, linda, fazendo meu exercício de ombro cujo nome desconheço, quando avistei meu querido companheiro refletido no espelho. Tomei um susto, mas fiquei feliz, casal que maromba junto, segue junto, assim espero.
Infelizmente, a realidade é muito menos romântica e ele tinha ido me avisar que as caixas de energia da rua estavam explodindo e que o nosso prédio já estava parcialmente sem luz. Fiquei parada, boquiaberta, com os braços suspensos acima da minha cabeça, sustentando 4 kg em cada um, sem saber o que dizer, pensando na entrevista online importante que eu tinha que fazer para a revista onde trabalho.
Desbaratinada, andei sem rumo entre os aparelhos, tive acesso de raiva, usei de minha artilharia pesada de pragas e palavrões e deixei o instrutor levemente alarmado. A gente já tinha ficado quatro dias sem água pouco tempo antes, quando teve um problema na tubulação da Embasa, isso só podia ser palhaçada! Mas como boa adulta que sou, terminei meus exercícios espumando de ódio e fui tratar de resolver meus problemas.
Entrei em contato com uma amiga que mora perto perguntando se ela tinha energia em casa. Fiquei aliviada e revoltada com a resposta afirmativa – aliviada pois eu não teria que ir muito longe para trabalhar e revoltada porque, mais uma vez, a merda era pior comigo. Engoli seco, me arrumei e na hora marcada eu estava lá, carregando meu home office nas costas.
Terminei a entrevista sem grandes percalços e respirei aliviada, mas como já dizia o poeta, tristeza não tem fim, felicidade sim. Do alto do décimo primeiro andar, vimos o céu se armar em chumbo grosso e o dia virar noite. Raios, trovões, muita chuva e caixas de energia pipocando – não tenho outra forma de descrever, era mesmo o apocalipse.
A água começou a entrar e a energia oscilou até cair. Secamos o chão, desligamos os disjuntores, acendemos as velas e concluímos: só nos resta esperar em grande estilo. Ela abriu uma garrafinha de espumante, serviu umas uvas sem caroço e ficamos discutindo a geopolítica global de um globo à beira da extinção. Nunca me senti tão fina.
Bem, o mundo não acabou, mas o espumante infelizmente sim. Decidimos então que era hora de dar fim ao nosso date e aproveitar que a chuva estava mais calma, para me levar de volta para casa em segurança. Encontrei um marido à beira de um ataque de nervos que anunciou logo na minha chegada: o mundo está acabando, vamos beber. Eu não tive como discordar, afinal, aprendi que tudo melhora antes de piorar.
E lá fomos nós tomar uma cerveja na companhia de amigos destemidos, que desceram muitos lances de escada, passaram por ruas alagadas e escuras, obstruídas por árvores caídas e caminhões da Coelba tentando reparar a fiação elétrica, munidos de apenas uma forte convicção: se vai acabar, que acabe no bar!
*Escritora
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